EXISTENCIALISMO-PARTE I

Herdei antigas anotações datilografadas de uma aula.

O comum entre os diferentes existencialistas é que “a existência precede a essência”, ou seja, algo ou alguém existe, partindo da subjetividade, e só depois pára para pensar. Um objeto é fabricado, seja um livro ou um corta-papel, artista inspirado num conceito e igualmente há uma técnica prévia de produção, digamos, a ‘receita’, depois vindo a utilidade definida, o ‘para-que-serve-tal-objeto’... No caso do porta-papel, ao contrário do homem, a essência (finalidade ou necessidade) precede a existência, determinando a sua presença. Visão técnica do mundo - pensamento de produzir... depois produzir, certo? --- Quanto ao homem, primeiro ele existe, se descobre, surge no mundo, só depois se define no mundo. Primeiro ele não é nada, só depois será alguma coisa. Não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência: não é mais que o que ele fez. --- O homem primeiro existe e antes de mais nada ele é um projeto que se lança para um futuro... --- Sim, a existência precede a essência, o homem responsável por aquilo que é: por si próprio, não pela restrita individualidade, mas por todos os homens. Há dois sentidos para a palavra ‘subjetivismo’ e é com isso que jogam os adversários. Por um lado, quer dizer escolha do sujeito individual por si próprio, e por outro lado, impossibilidade para o homem de superar a subjetividade humana. O segundo sentido é o sentido profundo do existencialismo. Quando dizemos que o homem se escolhe a si, é que cada um escolhe a si próprio; ao mesmo tempo, queremos dizer que escolhe todos os demais. Em todos os atos não há um sequer que ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem que deve ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos porque nunca podemos escolher o mal, escolhemos sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem que seja para todos. A existência precede a essência e se quisermos existir, ao mesmo tempo construímos nossa imagem válida para todos e para nossa época - muito maior a nossa responsabilidade ao envolver toda a humanidade. --- “O homem é angústia” significa estar ligado por um compromisso e que se dá conta de que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também um legislador pronto a escolher a si e a humanidade inteira, sem escapar ao sentimento da sua total responsabilidade. --- DOSTOIEVSKY escreveu: ‘”Se Deus não existisse, tudo seria permitido.” Este o ponto de partida do existencialismo. Se não existe, daí fica o homem fica por conseguinte abandonado, já que não encontra em si nem fora de si uma possibilidade a que se apegue e não há desculpas para ele. Nunca possível uma explicação - não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se Deus não existe, não há diante do homem valores ou imposições que legitimem o comportamento -nem atrás de nós nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. O homem está condenado a ser livre porque não se criou a si próprio e, no entanto, livre porque uma vez lançado no mundo é responsável por tudo quanto fizer. O existencialismo não crê na força da paixão, não pensará nunca uma bela paixão como torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos atos - pura desculpa. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa sua paixão. O existencialista não pensará também que o homem poderá encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra para orientá-lo porque ele mesmo decifra este sinal quando lhe aprouver. Portanto, o homem, sem qualquer apoio ou auxílio, está condenado a cada instante inventar o homem. Disse PONGE: “O homem é o futuro do homem.” Perfeitamente exato. Se entendido que tal futuro está inscrito no céu e Deus o vê, puro erro porque nem isso seria um futuro - mas entenda-se que, seja qual for o homem, um futuro virgem o espera, homem desamparado, frase certa acima... --- O desamparo implica sermos nós a escolher o nosso ser: desamparo é paralelo da angústia. --- O quietismo é a atitude de pensar que os outros podem fazer aquilo que eu não posso fazer. A doutrina existencialista é justamente o contrário, ao declarar que só há realidade na ação e vai mais longe ao acrescentar que o homem é o seu projeto e só existe na medida em que se realiza - é, portanto, um conjunto dos seus atos, a sua vida, uma série de empreendimentos, soma e organização, conjunto das relações que constituem estes empreendimentos. --- Para o existencialista, o covarde se faz covarde e o herói se faz herói, sempre havendo uma possibilidade para o deixarem de ser - o que conta é o compromisso total, não um caso ou ação particular. Temos aqui respostas a censuras referentes ao existencialismo, nunca uma filosofia de quietismo, visto que define o homem pela ação, nem descrição pessimista do homem - doutrina otimista, visto que o destino do homem está nas suas mãos; nem tentativa para desencorajar o homem de agir, visto que só há esperança na sua ação e a única coisa que lhe permite viver é o ato: moral de ação e de compromisso.

FONTE:

Aula em 17/6/75 (qual livro de Sartre? / anotação de páginas entre 213 e 247, resumidas) - Tema: “O existencialismo é um humanismo”, frase de Jean-Paul SARTRE - Fac. de Educação, Depto. Hist. e Filos. da Educação - UFRJ.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 24/06/2017
Código do texto: T6035874
Classificação de conteúdo: seguro