Aforismo – Um gênero pretensioso

“O corpo da verdade tem uma pinta em lugar invisível”
Carlos Drummond de Andrade


No discurso literário encontraremos uma sinergia entre aforismo tradicional e inovação estético-literária, entre o pensamento coletivo e o individual. A linguagem aforística na ficção não apresenta apenas interfaces antropológico sociais e políticas, mas também linguístico-literárias. Em literatura se torna o ponto de convergência ou divergência, entre a ruptura e a reconstrução, o aforismo ultrapassa os limites do convencional e se transforma num novo processo textual de sátira social, de contra poder e de contra literatura.

Segundo o Houaiss, aforismo é a “máxima ou sentença que em poucas palavras, explicita regra ou princípio de alcance moral; apotegma, ditado”. De acordo com esta definição, o aforismo discorre sobre regras ou princípios de alcance moral, sobre concepções de mundo e objeto muitas vezes cristalizados pelo uso e pela reprodução irrefletida de discursos. Por exemplo, ao pensarmos no conceito de vingança, é provável que a primeira coisa que nos venha à mente seja: “A vingança é um prato que se come frio”. Este é um conceito popular. Se qualquer um te bater na face direita, ofereça-lhe também a outra”, um dialoga com o outro, mas são divergentes, o famoso código de Hamurab: “Olho por olho, dente por dente. O que se conclui a partir deste exemplo é que um aforismo dialoga sumariamente com outros aforismos e que, em face de uma visão absoluta de alguma coisa, nos propõe outra.

Vamos analisar esta visão que Carlos Drummond de Andrade propõe no título de seu livro de aforismos, é, de certa forma “O Avesso das Coisas”. Segundo ele, em seu prefácio: “São palavras que, de modo canhestro, aspiram a enveredar pelo avesso das coisas, admitindo-se que elas tenham um avesso, nem sempre perceptível mas às vezes curioso ou surpreendente”.

O segundo tipo de aforismo, segundo o Houaiss é o: “texto curto e sucinto, fundamento de um estilo fragmentário e assistemático na escrita filosófica. Relacionado a uma reflexão de natureza prática ou moral.”.

Os aforismos filosóficos, recorrentes em autores como Nietzsche e Shopenhauer, são pautados na reflexão, e não na simples reprodução de um sentimento comum representado como verdade absoluta como acontece com os ditados, por exemplo. No entanto, filósofos negativos da realidade procuram desconstruir esses afirmativos categóricos sobre o ser humano, processo que raramente é acompanhado pela construção de uma nova verdade.

O gênero aforismo está e sempre esteve ligado à construção e desconstrução de verdades aparentemente imutáveis referentes ao ser humano. Hoje está muito presente nas redes virtuais, pessoas com muitos seguidores em suas redes provavelmente são bons “aforistas”.

Outro aspecto interessante do gênero é a sua intersecção com a literatura, primeiro porque muitos autores literários o escrevem, e segundo porque muitos aforismos possuem de fato uma estrutura narrativa. No famoso aforismo de Kafka, por exemplo: “Uma gaiola saiu à procura de um pássaro”, podemos visualizar uma cena com dois personagens, o pássaro e a gaiola. Os sentidos se invertem, ao invés da imagem tradicional de um pássaro buscando a liberdade fugindo da gaiola, temos o oposto, a prisão em busca do prisioneiro, em poucas palavras uma reinterpretação da ideia de liberdade. É uma imagem que segue uma lógica narrativa e dialoga com uma ideia prévia de liberdade.

Outro nada aforístico, e, portanto, pouco conclusivo, aforismo de Drummond cujo título é “Aforismo”, diz o seguinte:
“O aforismo constitui uma das maiores pretensões da inteligência, a de reger a vida”.

Alguns sinônimos de aforismos são:
ditado, máxima, adágio, axioma, provérbio e sentença.

Outros exemplos de aforismos famosos (desconheço a autoria):
“A vida é breve, a velhice é longa”.
“Seria cômico se não fosse trágico”.
“Rir é o melhor remédio”.
“Só percebemos o valor da água depois que a fonte seca”.
“O tempo dura bastante para aqueles que sabem aproveitá-lo”.
“Se você encontrar um caminho sem obstáculos, ele provavelmente não leva a lugar nenhum”.

Elencamos também algumas considerações sobre uma das seções do livro “Além do Bem e do Mal”, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche(1844-1900), publicado em 1886, é composta inteiramente de aforismos, intitulada “Máximas e Interlúdios “, e é dessa seção que vem os cinco aforismos abaixo: “Assim Falou Zaratustra” (1885), “Além do Bem e do Mal” é uma obra importante, complexa e que trata criticamente de assuntos como a moral, a verdade, a metafísica e o poder. É uma obra que está repleta de ideias e conclusões de alta envergadura, e a escolha de apenas alguns aforismos é uma maneira de não mergulharmos na densidade e nas propostas da obra inteira, mas sim em apenas algumas das suas interessantes e ricas proposições – com os aforismos de teor mais psicológico, sobre julgamentos pessoais, e meta-observação sobre a emoção Algumas afirmações abraçam conceitos enormes do universo humano e da filosofia, e que coloca o amor no mesmo nível da verdade.

Por Friedrich Nietzsche
A vontade de superar uma emoção é na verdade apenas a vontade de uma outra emoção ou de várias outras.

O que fazemos nos sonhos também fazemos quando estamos acordados: inventamos e fabricamos a pessoa com a qual nos associamos — e imediatamente esquecemos que fizemos tal coisa.

Aquilo que é feito a partir do amor acontece além do bem e do mal.

Não se odeia enquanto continua a se julgar algo como inferior, mas somente quando se julga como igual ou superior.

No fim das contas, uma pessoa ama os próprios desejos e não aquilo que é desejado.

NOTA: Na internet existem enes sites e revistas literárias e milhões de outros autores (famosos ou anônimos), você vai encontrar ótimas sugestões e muito mais sobre aforismos, muitos outros autores além do breviário sugerido aqui. Eu gostaria de sugerir os aforismos de Oscar Wilde publicado no Brasil pela editora Sextante, “Oscar Wilde Para Inquietos” é um pequeno manual que reúne 99 aforismos do dramaturgo, escritor e poeta irlandês. No livro, cada capítulo é iniciado por um aforismo de Oscar Wilde discorrendo sobre assuntos variados, como amor, dinheiro, amizade e convívio social, seguido de uma interpretação atual feita por Allan Percy, autor da compilação.


Fontes de Pesquisa:
Revista Língua & literatura
Dharmalog.com
Escrevendo o Futuro.org
Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa
Apontamentos e Cadernos Acadêmicos
 
 

 
Serpente Angel
Enviado por Serpente Angel em 02/07/2016
Reeditado em 12/09/2016
Código do texto: T5685761
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