A CORREÇÃO DO POEMA (buscando o formato definitivo)
“A rítmica é a ciência do ritmo que se irá desenvolver através da ourivesaria ou artesania, a qual poderá aprimorar a estética no trato com as palavras nos versos do poeta-autor, acrescendo original virtuosismo à obra poética: o ritmo genuíno, cadenciado e harmônico, agradável aos olhos e ouvidos.
A ritmação é elemento essencial ao molde plástico-literário no qual comparecem elementos que conduzem à metaforização, figuração ou mutação do sentido das palavras, criando imagens, sendo a palavra o significante habitual da codificação, fixando em definitivo o poema contendo Poesia, que é o que destaca o conjunto verbal como objeto estético.
É bom ter-se em conta de que há versos em que não ocorre o comparecimento ou a constatação da Poesia neles. Confunde-se muito a ternura ou a doçura da linguagem com a existência do poético na peça. Atrevo-me a registrar que a maioria dos autores (especialmente os principiantes, mormente nas plataformas virtuais) não conseguem atentar para o poema, o qual representa a concretude da materialidade poética.”
A Ourivesaria Poética no Poema, in
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Corrigir a forma poética é missão relativamente fácil, desde que o poeta-autor esteja efetivamente decidido a enfrentar a tarefa, ou seja, esteja disposto a rever, rasurar, fazer correções, e, se for o caso, substituir o escrito anterior e conceder o aporte de emendas supressivas, aditivas ou modificativas. Será um novo e diferente momento propício ao estudo e convivência com o poético.
Parece-me necessário abordar um assunto que é matéria conexa. Depois de muito examinar o processo de criação artística em Poesia e a sua relação com os mecanismos psíquicos aferidos nas pesquisas originais de Sigmund Freud no século XIX e a absorção dos conhecimentos daí extraídos por Fernando Pessoa, resultando na criação do neologismo “heterônimo”, que nada mais é, para o poeta e estudioso Pessoa, do que o “outro eu” ou o “eu poético”, creio que é possível aceitar que só o alter ego é capaz de produzir Poesia, a partir das vertentes do Mistério.
A reconhecida (ou não) alteridade do alter ego cria o poema a partir da emoção, o que equivale a dizer, ele é a individuada produção do estado de Poesia que assoma no espiritual do poeta. Tanto é que em muitos casos os autores relatam que os versos nascem de chofre, num vigoroso jato de inspiração ou espontaneidade, a tal ponto de imediatidade que parecem não passar pelos mecanismos da memória ou intelecção.
Ao ego caberia, a partir do exercício da racionalidade, a produção do texto em prosa, segundo estas correntes de pensamento e pesquisa que permeiam o psiquismo e a produção literária.
Desta forma, tenho para os meus mais íntimos botões que o ego autoral comumente não produz Poesia, porque esta não se conforma no poema a partir da racionalidade e, sim, exsurge a partir da emoção traduzida em palavras. Necessita ser captada pela sensibilidade para que ocorra a transmutação da emoção em significantes: palavras. Desta sorte, o alter ego criador inaugurar-se-á em estado de Poesia.
O criador/artesão vai aprimorar a garatuja inicial, cinzelando-a com o uso das palavras e suas significações. É uma tarefa mais demorada do que o tempo decorrido para a captação do instante da chamada centelha da inspiração e/ou a morada da palavra vivificada pela criatividade espontânea. Neste segundo momento de criação a racionalidade auxilia na busca do bem artisticamente conformado: é a inteira voz do Belo.
Estas ações imediatas ou mediatas, diferentemente do momento inicial de criação do poema, do livre desencadear das ideias e o surgimento das palavras que traduzem este estado de espírito em que preponderara a emoção, neste novo momento ocorrerá o predomínio da razão, exigindo do poeta-autor lucidez e racionalidade para buscar o formato definitivo para a peça poética em exame.
A tarefa revisional pode ser desenvolvida individualmente pelo autor ou acompanhado de outra pessoa que seja, no mínimo, um aficionado da poética. Como praticante de Poesia há mais de 55 anos, sempre prefiro encarar este desafio de modificar um texto que entendo que não está bem construído num projeto de ação a quatro mãos. Sempre há um parceiro que também quer dar ao seu espiritual a oportunidade de conhecer o processo de criação de outra pessoa, ainda mais quando pertence ao seu círculo de intimidades.
Pode acontecer que, na primeira tentativa de modificação da garatuja inicial, o autor não fique satisfeito com o novo formato da peça artística que acabou surgindo. O processo de oficinação poética pode ou não acrescentar valor ao poema como objeto estético, porém sempre acrescerá o autor de alguma reflexão espiritual válida como densidade humana.
No entanto, a cirurgia na peça escritural fruto da inspiração pode deixar no inexperiente criador poético uma apreciável sensação de frustração. Em regra, intimamente o autor reclama: “mexeram no meu poema, então ele não é mais meu!” Mal sabe ele que aquilo que está avaliando (erroneamente) é o resultado da terapia psíquica que o poema produz em sua mente, especialmente nos domínios do lírico-amoroso.
Muitos talentos futuros morrem neste instante por finar-se a vontade de escrever, devido à insegurança psíquica ou ao excesso de vaidade. Aliás, a maioria dos neófitos, logo ao terminar o poema de estreia, têm absoluta certeza de que acabaram de produzir sua primeira obra-prima...
Também é importante anotar que a peça poética é uma peça estética, porquanto envolve em sua criação mensagem, talento e Beleza: um organismo vivo que é a manifestação do eu lírico do autor. Não se confunde com o exercício do sentir no divã do analista da psique humana.
No entanto, o poema é produto da mais profunda confidencialidade, e pode nascer no momento do divã do psicanalista. Porque Poesia é, para grande parte da crítica uma transfiguração da realidade, a fim de se possa vencer a hostilidade cotidiana. Com ela e por ela acreditam viver com alguma alegria e dignidade presente e futura.
E ardentemente desejar que o poema seja um jorro de felicidade a expulsar o mal pela raiz. A hostilidade que assola o vivente e que, curiosamente, produz o resultado artístico na garatuja poética, flor sensitiva decorrente do benfazejo bafejar do Belo.
MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro solo, 2014/24.
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