Literatura Comparada - Intertextualidade - Emile Zola x Aluisio de Azevedo

Pedindo desculpas a todos - são meros textos de estudante de letras a caminho do Eldorado, mas creio que podem agradar a alguns que estejam fazendo o mesmo caminho que eu.

Abraços aos leitores!

INTERTEXTUALIDADE

A influência da Literatura Francesa na Literatura Brasileira

Textos escolhidos/ Trechos dos livros:

GERMINAL, de Émile Zola (publicado em 1885)

O CORTIÇO, de Aluísio de Azevedo (publicado em 1890)

I

TEXTO 1 - “GERMINAL” de Émile Zola.

Primeira parte, capítulo I e II.

“(...) – É uma mina, não é”?

(...) - É, sim, é uma mina, a Voreaux. E veja, lá bem próxima, está a aldeia dos mineiros.

(...) Agora a Voreaux tornava-se uma realidade. Etienne, que continuava em frente ao braseiro aquecendo as pobres mãos escalavradas, olhava, começava a perceber cada uma das partes da mina, o galpão preto onde o carvão é peneirado, a torre do sino do poço, a vasta casa da máquina de extração, o torreão quadrado da bomba do esgoto. Esta mina, apertada no fundo de um buraco, com suas construções de tijolo atarracadas, de onde sobressaía uma chaminé que mais parecia um chifre ameaçador, dava-lhe a impressão de um animal voraz e feroz, agachado à espreita para devorar o mundo. (...). Sim, era de fato uma mina, os raros lampiões iluminavam o pátio, uma porta subitamente aberta permitira-lhe vislumbrar as fornalhas das caldeiras das máquinas envoltas numa claridade viva. Encontrava explicação até mesmo para o escapamento da bomba, essa respiração grossa e ampla, resfolegando sem descanso, e que era como a respiração obstruída do monstro.

(...) Na aldeia, agora, as luzes se apagavam. Uma última porta bateu, tudo dormia novamente, mulheres e crianças voltavam ao sono em camas mais largas. E do vilarejo no escuro à Voreaux que resfolegava houve um lento desfilar de sombras sob o vento impetuoso: a partida dos carvoeiros para o trabalho. Caminhavam balançando os ombros, sem saber o que fazer com os braços, que cruzavam no peito, enquanto atrás, o farnel se transformara numa corcunda. Vestindo roupas leves, tiritavam de frio, mas nem por isso caminhavam mais depressa, dispersos ao longo da estrada, num tropear de rebanho.”

TEXTO 2 – “O CORTIÇO” de Aluisio Azevedo

Capitulo I

“(...) – Um cortiço! – exclamava ele, possesso – Um cortiço! Maldito seja aquele vendeiro de todos os diabos! Fazer-me um cortiço debaixo das janelas!... Estragou-me a casa, o malvado! (...)”.

“(...) Graças à abundância de água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma destas casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los.

E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e barulhenta, com as suas cercas de varas, as suas hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a negrura das limosas tinas transbordantes e o revérbero das claras barracas de algodão cru, armadas sobre os lustrosos bancos de lavar. E os gotejantes jiraus, cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal branco.

E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco. (...).

Capitulo III

(...) Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. (...)

(...) Da porta da venda que dava para o cortiço iam e vinham como formigas, fazendo compras. (...)

II

Na segunda metade do século XIX, na França, a literatura avança a passos largos e rápidos em direção a uma tendência de estilo identificada como Realismo. Esse movimento iniciado com a publicação do romance francês Madame Bovary, de Gustave Flaubert, faz oposição brutal ao idealismo do movimento romântico, e busca dar forma e importância aos fatos do cotidiano, da vida real, o mais objetivamente possível. A partir dessa concepção, o desdobramento se torna nítido e inevitável. Esse momento histórico apresenta profundas e significativas mudanças sociais em toda a Europa; o surgimento de uma sociedade capitalista, grandes cidades industriais se desenvolvendo; em contrapartida, uma grande massa operária insatisfeita com os níveis de pobreza e até mesmo miséria a que são submetidos. Ao mesmo tempo, a ciência, sobretudo a natural, passa por uma fase de desenvolvimento tão intenso que parece ser a única fonte de conhecimento apta para explicar o mundo, através de seus métodos experimentais de observação e comparação. Algumas teorias da época, como por exemplo, o Positivismo, o Darwinismo e o Determinismo, influenciaram diretamente o surgimento de certas nuances dentro do Realismo, que foram codificadas como: Naturalismo.

O Naturalismo, idealizado pelo escritor francês Émile Zola, foi marcado pela radicalização do Realismo, tendo em vista comprovar através de seus enredos e ações dos personagens, que o indivíduo é suscetível ao meio em que vive e, além disso, conceber a visão do homem como um animal cuja herança genética de certa forma tornaria previsível seu comportamento e suas reações.

Essas referências serão usadas como parâmetros em nosso estudo comparado, visando demonstrar que existem claras características de intertextualidade entre o livro “O Cortiço” de Aluisio Azevedo, e o livro “Germinal” de Émile Zola.

III

A presença da influencia naturalista do texto francês no texto de Aluisio Azevedo se faz presente em várias áreas, porém destacaremos apenas algumas mais marcantes.

Assim como Germinal, um dos ícones do trabalho audacioso de Émile Zola, O Cortiço também é apresentado sob a forma de uma narrativa; ambos são romances que tem como características principais aproveitarem a individualidade de cada personagem para compor um objetivo maior, que é retratar a sociedade como um organismo vivo que está em constante evolução - influencia positivista-evolucionista - que foi cuidadosamente construída ao longo dos dois textos.

Deste modo, desde o primeiro ao último parágrafo dos dois livros, assim como acompanhamos a trajetória e evolução dos personagens principais das duas tramas, percebemos também que: no caso de Germinal, desponta a mina de carvão onde os operários trabalham, e, no romance de Aluisio Azevedo desponta o cortiço, não apenas como o ambiente onde se passam as estórias e sim vemos que estes dois cenários acabam se comportando dentro das narrativas como se fossem mais um personagem, e por que não dizer, até mesmo como se fossem os próprios protagonistas das mesmas.

Segundo Alfedo Bosi, em seu livro “História concisa da literatura brasileira”, “o Realismo se tingirá de Naturalismo, no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das leis naturais que a ciência da época julgava ter codificado.” (citação da professora Tais Gasparetti, na introdução do livro “O Cortiço, publicado pela editora Martin Claret).

Nos textos escolhidos para abordar esta comparação, Émile Zola apresenta o local onde se desenrolará o romance – uma mina de carvão – cujo nome, Voreaux, que significa voraz, demonstrando o uso de um recurso muito usado dentro do Naturalismo, a personificação, recurso que passa a conferir à mina atributos e peculiaridades próprias de um personagem. Ao longo do texto, Zola fala da mina como de um ser vivo, um animal, que respira com dificuldade - um monstro - “um animal voraz e feroz, agachado à espreita para devorar o mundo...” De forma idêntica, Aluisio Azevedo ao nomear o cortiço como “Estalagem São Romão”, que evoca a idéia de conforto (estalagem), e de santidade (São Romão), usa este mesmo recurso, ainda que o texto surpreenda o leitor com uma realidade exatamente contrária a esta. Assim também o texto confere vida ao cortiço quando diz que o cortiço acorda, após haver dormido sete horas de sono.

Em relação ao tema de ambos os livros também encontramos semelhanças. Em Germinal, o autor descreve o ambiente de miséria dos operários explorados na extração de carvão, ressaltando o fato de que aquela aldeia onde moravam só existia devido à necessidade daquela gente que dependia diretamente do trabalho na mina. Semelhantemente em O Cortiço, o crescimento do mesmo só é possível devido às condições do meio - água à vontade e muito espaço para estender a roupa – condição de trabalho que atrai as lavadeiras de roupas ou seja, condições naturais que permitiriam que as moradias coletivas se desenvolvessem.

Quanto à maneira como Aluísio Azevedo narra a origem e o estágio inicial do cortiço e como são descritos os moradores em sua agitação, semelhantes a “larvas multiplicando-se num monte de esterco”, ou ainda em outro trecho, “im e vinham como formigas”, é, segundo críticos, “o modo descritivo tradicional a essa escola literária, rebaixadora ou mesmo aniquiladora da dignidade humana, ao comparar degradantemente suas personagens a animais, num processo conhecido como zoormorfismo.”. O autor vale-se desse tipo de recurso várias vezes ao longo do livro, seguindo a linha de raciocínio aplicada em Germinal, por Zola, como quando compara o andar dos trabalhadores em direção à mina com “um tropear de rebanho”. Este tipo de abordagem é justificada pela tese naturalista/determinista que busca comprovar fatos e ações dos personagens por meio de comparações com as ciências naturais.

Em relação aos personagens, ambos os autores destacam que o ambiente de miséria, a falta de privacidade das moradias, a incapacidade geral de modificar aquela situação e o trabalho braçal estafante e mal remunerado, levava aquelas comunidades naturalmente aos vícios, promiscuidade, quebra de laços afetivos, perda de perspectivas, como se fosse impossível fugir daquele quadro social ou destino.

Outro ponto em comum em relação às duas obras é que, em ambas as estórias, prevalece a vitória final do explorador sobre os explorados, ou seja do mais forte sobre o mais fraco (teoria evolucionista); ainda que em Germinal, Emile Zola busque desfechar o seu livro com um toque de esperança de que aquela situação pudesse ser mudada no futuro e Aluisio Azevedo opte por não deixar tais indícios transparecerem em O Cortiço.

Através desses breves comentários, buscamos comprovar que a literatura francesa influenciou fortemente a obra de Auisio Azevedo, que, ao escrever “O Cortiço”, perpetuou seu nome como autor da obra-prima do Naturalismo brasileiro.

BIBLIOGRAFIA

Azevedo, Aluisio (1857-1913), O Cortiço, 8ª. Ed. São Paulo, Martin Claret, 2012, Coleção obra prima de cada autor.

Zola, Émile (1840-1902) Germinal, tradução cedida pela Cedibra ao Circulo do Livro, São Paulo, 1976.

Miss Jade
Enviado por Miss Jade em 18/01/2014
Código do texto: T4654588
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