A BLUSA AMARELA DE VLADIMIR MAIAKÓVSKI (1893-1930) - UM POETA QUE ERA SÓ CORAÇÃO

Do veludo de minha voz

Umas calças pretas mandarei fazer.

Farei uma blusa amarela

De três metros de entardecer.

E numa Nevsky(1) mundial com passo pachola(2)

Todo dia irei flanar(3) qual D. Juan frajola(4).

Deixai a Terra gritar amolengada de sono:

“Vais violar as primaveras verdejantes!”

Rio-me, petulante, e desafio o Sol!

“Gosto de me pavonear pelo asfalto brilhante!”

Talvez porque o céu está tão celestial

E a Terra engalanada(5) tornou-se minha amante

Que lhes ofereço versos alegres como um carnaval

Agudos e necessários como um estilete pros dentes.

Mulheres que amais minha carcaça gigante

E tu, que fraternalmente me olhas, donzela.

Atirai vossos sorrisos ao poeta

Que, como flores, eu os coserei

À minha blusa amarela.

(1913)

Tradução: Emílio Carreiro Guerra.

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SITE 20 ANOS DE BLUES: MAIAKÓVSKI E A BLUSA AMARELA. Acesso: 13 de setembro de 2013.

01. NEVSKY (de Nevsky – “De Neva”)

Referência ao príncipe Alexandre Iarolavitch Nevski.

Na Batalha do Neva, em1240, Alexandre salvou a Rússia de uma invasão inimiga.

Por extensão: vencedor, vitorioso, etc.

02. PACHOLA (ADJETIVO)

Bom, bonito, embelezado, etc.

03. FLANAR – Passear ociosamente.

04. FRAJOLA – Elegante; bem falante

05. ENGALANADA - Engalanar – verbo. Ornamentar.

ADJETIVO – Ornado de gala, embandeirado, enfeitado.

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Poesia de rara beleza sobre um motivo comum: uma blusa amarela usada pelo poeta (“Um grandalhão vestido numa blusa amarela”).

Dezenove versos divididos em quatro estrofes: uma sextilha (seis versos), duas quadras (quatro versos) e uma quintilha (cinco versos).

A primeira imagem da sextilha é maravilhosa:

“Do veludo de minha voz

Umas calças pretas mandarei fazer.”

E rima com a segunda imagem que também é maravilhosa:

“Farei uma blusa amarela

De três metros de entardecer.”

Finalizando a interessante estrofe, temos um dístico (dois versos):

“E numa Nevsky mundial com passo pachola

Todo dia irei flanar qual D. Juan frajola.”

A primeira quadra também é interessante:

Deixai a Terra gritar amolengada de sono:

“Vais violar as primaveras verdejantes!”

Rio-me, petulante, e desafio o Sol!

“Gosto de me pavonear pelo asfalto brilhante!”

O eu lírico (a voz que fala no texto) pede que a Terra seja deixada em paz, que seus apelos sejam respeitados, que cessem a sua violação, a sua destruição, a sua exploração, etc.

Diz ainda o eu lírico: sorrio petulante e desafio o Sol, ou seja, o poder legitimamente estabelecido (o Estado e suas instituições), e também diz que gosta dos “enfeites” produzidos pelas revoluções (social, cultural, industrial, histórica, etc.).

Diz a segunda quadra:

O céu está mais azul (“celestial”) e a Terra é minha amante, os meus versos são alegres, isto é, cotidianos, e, principalmente, sobre os fatos comuns, mas também são contundentes, isto é, críticos e sociais e podem ferir como um estilete.

Encerra o belo poema com uma quintilha onde o eu lírico chama atenção para as mulheres amadas, ou seja, os amores, e também para as donzelas (platônicas) – o amor que não se realiza, que sorriem para o poeta, que “recebe” os sorrisos como flores e os costura a sua blusa amarela.

Augusto de Sênior.

(Amauri Carius Ferreira)

(FERREIRA, A. C.)