PAUSA, CONTO DE MOACYR SCLIAR

CONTO, pequena narrativa.

INTERPRETAÇÃO:

Pausa na vida de alguém, intervalo contra o que acontece ou reflexão acerca de sua existência / fuga à realidade cotidiana, necessária mudança de vida / mulher bocejando, azedume, mal humorada, suposto desmazelo, companhia desagradável / despertador, cronômetro do tempo / hotel - refúgio do stress do dia-a-dia, porém apego a outra rotina praticada aos domingos / mesmo no sono e no sonho, agitações e correrias.

ELEMENTOS DA NARRATIVA:

PERSONAGEM PRINCIPAL - Samuel (o próprio) + Isidoro (disfarce, nome falso, codinome) - COADJUVANTE - seu Raul (gerente do hotel) - SECUNDÁRIAS ou FIGURANTES - mulher de Samuel, “azeda”, e as “duas mulheres gordas de chambre floreado”, convidativas.

SAMUEL - jovem, mas fronte calva - sobrancelhas espessas, barba azulada - conjunto = máscara escura.

NARRADOR DE TERCEIRA PESSOA - consciente: sabe tudo o que acontece e faz o relato objetivo para o leitor - “Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama (...)”

FATOS NARRADOS - assunto /concreto/ - o domingo de um cidadão comum; tema /abstrato/ - fuga do cotidiano, pausa na rotina, daí o título do conto.

DIÁLOGO - Samuel e sua mulher, em casa, “- Todos os domingos tu sais cedo” / seu Isidoro e seu Raul --- chegada ao hotel, “acordando um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente.” --- saída, “o gerente lia uma revista. - Já vai, seu Isidoro? - Já (...)”

TEMPO - de acordo com a disposição dos fatos narrados, enredo cronológico ou na natureza, progressão do tempo físico (apresentação da estória, conflito e desfecho) marcado pelo relógio: 12 horas de pausa num domingo / levantou-se em casa às 7, despertador no hotel à 7 (convencionalmente, 19 horas), em seguidaseguiu para casa --- psicológico - progressão do tempo interior e mental dos personagens.

ESPAÇO - casa (quarto-banheiro-cozinha-garagem), ruas e “travessa quieta”, “ao longo do cais” (guindastes, barcaças atracadas), “hotel pequeno e sujo”, balcão, quarto “O de sempre (...) aposento pequeno (...) quarto abafado”, por certo desconfortável, “cama de casal (...) cortinas esfarrapadas (...) chão carcomido” --- geralmente, cais é local de meretrício /necessidade física e comércio sem censura/.

ETERNO RETORNO, narrativa cíclica - hotel semanal sempre aos domingos, também como rotina e necessidade de fuga ao cotidiano e isolamento: casa / acordou / saiu / hotel / dormiu / sonhou / voltou para o lugar de origem... --- 1-“Até domingo que vem, seu Isidoro - disse o gerente. / Não sei se virei. - respondeu Samuel (...) / - O senhor diz isso, mas volta sempre - observou o homem, rindo.” --- 2-mulheres prostitutas - APOCALIPSE, tentação do pecado, ele casado - despertar do sono como ressurreição, ele ferido mortalmente no sonho --- despertador = trombeta, guindastes recortados contra o céu avermelhado = tochas de fogo.

SIGNIFICADO DOS NOMES - Antigo Testamento, filho de Ana, considerada estéril e que teve um filho varão: Samuel, vidente e profeta de Deus, chefe e guia de seu povo; e por isso, ao mesmo tempo significa ‘seu nome é Deus” / Isidoro, nome grego, “presente divino, dádiva de Ísis”, deusa do Antigo Egito.

SONHO/PESADELO - Ele nu (estado de pureza paradisíaca), perseguido por índio a cavalo, trespassado por lança, esvaindo-se em sangue lentamente --- ANGÚSTIA - relação do sonho com a realidade exterior: “mexia-se e resmungava. Às duas e meia da tarde (...) dor lancinante nas costas. (...) olhos esbugalhados (...) esvaindo-se emsangue (...) molhando de suor (...) apito soturno /lúgubre, assustador/ de um vapor”. --- DESPERTAR - 1-casa, despertador. 7 da manhã; 2-hotel, idem objeto, 7 da noite.

MUNDO MÁGICO E SIMBÓLICO - Levanta-se às 7 horas --- 7, número cabalístico: número de dias da semana, 7 pecados capitais, 7 orifícios da cabeça --- GÊNESIS, repouso de Deus e dos homens no sétimo dia; pausa sábado judaico, domingo cristão.

SOBRE MOACYR SCLIAR:

Quando começou a escrever, estava mais envolvido com a conjuntura anterior a 1964 do que com a questão judaica... nada a ver os primeiros contos. Releu, percebeu não necessário um tema judaico e sim um modo judaico de narração /esse povo, grande contador de estórias desde os primórdios do mundo.../. Houve uma viagem a Israel em 1970, curso de Saúde Pública. Criou-se no bairro do Bonfim, “todas as características judaicas”, em Porto Alegre - colégio idish, entrada no movimento juvenil sionista Dror, bar mitzvá... Logo, um grande momento afortunado, grande liberdade de criação, maior interesse e curiosidade do público em geral pelo judaísmo, imagem positiva. Incluir judaísmo na literatura em língua portuguesa é manter a tradição oral dentro da expressão escrita, apenas isto.

NOTAS DO AUTOR DESTE TRABALHO INTERPRETATIVO:

1---APOCALIPSE, Antigo testamento - Livro escrito, por fora selado com 7 selos: “Quem é digno de abrir e desatar os 7 selos?” --- VISÕES DESCRITAS BIBLICAMENTE - Tirado o primeiro selo, aparece um cavalo e seu cavaleiro tinha um arco no conto, Samuel trespassado pela lança do índio); segundo selo, cavalo vermelho e cavaleiro com uma grande espada; terceiro, cavalo preto e cavaleiro com uma balança; quarto, cavalo esverdeado e o cavaleiro era a Morte; quinto, almas de homens imolados por causa da palavra de Deus recebem vestes brancas; sexto, grande terremoto; céu desapareceu, luz avermelhou-se, queda de estrelas etc.; sétimo, sete anjos, sete trombetas, também terremoto: trovões, relâmpagos, queda de estrelas etc. --- SIMBOLISMOS - 7 tochas de fogo (7 espíritos de Deus), 7 estrelas (anjos das 7 igrejas), 7 candelabros de ouro (7 igrejas); 7 selos, cordeiros com 7 chifres e 7 olhos, 7 trovões, fera com 10 chifres e 7 cabeças, 7 anjos que tinham os 7 últimos flagelos (7 taças).

2---“O sétimo selo” - Filme sueco de Ingmar Bergman, 1959, tema apocalíptico - pesquise, caro leitor.

3--- “Nunca aos domingos” - Cenário na Grécia, filme norte-americano de 1960, com a apaixonada/apaixonante grega Melina Mercouri (Oscar de melhor atriz) comédia romântica: prostituta de folga do trabalho neste dia da semana.

FONTES:

Recortes diversos --- “Moacyr Scliar: Escrever como judeu” - SP, revista DIÁLOGO, ano XXV, n.276, out./1989.

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