Cora Coralina e a literatura
A literatura no Brasil tem conquistado cada vez mais espaço entre os leitores, mas nem sempre foi assim. Atualmente, o mercado editorial, apesar de dizer o contrário, vai muito bem, obrigado!
Lançar-se como escritor não é tarefa das mais fáceis, muito embora toda pessoa que disponha de certo capital, consegue publicar um livro ao escrever sobre o tema e gênero literário que mais se identifique. Porém, há duas diferenças: uma seria em fazer literatura com produção independente, ou seja, bancar as despesas do próprio livro. A outra forma seria assinar contratado com uma editora que assuma a sua publicação e com ele, os riscos decorrentes que envolvem todo investimento, sem que o autor tenha que desembolsar qualquer soma em dinheiro.
Há desvantagens e vantagens quanto a uma e outra forma de se ter um livro publicado e ser reconhecido pelo seu trabalho. Mas existem escritores e escritores, cada qual com seu estilo e conteúdo, seja no gênero romance, crônica, infantil, autoconhecimento, juvenil ou poemas.
E ao escrever sobre literatura não poderia deixar de citar Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas. É provável que poucos saibam de quem se trata, mesmo porque desde muito jovem, ela passou a usar o pseudônimo de Cora Coralina, e foi com ele que ganhou notoriedade no universo das letras e ficou conhecida nacionalmente.
Nasceu em Goiás, em 1889. Com a sensibilidade e talento que lhe eram peculiares, ela não se deteve ante as dificuldades que a vida lhe impunha. O primeiro conto veio a público quando tinha 14 anos. As reuniões do Gabinete Literário eram uma das suas paixões, numa época em que as mulheres eram preparadas para o casamento, Cora preferia as atividades literárias, culturais.
Deixou sua terra natal para casar-se com o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Brêtas, fugindo para São Paulo, onde permaneceu por 45 anos. Após este período distante de Goiás, e com a morte do marido, Cora Coralina retorna à cidade de origem em 1956, de onde nunca mais saiu.
A partir daí, como o desabrochar de uma rosa, a autora goiana se abriu em flor para a poesia, exalando o aroma e a sensibilidade contidos em seus poemas. Estava em casa. E o canteiro da produção poética era fecundo.
Para manter-se, os doces feitos em tachos de cobre garantiam-lhe o sustento do corpo e, para alimentar o espírito, os versos e poemas ocupavam um espaço especial em seu coração poético o que revelava a sensibilidade de sua alma.
O primeiro livro nasceu aos 76 anos, “Poemas dos becos de Goiás e estórias mais”, publicado em 1965 depois de tê-lo oferecido a vários editores. Embora houvesse iniciado sua escrita poética muito cedo, um dos seus poemas do começo, “O canto da Inhuma”, ela o escreveu em 1900, quando tinha apenas 11 anos.
Em 2009, o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, homenageou-a com o tema Cora Coralina, coração do Brasil. Onde a poetisa teve um lugar de destaque na curadoria, homenagem esta que (*) apenas Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Gilberto Freire e Machado de Assis, tiveram suas obras expostas.
Neste mês em que completa 30 anos da sua passagem – morte -mais precisamente 10 de abril, Cora Coralina continua viva através dos seus versos e poemas.
“Morta... serei árvore, serei tronco, serei fronde e minhas raízes enlaçadas às pedras de meu berço são as cordas que brotam de uma lira (...). Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música e nos versos”, escreve ela em seu livro de cordel.
Cora era assim, uma mulher simples, sensível e à frente do seu tempo.
Dos leitores brasileiros, são poucos os que conhecem a fundo o trabalho dessa poetisa de alma voltada às letras, ao belo, à arte de ser e fazer literatura, como exemplo de que não existe idade para escrever, mas é preciso ter sensibilidade e espírito literário para escrever com fecundidade. E foi isso que Cora Coralina fez, ela enriqueceu a literatura nacional com seus poemas que transbordam emoção, os quais a simplicidade na escrita toca mais fundo até mesmo o coração dos eruditos.
Cora Coralina nunca escondeu sua admiração pelos jovens, tanto é que em uma das suas obras publicada em 1983,“Vintém de cobre”, ela escreve com o carinho e a sabedoria adquiridos com a sua experiência de mulher e escritora: “O grande livro que sempre me valeu e que aconselho aos jovens, um dicionário. Ele é pai, é tio, é avô, é amigo e é um mestre. Ensina, ajuda, corrige, melhora, protege”.
Os livros da autora goiana, não constam na lista dos títulos designados para as provas de literatura no vestibular. O que é uma pena! As obras clássicas são as mais indicadas. Mas Cora Coralina também pode ser considerada um clássico, por fazer parte do Patrimônio Cultural do Brasil.
“Caminhos certos e errados, encontros e desencontros do começo ao fim. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.
Cora Coralina é também cultura, experiência de vida, garra, amor, brilhantismo poético e literário. Tem muito a nos ensinar e comover com o seu lirismo poético. Em seus versos existe sempre algo que possa ser somado às experiências de vida.
Cora é Cora de Goiás, de poesia, de batalha, de paixão a arte de escrever, é Cora do Brasil, é legado cultural.
Nos círculos acadêmicos são poucos os que lêem algum livro que não seja os indicados para avaliação das disciplinas e, a literatura escolhida quando não é do meio universitário, consta nas listas dos best-sellers nacionais ou internacionais. Os autores brasileiros, muitas vezes, ficam à margem da preferência dos leitores, que vêem literatura somente em obras de cunho estrangeiro.
Os gostos e preferências são os mais variados e há quem torça o nariz para as obras de autoajuda ou desenvolvimento pessoal, taxando-as de “receitas prontas”, não as encaixando como gênero literário, estilo este visto com algumas reservas e, às vezes, com um olhar de discriminação. No entanto, muitos leitores se valem desse gênero de obra, que lhes têm trazido algo de bom e razoável no campo das emoções, como um amigo sempre a mão nas horas amargas, é assim que a vêem.
O conceito de literatura pode ser diverso e contamos com vários autores brasileiros que se tornaram best-sellers ao escrever obras de reflexão, romance, espiritualidade, poesia, contos, realismo fantástico, história e tudo mais, sem desmerecer-lhes as aptidões e talento de escritores que são, sejam eles clássicos da literatura nacional ou expoentes do pensamento moderno.
(*) Biografia: Cora Coralina, coração do Brasil - Kátia da Costa Bezerra, Museu da Língua Portuguesa, 2009 – São Paulo.