Análise do Poema “A Um Rato Morto Encontrado Num Parque”, de Mário Cesariny

A Um Rato Morto Encontrado Num Parque

Este findou aqui sua vasta carreira

de rato vivo e escuro ante as constelações

a sua pequena medida não humilha

senão aqueles que tudo querem imenso

e só sabem pensar em termos de homem ou árvore

pois decerto este rato destinou como soube (e até como não soube)

o milagre das patas - tão junto ao focinho! -

que afinal estavam justas, servindo muito bem

para agatanhar, fugir, segurar o alimento, voltar

atrás de repente, quando necessário

Está pois tudo certo, ó "Deus dos cemitérios pequenos"?

Mas quem sabe quem sabe quando há engano

nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer

que não era para príncipe ou julgador de povos

o ímpeto primeiro desta criação

irrisória para o mundo - com mundo nela?

Tantas preocupações às donas de casa - e aos médicos -

ele dava!

Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?

Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar

e passou nela a roda com que se amam

olhos nos olhos - vítima e carrasco

Não tinha amigos? Enganava os pais?

Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido

e agora parado, aquoso, cheira mal.

Sem abuso

que final há-de dar-se a este poema?

Romântico? Clássico? Regionalista?

Como acabar com um corpo corajoso e humílimo

morto em pleno exercício da sua lira?

Mário Cesariny

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• Análise

O poema “A um rato morto encontrado no parque”, de Mário Cesariny, mostra, desde a estrutura, características do Modernismo como, em uma única estrofe de trinta versos, possuir versos livres. Além disso, tem como temática a metapoesia, pois o título do próprio poema alude uma dedicatória “a um rato morto encontrado no parque”.

Embora o título sugira que o “eu-lírico” não especifica qual o ser que esse faz referencia, como se houvesse mais de um rato morto (graças à utilização do artigo indefinido – “Um rato morto [...]”); logo no primeiro parágrafo, há a identificação desse rato (passa a idéia de que o “eu-lírico” está bem próximo ao rato – “Este findou aqui sua vasta carreira [...]”). Esse animal, ainda, apesar de minúsculo, ocupa um lugar que, para pessoas ambiciosas, causa inveja (“[...] a sua pequena medida não humilha / senão aqueles que tudo querem imenso [...]”).

No entanto, trata-se de um simples rato que possui

características próprias como “[...] o milagre das patas - tão junto ao focinho! - / que afinal estavam justas, servindo muito bem / para agatanhar, fugir, segurar o alimento, voltar / atrás de repente, quando necessário [...]”. Então, ao observar isso, o “eu-poético” questiona ao “[...] “Deus dos cemitérios pequenos” [...]” o porquê da morte desse animal que nada fez e, além disso, pergunta se houve algum “[...] engano / nos escritórios do inferno [...]”. Porém, não obtém respostas.

Sabe-se apenas que é comum, no dia-a-dia, um rato dar preocupações às donas de casa (pelo medo que esses provocam nelas) e aos médicos (pelas doenças que esses animais podem trazer), nada a mais; então, que mal, segundo o “eu-lírico”, esse animal haveria de ter feito? Não se sabe. A única certeza é que o corpo desse animal está parado, aquoso e cheirando mal.

No final do texto, o “eu” que fala ratifica a idéia da metapoesia, pois se questiona como irá finalizar o poema (“[...] que final há-de dar-se a este poema? / Romântico? Clássico? Regionalista? [...]” ). Porém, por mais que ele encontre uma conclusão, a do rato já houve, uma vez que esse se encontra morto.

Do ponto de vista estilístico, o poema possui uma grande quantidade de pontuações, principalmente interrogações, como se o “eu-lírico” sempre estivesse a se questionar de algo que não concorda. Além disso, o texto se utiliza de uma enorme quantidade de palavras ou expressões que fazem referência ao rato e deixam, de certa forma, o leitor comovido com essa situação digna de pena (“pequena medida”, “minúsculo corpo”, “parado”, “aquoso”, “cheira mal”, etc.).

Outro fator importante a ser analisado no poema é a existência da ambigüidade, pois a figura do simples rato pode personificar-se na do homem em meio à pobreza e à miséria existentes no mundo. Então, é correto dizer que pode haver, por trás dessa comovente descrição do texto, uma crítica à sociedade (daí abordar um tema do cotidiano – ao invés de ser um rato morto no parque, ser mais um homem morto).

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• Conclusão

Por fim, esse poema possui léxicos que conseguem comover o leitor e chamar a atenção dele para a cena da morte de um rato; porém, esse drama é apenas mais um dos muitos que acontecem (não é a toa que o título inicia com um artigo indefinido). Além disso, existe a metapoesia e a ambigüidade (a morte do rato = a morte de um homem, um indigente, etc.). Então, a partir desta última característica é que o “eu-lírico” se aproxima de Mário Cesariny, pois esse, com o auxílio do jogo de palavras ambíguas, faz a crítica que quer, sem deixar nada explícito.

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• Referência

* http://www.mundocultural.com.br/contemporaneo/portugal/mario_cesariny.html