O ritmo, a métrica, o pé

O ritmo
O ritmo está inserido em nossa vida em tudo, ou quase tudo. Temos a nos reger vários ritmos biológicos, como o dos batimentos cardíacos, da respiração, de sono e vigília, etc. Até no andar, temos um ritmo próprio. O que seria de nós se uma perna quisesse andar com freqüência diferente da outra? Ou se elas não obedecem a um ritmo comandado pelo cérebro (inconscientemente), pelo cerebelo e pela medula espinhal?
Nas artes, como na vida, o ritmo está presente. E vemos isso muito bem na música e na poesia . A música se rege pelo compasso, que é dividido em tempos, e nos tempos encontramos as notas musicais e os silêncios musicais, cada um com sua freqüência. Juntos, mostram o ritmo próprio da música. No poema, há a regência da métrica, que não é, como no compasso da música, uma regência implacável sobre o ritmo. Na verdade, este (o ritmo) no poema em muitos casos (para não dizer sempre) se sobrepõe à métrica.
Além da rima, da sonoridade, é o ritmo que dá beleza à música, bem como ao poema.

O pé
O pé é a unidade rítmica do poema. Na antiguidade, o poeta recitava seus poemas acompanhado de lira ou marcando o ritmo com o pé, de onde lhe veio o nome. O pé compõe-se de duas ou mais sílabas. Os tipos mais freqüentes (básicos) são:
Troqueu – pé formado por uma sílaba longa e uma breve;
Iambo ou jambo – formado por uma sílaba breve e uma longa;
Dátilo – formado por uma sílaba longa e duas breves;
Anapesto – formado por duas sílabas breves e uma longa.

A métrica
Paralelamente ao ritmo em um poema, encontramos a métrica. Alguns confundem os dois fundamentos em um único, ou seja, a métrica. Porém acima da métrica está o ritmo. Um poema de versos livres não obedece a métrica. Mas, para que seja agradável, deve ter em sua construção um ritmo, que pode ser constante e de fácil percepção, ou apenas inserido nos versos, para enfatizar a poesia. Ao contrário, um verso que obedece metricamente ao número de sílabas esperado nem sempre soa agradável, em função da posição das sílabas tônicas.
Na maioria dos poemas metrificados, os versos variam de 4 a 12 sílabas. Todos têm suas denominações. Alguns deles têm denominação própria.
Nomenclatura:
4 sílabas: tetrassílabo;
5 sílabas: pentassílabo - redondilha menor;
6 sílabas: hexassílabo;
7 sílabas: heptassílabo - redondilha maior ou - simplesmente - redondilha;
8 sílabas: octossílabo;
9 sílabas: eneassílabo;
10 sílabas: decassílabo; de acordo com o ritmo, pode ser chamado: verso heróico: tônicas nas posições 6 e 10, podendo ter subtônicas na posisção 2 e/ou 4; verso sáfico: tônicas nas posições 4, 8 e 10; gaita galega: tônicas nas posições 4, 7 e 10; martelo agalopado: tônicas nas posições 3, 6 e 10; pentâmetro iámbico: tônicas em todas as sílabas pares;
11 sílabas: hendecassílabo; com tônicas nas posições 2, 5, 8 e 11, é chamado de galope à beira-mar;
12 sílabas: dodecassílabo; se tem tônica nas posições 6 e 12 e apresenta cesura na sexta sílaba, é chamado de alexandrino.
Acima de 12 sílabas, o verso é chamado de bárbaro.

Métrica e ritmo
A união da métrica com o ritmo apresenta formas características já difundidas e que têm denominação própria.

O verso decassílabo que tem a tonicidade na sexta e na décima sílabas chama-se verso heróico. Ele geralmente apresenta outra sílaba tônica, a segunda ou quarta
Ex:
Parei na contramão, não me dei conta;
andei de madrugada, andei no escuro,
ainda não sei bem o que procuro,
ainda não sei mesmo se isso é bom.
(“Angústia” – Paulo Camelo)

Chamam-se versos sáficos os decassílabos com tônica na quarta, oitava e décima sílabas.
Ex:
E o nosso mundo se transforma em mero
amontoado de desilusões,
de habeas-corpus, alvarás, prisões
e não prisões, sambas-canções, boleros,
...
(“Omissão” – Paulo Camelo)

Uma forma que mistura heróico e sáfico é o pentâmetro iâmbico. Ele apresenta alternadamente uma sílaba breve e uma longa, fazendo marcação na segunda, quarta, sexta, oitava e décima sílabas.

Há uma variação de verso heróico, utilizada comumente pelos cantadores nordestinos, que se chama martelo agalopado. Tem a marcação tônica na terceira, sexta e décima sílabas.
Ex:
Madrugada, inda noite, a Estrela Dalva
a brilhar como sol no firmamento...
Eu parei no portão por um momento
e voltei caminhar sem mais ressalva.
A saudade cravou-me o seu punhal,
vacilei, mas voltei a retomar
a dorida jornada para o mar
sem vontade, talvez, de comple-la.
Eu deixei minha rede lá na sala
e parti com vontade de voltar.
(“Velha rede” – Paulo Camelo)

Os hendecassílabos (versos com 11 sílabas) mais usuais são formados por um iambo e três anapestos (marcação tônica nas sílabas 2, 5, 8 e 11) e têm a denominação de “galope à beira-mar”, quando são utilizados em poemas de mesmo nome, que sempre formam a rima e terminam com “galope à beira do mar” ou alguma variação desta expressão.
Ex:
Cantor das coivaras queimando o horizonte,
das brancas raízes expostas à lua,
da pedra alvejada, da laje tão nua
guardando o silêncio da noite no monte.
Cantor do lamento da água da fonte
que desce ao açude e lá fica a teimar
com o sol e com o vento, a se finar
no último adejo da asa sedenta,
que busca salvar-se da morte e inventa
cantigas de adeuses na beira do mar.
(“Galope à beira-mar” – Luciano Maia)

Os versos dodecassílabos que têm uma cesura na sexta sílaba, separando-os em duas partes iguais, ou hemistíquios, chamam-se versos alexandrinos.
Ex:
Os cometas de lava, a cortar a tormenta;
antemanhãs de sombra antecipando o Agora:
em presgios de fuga, a tudo se acrescenta
esse magoado olhar de quem se vai embora.
(“Imagens do adeus a Brasília” – Waldemar Lopes)

É bom lembrar que nem todo verso dodecassílabo é alexandrino. Para isso há a necessidade da sexta sílaba tônica.
Alguns dodecassílabos, no entanto, têm sílabas tônicas nas posições 4, 8 e 12. São, obviamente, dodecassílabos, mas não são alexandrinos.
Ex:
De manhãzinha, quando eu sigo pela estrada,
minha boiada pra invernada eu vou levar.
São dez cabeças, muito pouco, é quase nada,
mas não há outras mais bonitas no lugar.
("Boiadeiro", Armando Cavalcanti - Klécius Caldas)

Prevalência do ritmo
A métrica é utilizada na construção poética tendo-se sempre por meta e fim o ritmo. Muitos, por conta disso, dão valor ortodoxo à métrica. No que não estão errados. Porém há casos em que o ritmo sobrepuja a métrica.
Quando o ritmo do conjunto se impõe sobre o ritmo individual do verso, encontramos a sílaba átona de paroxítono final se unindo à vogal da primeira sílaba do verso seguinte, compondo um todo e não partes individualizadas do todo.
Poemas cantados (como o martelo agalopado) carecem muito mais desse ritmo holístico, para que o cantador não quebre, ao fim de cada verso - ou de um ou outro verso – o ritmo cadenciado e forte do martelo. Nada impede, no entanto, que se persiga este conjunto rítmico em todo o poema. Há que se entender, também, que o ritmo deve permitir a inspiração entre a pronúncia de algumas sílabas, para que o declamador do poema não se precipite ou perca a respiração, prejudicando, a apresentação.
Em alguns poemas podemos encontrar – vez ou outra – um verso com uma sílaba a menos ou a mais. Produto da ação descuidada ou proposital do poeta, esse verso muitas vezes está ali cumprindo um papel de manter o ritmo do conjunto. Visto isoladamente, notamos sua suposta anomalia. Porém, no conjunto, ele passa despercebido aos olhos menos aguçados, e é realçado aos de um cultor do ritmo.
Ex:
Estava à toa na vida,
o meu amor me chamou
pra ver a banda passar
cantando coisas de amor.
A minha gente sofrida
despediu-se da dor
pra ver a banda passar
cantando coisas de amor.
(“A banda” – Chico Buarque de Hollanda)

Exemplo forte de prevalência do ritmo sobre a métrica é o poema ritmado denominado Rap, onde a métrica não tem nenhuma importância. Apenas o ritmo. O Rap, apesar de ser declamado, comporta-se como se fosse musicado. É, talvez, o exemplo mais marcante da ascendência da música sobre o poema.
Ex:
Deixe que digam,
que pensem, que falem,
deixe isso pra lá,
vem pra cá, que é que tem?
Eu não estou fazendo nada,
você também...
Faz mal bater um papo
assim gostoso com alguém?
(“Deixe isso pra lá” –Alberto Paz e Edson Menezes)

A exemplo do rap, outros poemas se regem simplesmente pelo ritmo, e a métrica é mero acidente. Incluem-se nesse caso os poemas de verso livre e outros em que há um ritmo predominantemente forte, como nos versos anapésticos.
Ex:
Canoro canário, a cantar saltitante
em brilhante gaiola, pareces feliz,
mas diz o teu canto, enquanto saltitas
e evitas mostrar neste pranto cantante,

que o teu sibilar não é canto de paz,
é bem mais canto triste, de perda, de dor,
é amor que se esvai em total desespero
por ver o teu mundo da grade pra trás.
(“Canto de dor” – Paulo Camelo)

Referência bibliográfica:
CAMELO, PAULO - O rítmo no poema. Recife: Paulo Camelo, 2004;
CAMPOS, GEIR - Pequeno dicionário de arte poética. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1960.