Ordem Implícita e Ordem Explícita na Ressignificação Simbólica – Teoria do Neo-estruturalismo Semiótico
Ordem Implícita e Ordem Explícita na Ressignificação Simbólica – Teoria do Neo-estruturalismo Semiótico
Prof. Dr. Jairo Nogueira Luna
O Neo-estruturalismo Semiótico é um processo de análise crítico-artística, com enfoque na literatura, mas podendo ser plenamente aplicável em qualquer outra arte, desde que a obra em questão tenha uma relação sócio-cultural definível e analisável, o que nos parece, seja característica imanente e natural de qualquer obra.
Sobre a ressignificação simbólica já a demonstramos e exemplificamos no livro Teoria do Neo-estruturalismo Semiótico (2006). Lembramos aqui que o processo de ressignificação é aquele em que se encontra na relação obra-(sociedade-cultura) de modo que a obra dê ao elemento simbólico um novo significado ou uma expansão significativa em razão das condições estruturais e lingüísticas da obra, abrindo assim um espaço de discussão acerca das novas possibilidades de interpretação do símbolo. Podemos exemplificar com nosso estudo sobre o romance Eurico, o Presbítero – de Alexandre Herculano, em que as descrições das batalhas medievais ali presentes, ressignificam o jogo de xadrez, inserindo-o como elemento simbólico oculto na obra, mas perfeitamente delineável quando se faz o levantamento dos personagens envolvidos nas batalhas, de modo que Eurico assume ao mesmo tempo dois papéis no tabuleiro: o de cavalo (cavaleiro) e o de bispo. Um conhecido processo ressignificativo é o que se encontra presente na obra Mensagem de Fernando Pessoa, em que o brasão de Portugal serve de elemento estruturante das partes do livro e dos títulos dos poemas.
Falaremos aqui sobre a questão conceitual do Neo-estruturalismo Semiótico que é a de Ordem Implícita e seu correlato conceitual, a Ordem Explícita.
Os dois termos tomo de empréstimo a David Bohm, físico alemão que trabalhou no Brasil nos anos 50. Apenas adaptamos um dos termos, o que para Bohm é “Ordem Implicada”, preferimos o termo Implícita. Tomamos, por extensão a idéia de Holomovimento. Não é a primeira vez que utilizamos um conceito da física para aplicação no Neo-estruturalismo Semiótico, já utilizamos o conceito de Temperatura Informacional do Texto, readaptando o termo antes utilizado também na Teoria da Informação e na Teoria da Poesia Concreta. Utilizamos também os conceitos de Texto Negro, por analogia com Buraco Negro e de Texto Branco, por analogia com o conceito de Buraco Branco.
Entendamos Holomovimento como o continuum diacrônico e as possibilidades sincrônicas de produção literária, a sucessão de escolas, movimentos, mas não compartimentalizados como é característico da periodização literária padrão, mas sim o fluxo contínuo de criação literária que nos permite encontrar um Sousândrade em pleno romantismo, um Qorpo Santo antecedendo o teatro do absurdo e o surrealismo, um Camões reinventando o conceito de herói épico, um Pound fundindo línguas e símbolos, entre tantos outros que superaram os limites estéticos de seu momento histórico e inventaram novos modelos e conceitos.
No âmbito do Holomovimento literário podemos encontrar casos em que a obra apresentava um novo conceito, ressignificava um símbolo de forma explícita, reconhecível abertamente na leitura do texto. Neste sentido, dizemos que existe uma Ordem Explícita, haja vista que não é preciso buscar um sentido oculto para encontrar o signo ressignificado. É o caso, p.ex., da já citada obra Mensagem, de Fernando Pessoa, em que a estrutura das partes evoca diretamente as partes do brasão português.
Mas podemos ter o caso de que a obra apresente o signo ressignificado de forma oculta, embora este, originalmente esteja presente de forma explícita no Holomovimento literário e por contigüidade, no âmbito sócio-cultural. Podemos exemplificar com o poema “Mors” de Emiliano Perneta:
Mors
Nesse risonho lar,
A dor caiu neste momento,
Como se fosse a chuva, o vento,
O raio, e bate sem cessar...
Bate e estala,
Como uma louca,
De boca em boca,
De sala em sala...
Somente tu, flor delicada,
Como quem veio
Fatigada
De um passeio,
Tombaste ali, silenciosa,
Sobre o sofá,
No abandono,
Pálido rosa,
De um longo sono,
De que ninguém te acordará!
O poema cita no título a personagem mitológica romana que equivalia ao Thanatos grego. A personificação da morte. Assim, podemos fazer a leitura do poema, entendendo que o sono referido é o sono da morte (“De que ninguém te acordará!”). Assim, Perneta ressignifica a personagem mitológica greco-latina para o contexto de um velório, mas passando de “boca em boca / de sala em sala”, a flor morre, flor-metáfora de jovem, de musa romântica. Outro poema de Emiliano Perneta que apresenta a ressignificação em Ordem Implícita é o poema “Corre mais que uma vela...”. O signo ressignificado no poema é o Tempo. A relação do tempo apresentada é de sua velocidade psicológica, uma vez que não pode a memória apreender o tempo de fato, mas registrar sua passagem por meio da lembranças (“São anos e parece que é um momento”). Assim, na ação da rememoração, o tempo passado corre velozmente na própria velocidade em que as memórias são recuperadas (“Corre mais que a luz e o pensamento”). Observemos que a palavra “tempo” não ocorre no poema, por isso mesmo temos a ordem implícita.
Corre Mais Que Uma Vela...
Corre mais que uma vela, mais depressa,
Ainda mais depressa do que o vento,
Corre como se fosse a treva espessa
Do tenebroso véu do esquecimento.
Eu não sei de corrida igual a essa:
São anos e parece que é um momento;
Corre, não cessa de correr, não cessa,
Corre mais do que a luz e o pensamento...
É uma corrida doida essa corrida,
Mais furiosa do que a própria vida,
Mais veloz que as notícias infernais...
Corre mais fatalmente do que a sorte,
Corre para a desgraça e para a morte...
Mas que queria que corresse mais!
Outro caso que pode ocorrer é da ressignificação se dá entre um signo que não está apresentado de forma clara na sociedade, no seu momento histórico, e por sua vez, a obra o apresenta explicitamente, de forma a revelar, epifanicamente, seu conteúdo. Esta revelação é resultado da capacidade crítica, analítica do artista. Assim, temos a Ordem Explícita, pois o que se destaca é a revelação do signo. Um exemplo característico é o episódio do “Inferno de Wall Street” do poema O Guesa, de Sousândrade. Apresentando o cenário do capitalismo selvagem, do domínio financeiro sobre a vida das pessoas e o modo irônico com que se dá o sacrifício do herói, diante de banqueiros e industriais americanos, funcionam como a revelação de que o domínio capitalista determinará o destino das nações e dos povos nas décadas que seguem. A revelação aqui presente não era clara, visível explicitamente para a sociedade da época, salvo uns poucos observadores, como o próprio Sousândrade, perceberam o novo estado de coisas. O episódio de Wall Street veio a lume em 1877 e a publicação de O Capital de Karl Marx se deu apenas dez anos antes, em 1867. Sua leitura em terras brasileiras só se deu no início do século XX, por uma minoria intelectual. Sousândrade, assim, apresenta um processo de ressignificação em Ordem Explícita. Ainda, neste caso, temos o que na Teoria do Neo-estruturalismo se denomina de transignificação. Acerca do sentido da transsignificação indico a leitura do texto “O Processo de Transsignificação na Literatura”.
Outro caso que pode acontecer é quando uma obra apresenta uma ressignificação de forma oculta, sendo que o signo, originalmente, também se encontra de forma obscurecida na sociedade. Neste sentido, temos a ressignificação em ordem implícita. Difere do primeiro caso de Ordem Implícita pelo que denominamos de Ordem Implícita Multidimensional, uma vez que é preciso interpretar tanto a obra quanto a sociedade em que foi produzida de forma a encontrar em ambos o que está oculto e as dimensões que causam este duplo-ocultamento.
Um exemplo de ressignificação de ordem implícita multidimensional é o caso Avalovara de Osman Lins, ou ainda, do poema épico Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima. Em ambos os casos, a obra apresenta de forma neobarroca, entre figuras e ressignificações diversas um superssímbolo que se apresenta oculto, qual seja, de característica metapoética. Por sua vez, na sociedade brasileira a questão metapoética da Literatura Brasileira só se deixa entrever após um processo múltiplo de análises. Este é o caso de ressignificação mais denso em termos retóricos e estéticos e o de mais difícil apreensão, pois exige do leitor um repertório amplo de conhecimento da Literatura e da Sociedade.
Podemos resumir, no quadro abaixo os caso que envolvem a Ordem Implícita e a Ordem Explícita:
Ressignificação Simbólica em Processos de Ordem Implícita e Ordem Explícita
Holomovimento Ordem Tipologia Exemplo
Cultura/Sociedade Obra
Signo Explícito (+) Signo Explícito (+) Explícita Aberta Mensagem, F.Pessoa
Signo Explícito (+) Signo Implícito (-) Implícita Fechada Mors, E.Perneta
Signo Implícito (-) Signo Explícito (+) Explícita Epifânica O Inferno de Wall Street, Sousândrade
Signo Implícito (-) Signo Implícito (-) Implícita Multidimensional Invenção de Orfeu, Jorge de Lima
Compreende-se assim a importância dos processos de ressignificação simbólica tanto no âmbito da ordem implícita quanto explícita, pois ao verificarmos a ocorrência dos mesmos, abrimos caminho para a interpretação das obras naquilo que efetivamente criaram em termos de análise do contexto cultural, social, político e artístico em que foram produzidas.