EXISTENCIALISMO-PARTE I
Herdei antigas anotações datilografadas de uma aula.
1---Quaisquer que sejam os diferentes teóricos ou devotos, sem exceção todos admitem que “a existência precede a essência”: partir da subjetividade. Pensar um objeto fabricado, digamos, um jornal ou um canivete. O artífice foi inspirado por um conceito e na técnica prévia de produção - faz parte do conceito, é uma “receita”. Assim, jornal e canivete são ao mesmo tempo objetos que se produzem de uma certa maneira, tendo por outro lado uma utilidade definida; o homem os produziu sabendo para que serviriam tais objetos, nada foi aleatório, casual... A essência, isto é, o conjunto de receitas e características que permitem produzir e defini-los, precede a existência, presença determinada do jornal e do canivete; a visão técnica do mundo - aqui, “a produção ou essência precede a existência”.
2---“A existência precede a essência”. Primeiro o homem existe... se descobre, surge no mundo; e só depois se define. O homem concebido pelo existencialista se não é definível, é porque primeiramente não é nada; só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, pois não há Deus para a conceber. O homem é como ele se concebe depois da existência. Primeiro existe, projeta-se para um futuro e vive subjetivamente, responsável por aquilo que ele é, por si próprio e não apenas individualmente, mas por todos os homens.
3---Palavra ‘subjetivismo’, dois sentidos: ora um lado, escolha do sujeito individual para si próprio; por outro, impossibilidade para o homem de superar a subjetividade humana. O segundo sentido é o sentido profundo do existencialismo - o homem escolhe a si quer dizer que cada um de nós escolhe a si próprio, logo escolhe todos os homens. Ao criar o homem que desejamos ser, criamos ao mesmo tempo a imagem do homem como julgamos que deve (ou deveria?) ser. Ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, nunca escolhendo o mal, sempre o bem para si e para todos. A existência precede a essência e, se quisermos existir, ao mesmo tempo construímos a nossa imagem, válida para todos e toda nossa época. Assim, nossa responsabilidade envolve toda a humanidade.
4---“O homem é angústia” significa estar ligado por um compromisso e que se dá conta de que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também um legislador pronto a escolher a si e a humanidade inteira, sem escapar ao sentimento da sua total responsabilidade. --- DOSTOIEVSKY escreveu: ‘”Se Deus não existisse, tudo seria permitido.” Este o ponto de partida do existencialismo. Se não existe, daí fica o homem fica por conseguinte abandonado, já que não encontra em si nem fora de si uma possibilidade a que se apegue e não há desculpas para ele. Nunca possível uma explicação - não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se Deus não existe, não há diante do homem valores ou imposições que legitimem o comportamento -nem atrás de nós nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. O homem está condenado a ser livre porque não se criou a si próprio e, no entanto, livre porque uma vez lançado no mundo é responsável por tudo quanto fizer. O existencialismo não crê na força da paixão, não pensará nunca uma bela paixão como torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos atos - pura desculpa. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa sua paixão. O existencialista não pensará também que o homem poderá encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra para orientá-lo porque ele mesmo decifra este sinal quando lhe aprouver. Portanto, o homem, sem qualquer apoio ou auxílio, está condenado a cada instante inventar o homem. Disse PONGE: “O homem é o futuro do homem.” Perfeitamente exato. Se entendido que tal futuro está inscrito no céu e Deus o vê, puro erro porque nem isso seria um futuro - mas entenda-se que, seja qual for o homem, um futuro virgem o espera, homem desamparado, frase certa acima...
5---O desamparo implica sermos nós a escolher o nosso ser: desamparo é paralelo da angústia. --- O quietismo é a atitude de pensar que os outros podem fazer aquilo que eu não posso fazer. A doutrina existencialista é justamente o contrário, ao declarar que só há realidade na ação e vai mais longe ao acrescentar que o homem é o seu projeto e só existe na medida em que se realiza - é, portanto, um conjunto dos seus atos, a sua vida, uma série de empreendimentos, soma e organização, conjunto das relações que constituem estes empreendimentos.
6---Para o existencialista, o covarde se faz covarde e o herói se faz herói, sempre havendo uma possibilidade para o deixarem de ser - o que conta é o compromisso total, não um caso ou ação particular. Temos aqui respostas a censuras referentes ao existencialismo, nunca uma filosofia de quietismo, visto que define o homem pela ação, nem descrição pessimista do homem - doutrina otimista, visto que o destino do homem está nas suas mãos; nem tentativa para desencorajar o homem de agir, visto que só há esperança na sua ação e a única coisa que lhe permite viver é o ato: moral de ação e de compromisso.
FONTE:
Aula em 17/6/75 (qual livro de Sartre? / anotação de páginas entre 213 e 247, resumidas) - Tema: “O existencialismo é um humanismo”, frase de Jean-Paul SARTRE - Fac. de Educação, Depto. Hist. e Filos. da Educação - UFRJ.
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