A SITUAÇÃO OU O PERSONAGEM

O leitor não tem a obrigação de decifrar o que está contido no texto, nem a de descobrir o personagem que se vivifica no textual. O dono dos personagens tanto na prosa como no verso é o autor. Mesmo assim, em se tratando de Poesia, pode nem ser o autor, e, sim, o "alter ego" deste (que pode ser até um hóspede indesejável) ou ser mais de um, como ocorre em Fernando Pessoa, através dos heterônimos descobertos e identificados pelo poeta em sua obra, ainda durante o (seu) processo criativo. Alguns deles tiveram até o registro de sua própria biografia, como se tivessem efetivamente existido no mundo dos fatos. Em muitas situações – nos versos – o personagem, através de seus elementos verbais, pensa diferente do (seu) criador literário, a ponto de, muitas vezes, o autor vir a ser surpreendido com uma frase ou verso que não é o que ele pensa, e, sim, diverso e até antagônico, e que aparece por vontade do "alter ego" dominador, no momento da intuição original, através da sensibilidade mágica do processo de criação. Talvez por essa razão seja pacífica, em Poesia, nos domínios da teoria literária, a figura do “fingidor”, tão bem fixado por Pessoa no seu poema “Autopsicografia”, de 1930. O que caracteriza a fixação de um admirador confesso é quando este leitor/receptor toma o texto como se tivesse sido escrito direta e unicamente para si próprio, e se aposse dele como seu, a ponto de que a voz poética passe a ser a sua própria voz, enfim, aquela nascida de seu mais fundo desejo. Desta sorte, o texto é objeto de prazer e gozo... Portanto, é absolutamente inconveniente que o autor apareça no seu poema ou na prosa poética através do "eu", ou seja, com o tratamento personalizado na primeira pessoa, na forma de apresentação do poema. Mesmo que se o diga personagem: O EU POÉTICO. Ou, no mesmo sentido, o criador pretenda que o leitor tome o seu lugar na historieta contada na proposta literária. Quem realmente dá vida à ficção sugerida é sempre o leitor. Ninguém mais...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/4500990