O BEIJO QUENTE

Prólogo

Trata-se de um devaneio de outrora. Não aconteceu no verão. Aconteceu? Foi numa madrugada fria e chuvosa de inverno, intenso, forte, torrencial como nosso reencontro casual.

ONDE TUDO COMEÇOU

O reencontro foi ocasional. Em Santana do Livramento (Rio Grande do Sul), no meio do jardim das flores, na estufa de vitrais coloridos, ela me disse entredentes:

“Faça, como antes, de mim o instrumento de sua paz. Eletrize meu corpo, incendeie minha carne e consuma meu espírito com o vigor que me liquefaz.”.

Embora partes divergentes de mim ainda teimem em ansiar por provocar pernas trêmulas, frio no estômago, noites em claro, madrugadas sem-fim, não devo esquecer que pelos usos e costumes já sou considerado um ancião. Consumo-me sem comiseração. Digladiam-se o Eu lógico com o Eu diáfano, tão translúcido quanto meu pecado capital da luxúria recalcitrante.

Ocorre que meu dicotômico doido não me dá trégua. Cochicha sibilante ao meu ouvido como uma peroração axiomática: “Aproveite a vida. Você ainda é muito jovem – (Engane-me que Eu gosto) – para ensarilhar as armas. Deixe rolar os acontecimentos, mesmo que sejam surreais. Faça de conta que ela tem o mesmo frescor e você o mesmo denodo de outrora. Vivam seus sonhos coloridos no diapasão uníssono dos seus desejos irrealizados.”.

CONCLUSÃO

O sonho lúcido, equivalente aos estados induzidos por enteógenos e outras substâncias psicoativas aconteceu? Não sei. Não tenho como provar. Só posso dizer que estávamos ali, com os corpos em chamas, os espíritos em êxtase e harmonia, arrebatados em nossos anseios.

Sem sabermos de onde provinha ouvíamos uma música inebriante. O aroma das rosas misturava-se com nossos cheiros e na expectante madrugada que desejávamos só nossa, aconteceu, suave, lindo, como o desabrochar de uma venturosa paixão, o beijo quente selando o pacto silente de nossa união.