ANÁLISE DO LIVRO VIBRAÇÕES DE ANÍSIO MELLO

1. VIBRACÕES

É importante que se diga que um poeta, ao trilhar o caminho das letras, deixa um legado, principalmente para as gerações futuras. Anísio Mello não foge desse destino inerente a todos os bons autores que passaram por esta terra. Faz parte daquela plêiade de poetas que deixaram de lado os poemas sentimentalóides, para adentrarem no universo que o circundavam desde sempre, o amazônico. Como ele mesmo diz no prefácio da primeira edição de VIBRAÇÕES: Estes são meus poemas, os mais recentes, e pelo que observei neles, continuo amarrado no mará do meu primeiro porto. Amo a paisagem da Amazônia e canto o melhor, sem ver em minha frente outra coisa, que não seja a filosofia daquela visão primeira. (...) É este o mundo dos meus versos, e se canto a pureza é porque eles são puros, como o universo onde nasceram.

VIBRAÇÕES é o mais recente livro de poemas de Anísio Mello. E o melhor. Traz a feição de obra amadurecida, escoimada das superfluidades, que em geral, marcam os primeiros trabalhos de um autor. Uma nova técnica subordina a poesia enfeixada nesta coletânea, podendo-se perceber que o poeta, hoje, está mais identificado com sua arte e mais apto, portanto, a exercitá-la. Afirma Arthur Engrácio na orelha de VIBRAÇÕES.

Em VIBRAÇÕES, poema que abre e serve seu título ao livro, já se percebe esse amadurecimento que Arthur Engrácio informa na orelha do mesmo. Com uma linguagem de fácil entendimento, o aedo vai tecendo seus versos e emoldurando nossas mentes com verdadeiras poesias.

VIBRAÇÕES

Cheguei como na praia as ondas se debruçam

para sentir o palpitar de uma canção feliz.

Busco o futuro na ânsia de recuperar

o tempo perdido,

que foi vento a me fugir das mão.

Sou profeta do hoje que construo

na fundação da certeza e da vontade.

(Não se constrói no vácuo a catedral de um povo).

(...)

Poesia é tudo aquilo que te faz pensar,refletir, raciocinar sobre alguma coisa, quando nos deparamos com algo intrigante dentro do poema. Anísio Mello, sabedor disso, passa-nos essa lição de forma tão sutil, que embora os leitores acostumados a tantos meneios e salamaleques em outras ocasiões, com outros autores, aqui, voltam àquele porto inicial, com a precisão de um poeta maduro e que sabe o que está dizendo. Ele procura também, com isso, formar novos e bons leitores, fica claro essa preocupação. VIBRAÇÕES, portanto, é um livro tecido de certa forma, para leitores que pretendem entender melhor a poesia.

O poema VIBRAÇÕES é o cartão-postal desse livro, onde o poeta identifica a possibilidade de comunicação com o leitor e o convida a adentrar no seu universo-poético-amazônico: "Busco futuro na ânsia de recuperar o tempo perdido, que foi vento a me fugir das mãos." Eis aí o algo intrigante dito acima, com versos simples, o vate nos faz pensar, refletir nessa inversão de tempo. Do futuro ao passado.

Anísio Mello foi um autor que não se preocupou com modismos, com disposições de palavras no poema, mas sabia que o que importava realmente em poesia era a mensagem do texto poético. Vejamos o que ele diz no prefácio da segunda edição de VIBRAÇÕES: "Não me atrai a veleidade da primazia em qualquer campo, mas dou tudo de mim quando exerço um mister. Este é o mérito. Sou o que sou. Não procuro meu enquadramento com modismos passageiros com o intuito de agradar. O que agrada realmente num poema é a forma, obrigatoriamente, mas o seu conteúdo poético."

Em FIAT, dedicado ao seu amigo, o poeta Ray cunha, fala de certas vivências com o poeta de uma forma tão poética que vale a pena a leitura do poema na íntegra.

FIAT

Percorro com as mãos

meu corpo infame

e percebo a nódoa do prazer antigo

de lábios rubros de urucu

na festa azul da noite morta.

Cuspo em teu rosto esbofeteado

e pago a passagem do prazer do engano

flor da madrugada satânica e obscura

cortada em silhuetas de nanquim.

Percorro o ódio com meus olhos

e marco o compasso nas pedras do chão

na redução da vida

para a felicidade do cotidiano das coisas.

Percorro o mundo-fênix que não morre

no fogo de tanta estupidez

para ver o mar em fogo a crepitar

o último caule da palmeira

e o casco em corrosão

a se esvair nas chamas

da galé antiga de milhões de sonhos.

No poema REGISTRO..., para seu amigo Arthur Engrácio, há talvez, a melhor explicação para aquele verso do poema que abre essa coleção, lembremos: "Busco o futuro na ânsia de recuperar o tempo perdido,/que foi vento a me fugir das mãos." Pois, o poeta com esses versos rememora uma fase muito importante para a literatura amazonense, a fase do Clube da Madrugada. Eis um fragmento do poema:

REGISTRO...

Era ali, companheiro, que o passado

Registrou no livro da memória

O local dos encontros e dos sonhos.

A pedra calcetada de arenito em sangue

Tinha em nós o rubor das glórias do porvir,

Que o capim afastava para conquistar

Como nós, também, o seu lugar ao sol.

Mas o tempo passo, e não faz muito,

O asfalto negro infame

Escorreu por sobre o verde

E ocultou para sempre a lápide vermelha

Do sangue arrancado a forças de explosões

E embora, assim, coberto oculto, humilhado,

Deixa o vestígio das imperfeições

Da mão que ordena o vil desmando."

(...)

No último poema do livro, Anísio Mello, com saudades desta terra, faz uma verdadeira declaração de amor a Manaus. Naquela época o poeta morava em são Paulo, para tocar sua vida.

ASSIM...

Manaus, amazonas, terra amiga, terra boa,

Flor silvestre ribeirinha, de cantos amigos

Da tribo Manau.

Deste-me a flor do encanto e da poesia,

Como néctar sublime-essência pura,

Que exala do cerne da memória.

Foste minha guia, minha alvorada,

Amor sem geometria de polígonos,

Com ares de infinito azul, infindo,

Manaus de todos os dias, caprichosa,

A bulir no peito uma vontade atroz,

De retornar a vida e começar de novo,

Desmorrendo heméterios, américos e álvaros,

Para a luta que aflora ao peito desta raça,

Como bandeira multicor a tremular

No céu de sol, que é seu e meu.

Uma vontade besta de abraçar inteira, Manaus,

Com meus braços impotentes, tão pequenos...

Manaus, Amazonas, Brasil,

Verde, amarelo, azul e branco!

São Paulo, 17.01.1976

VIBRAÇÕES é um livro simples, que fala das coisas simples da Amazônia, universo do autor, que não precisou ir muito longe, bastou abrir a janela e se deslumbrar com tanta poesia à sua volta. Os poemas de VIBRAÇÕES vibram dentro da gente, talvez, por isto, o título tão bem escolhido pelo autor, que traz em seu âmago a vivência das coisas da Amazônia, pois é natural de Itacoatiara, Amazonas.

Miguel de Souza
Enviado por Miguel de Souza em 24/07/2013
Reeditado em 07/08/2013
Código do texto: T4402032
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