ANÁLISE DO POEMA "DAS ÁGUAS GRANDES" DE ALCIDES WERK
DAS ÁGUAS GRANDES
O barco passando e a onda molhando
o menino molhado, na porta da frente.
o homem doente
deitado na rede
com os olhos cansados de espanto e de mágoa
de ver tanta gente
de ver tanta gente
bebendo do sangue, roendo as raízes
de tudo o que fez.
Na estreita maromba,
os bichos chorando de fome e de frio,
com medo do rio
com medo do rio que cresce outra vez.
(Quando eu for presidente,
de amplos e amorosíssimos poderes,
decretarei,
sem visto do congresso,
nem processo,
canonizando santos nacionais
os mártires da enchente.
Convocarei um exército de anjos
para domar o rio e o desvario
dos prováveis dilúvios anuais.
Mesmo assim, por razões de previdência,
visto que temos mártires demais
e precisamos de gente,
levarei meus irmãos pra terra firme,
onde cada não pode ser navio,
nem se esteja sujeito
às caprichosas emoções do rio).
O barco passando, e meus olhos sofrendo
da mesma miséria da mesma miséria
que vêem.
E, de repente,
me vem uma vontade provisória
de encher os bolsos de demagogia,
entrar em casa com uma estória,
qualquer que seja-que não seja séria,
falar de tudo-menos de miséria,
prometer coisas que não cumprirei,
como se faz em tempos de eleições,
para que sejam menos infelizes
(enquanto o rio esconde as roças podres)
mastigando ilusões.
Alcides Werk
O poema "DAS ÁGUAS GRANDES" de Alcides Werk traz em si a temática da enchente, época do ano bastante agonizante em que o homem interiorano passa por certas privações. O texto é construído de certa forma que deixa claro o sofrimento do homem diante da enchente, com a repetição de alguns versos cruciais como: "de tanta água/de tanta água..., com medo do rio/com medo rio..., da mesma miséria/da mesma miséria"..., para elucidar esse momento triste do homem amazônico.
O poema foi composto em versos livres, isto é, não contém métrica, e rimas esporádicas, ora interna, ora tradicional, dando ênfase, desta forma, ao ritmo. Foi agrupado em versos de quatro estâncias, sendo que três dessas estâncias, ultrapassam a quantidade máxima de versos que são dez, entremeada por um terceto, na penúltima estrofe do poema.
O texto está repleto de "enjambement" ou cavalgamento que acontece quando há o prosseguimento do verso no início do verso seguinte. Ex:. "O barco passando e a onda molhando/o menino molhado, na porta da frente." "com os olhos cansados de espanto e de mágoa/de ver tanta água".
Há dois casos de interação no texto (que é a repetição de um termo como recurso estilístico.) Ex:. "de ver tanta água/de ver tanta água". "com medo do rio com medo do rio". Encontramos também dois casos de prosopopeia que consiste em dar características de seres animados a seres inanimados. Ex:. "Na estreita maromba,/os bichos chorando... "às caprichosas emoções do rio".
Nos moldes de uma linguagem poética, o poeta enfatiza no seu texto, o viver amazônico em seus dias mais precários, na época da enchente, e com isto, transforma o sofrimento em arte.
Os sons fechados no introito do poema em ANDO, ONDA, ANDO, dos versos: " O barco passando e a onda molhando", nos remete a um tom melancólico do tema ao qual o poeta se propõe a cantar. No verso seguinte temos: "o menino molhado na porta da frente." As consoantes abertas em molhADO e pORTA é pela presença do menino, sinônimo de alegria, mas logo fecha-se em "fRENTE," é um misto de alegria e tristeza! Alegria pelo menino e tristeza pela situação paradoxal da cena inusitada.
No poema podemos encontrar também um caráter social e político, quando autor fala: "o homem doente/deitado na rede", é a condição social em que o homem se encontra, num lugar sem hospital. Ou quando ele diz: "Quando eu for presidente,/de amplos e amorosíssimos poderes/decretarei,/sem visto do congresso,/nem por processo, canonizando santos nacionais/ou mártires da enchente." É uma crítica à política da época, por talvez, ignorar tal fato, o autor se volta a Deus, pedindo força para ajudá-lo.