A Literariedade como objeto da Teoria da Literatura

A teoria da literatura tem como objeto do seu estudo, o que foi denominado por Roman Jakobson de literariedade. Esse conceito caracteriza o que torna diferente um texto literário de um texto de literatura (lato sensu).

Um texto para ser literário, parte de uma elaboração especial da linguagem, utilizando elementos da ficção e da imaginação do autor, a chamada literatura stricto sensu. Essa elaboração especial constitui um desvio, que afasta a linguagem literária das ocorrências verbais ordinárias (SOUZA, 1986).

Para que esse desvio proceda, dois aspectos são fundamentais: plurissignificação e ambiguidade do signo linguístico. Afastar-se por completo do uso da linguagem como ferramenta, tomando-a como coisa e não como signo:

Pois a ambiguidade do signo implica que se possa, a seu bel-prazer, atravessá-lo como a uma vidraça, e visar através dele a coisa significada, ou voltar o olhar para a realidade do signo e considerá-lo como objeto ( SARTRE,1989, p.13).

Essas determinações constituem uma marca da literatura, causando a exigência de um método de base linguística para que o texto carregue tal especificidade (SOUZA, 1986). Preceitos que raramente conseguimos detectar nessa babel de produção textual (que se auto intitula literatura) de péssima qualidade que contamina as bancas, livrarias e internet.

Os aspectos imaginário e ficcional também podem determinar a marca literária do texto, extrapolando as suas bases linguísticas, tornando a teoria da literatura aberta a métodos de investigação que valorizam bases sociológicas, antropológicas e psicanalíticas, ou seja, não basta ler, achar bonito, é necessário entender o que se está lendo, inclusive as motivações implícitas ao texto.

Essas três disciplinas estão relacionadas com a literatura por elementos que lhe são comuns, a saber, o simbólico e o imaginário “que antes representa do que expressa o significado” (SARTRE, 1989, p.15). Tais formações de linguagem se amalgamam pelo “discurso literário (interesse da teoria da literatura), pelo discurso mítico (interesse da antropologia) e pelo discurso onírico (interesse da psicanálise)” (SOUZA, 1986, p. 62).

Dentro dessas considerações, acerca do que caracteriza um texto como literário ou não, não poderíamos deixar de citar um gênero em especial, a poesia. Dentre tantos, esse é, com certeza, aquele que melhor pode exemplificar a condição de plurissignificação do signo linguístico. “O homem que fala está além das palavras, perto do objeto; o poeta esta aquém. Para o primeiro as palavras são domésticas; para o segundo, permanecem no estado selvagem” (SARTRE, 1989, p.14).

O texto literário em poesia é, ao mesmo tempo, “um objeto linguístico e um objeto estético” (FILHO, 1986, p. 37). Em nome da expressão poética a norma gramatical é quebrada, pois o “poeta vê as palavras pelo avesso, como se não pertencesse à condição humana” (SARTRE, 1989, p. 14).

Em Aliança, poema abaixo, notamos a integração de novos processos encantatórios; recursos semânticos, palavras de significado abstrato, adjetivação rara. Sem mudar a organização rítmica, Drummond trouxe para o poema a ambiguidade da linguagem:

Deitado no chão. Estátua/enrodilhada, viaja/ ou dorme, enquanto componho/o que já de si repele/arte e composição./[...]Enquanto prossigo/tecendo fios de nada,/moldando potes de pura/água, loucas estruturas/do vago mais vago, vago./Oh que duro, duro, duro/ofício de exprimir! (ANDRADE, 2006, p.35)

A multissignificação é, pois, uma das marcas fundamentais do texto literário como tal. Sem esse traço de literariedade não seriam possíveis as múltiplas interpretações dos textos literários, prosaicos e poéticos, uma vez que “a permanência de determinadas obras se prende ao seu alto índice de polissemia, que as abre às mais variadas incursões e possibilita a sua atemporalidade” (FILHO,1986, p.40).

Referências:

ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros. 9.ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2006.

FILHO, Domício Proença. A Linguagem Literária. São Paulo: Ática, 1986.

SARTRE, Jean-Paul. Que é a Literatura? São Paulo: Ática, 1989.

SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da Literatura. São Paulo: Ática, 1986.