DIVAGANDO...

"É mais seguro escrever do que falar; falando improvisamos, para escrever reflectimos.” (Marquês de Maricá)

Tenho uma obsessão pela escrita, porque quando escrevo abro o silêncio e deixo passar o tempo da minha vida, deixo passar a dor e a própria revolta. Às vezes sinto o pensamento brutalizado e as palavras surgem-me frouxas e vazias, outras vezes quase que preciso de fazer a viagem duma vida para escrever uma frase. Desperdício ou significado? Francamente não sei! Apenas sei que há ocasiões em que eu interrompo várias vezes o que escrevo. Mas mesmo assim teimo em escrever e em arrumar os detritos da minha consciência no papel. E são tantas as palavras escritas que o meu pensamento fica sem espaço. Palavras, palavras e mais palavras que talvez nada digam. Vogais consoantes que brincam num labirinto sem sentido.

O que uma pessoa como eu rabisca, não é importante. Não! O que eu escrevo não é seguramente importante. Talvez até seja ser uma escrita sem nexo, que não me leva a lugar nenhum. Grande escritora! Vazia oca desprovida. Escrevo palavras sem conjuntura, palavras que nada dizem. Junto as vogais às consoantes e formo labirintos sem sentido.

Talvez tenhas razão quando me dizes que eu escrevo coisas sem nexo, talvez nem eu mesma compreenda o que escrevo. Grande escritora! Já nem sequer me preocupo muito em escrever um livro. Existem já muitos livros neste mundo. Há vezes tenho a sensação que já há tantos livros, que na verdade já não resta espaço para mais um livro. Brilhante escritora! Na verdade sou mais uma entre muitas. Divirto-me com a caneta. Felizes dos que têm tudo facilitado e se riem dos desgraçados que tal como eu que não andam para a frente. Às vezes tenho a sensação de que a vida vai-me passando ao lado, e que escrevo porque não tenho tempo para mais nada. E pior do que isso ainda, é esta sensação de que escrevo para nada, porque o que escrevo fica trancado na gaveta sem pernas para andar. Todos os dias me deparo com “escritoras” como eu esgotadas e secas. Confesso que tenho inveja dos que se auto-intitulam grandes escritores, e que nem sequer precisam de pensar em publicar nada porque antes mesmo de pensarem já está publicado.

Já alguma vez experimentaste a sensação não te apetecer falar com ninguém? Falo dos dias em que não te apetece mesmo dizer nada, aqueles dias resumidos ao silêncio! Engraçado que sempre que isso me acontece eu sinto pena. Pena de não dizer nada. Até porque há sempre qualquer coisa para se dizer. Acho não me levariam muito a sério se me justificasse dizendo que estava vazia e logicamente sem nada para dizer. Acho que não convencia. O meu mal foi nunca saber convencer as pessoas. Contudo é precisamente nesses dias de silêncio angustiante que eu encontro a inspiração para escrever, assim ao menos vou pensando nas palavras. Penso no que vou escrever e como vou escrever! Às vezes acabo por não dizer nada de concreto, nem escrever nada com significado, mas outras vezes o meu nada, transforma-se em tudo.

Carrego comigo uma tristeza que me dói e mata-me lentamente. Sinto-me irremediavelmente triste! Corro sem direcção abrindo caminho por entre as minhas angústias e os meus tormentos. Caio aos trambolhões e levantar-me é um exercício forçado. As forças fogem-me o ar torna-se pesado, e é difícil afastar os monstros causadores da minha total desorientação. A cabeça fica sem conteúdo, vazia, como um balão que anda pelo ar, oco, pronto a rebentar a qualquer hora.

Gostava de saber manipular corações, arrecadar almas, e encenar mentiras. Dizem que a mentira tem perna curta, mas muitas vezes é muito apaziguadora! Acho que saber mentir é uma arte. Obriga a encenar e a representar. Todos os dias me deparo com grandes atores. Mas acho que gosto mais de abandonar-me á paixão pela verdade. Não gosto mentiras sejam elas escritas, ou faladas. Podes pensar que eu sou uma mulher ressentida com uma filosofia barata, que falhou na vida. Talvez até tenhas razão, porque efectivamente depois de atravessarmos diversas crises, ficamos pessoas complexas. É extremamente difícil entender a complexidade do ser humano. Eu também faço parte dessa complexidade e por isso tenho dificuldade até a entender-me a mim mesma. Apesar de tudo continuo a achar que a vida é bela e quando a pintamos de esperança fica maravilhosa. Livre é quem abraça o mundo sem reservas mesmo que pendurada por um fio entre a vida e a morte.

Porque escrevo? Olha eu respondo-te que não sei! Exploro os recantos mais profundos de mim mesma e talvez assim me liberto. Escrevo porque sinto necessidade de mergulhar na quietude e abrir o melhor e o pior de mim. Às vezes uma simples folha contém a chave da minha liberdade. Achas que isso não me fortalece enquanto ser humano? Pois eu acho que me ajuda muito. Vivemos num mundo demasiado apressado, que eu acho fundamental arranjar momentos para reflexão. Conversar comigo mesma,ainda que seja para o papel, ajuda-me a saber quem realmente sou e a ser mais verdadeira. A felicidade não é um lugar que se vai mas um estado que se cria. Não é preciso muito tempo para mudar uma vida, ela muda num instante, e sendo assim acho que devia ficar registada.

Eu escrevo para destruir a arrumação dos meus sentimentos, e encontrar o mistério da minha profundidade. Aquilo que a minha escrita retracta a loucura impressa nos meus dias. Uma loucura revelada em palavras decadentes e obscuras. Deixo as palavras se apoderem de mim, elas são a parte e o todo daquilo que eu posso mostrar. Por mais luminosas que sejam as minhas ideias acerca da vida, acabo por cair sempre no desespero de quem me lê.

Ris quando te digo que escrever torna-me numa pessoa pensadora e organizada? Olha que é uma verdade. Escrever ajuda-me a criar energias positivas e a ter melhor percepção de mim mesma. Escrever liberta-me os medos e dá-me uma paz de espírito impressionante! Escrever provoca-me estranhas sensações. Escrevo todos os dias e sinto uma magia muito grande quando passo para o papel as minhas emoções. Escrevo sobre o meu mundo interior sobre o que me alegra e o que irrita. Exprimo o que há de positivo e de negativo na minha vida e dentro do meu coração. E escrevo sobre os meus sonhos, sobre os meus desejos, sobre aquilo que me alimenta a alma e me molda.

A minha mão obedece às ordens do meu pensamento. Escrevo desesperadamente á procura de sinais positivos, mas quase sempre acabo por pintar quadros humanos contaminados de defeitos. São imagens criadas com palavras carregadas de emoção, numa espécie de fuga constante. Descrevo os meus destrutivos pensamentos e assim consigo estancar os conflitos que me sugam. É como se eu possuísse o controlo dos meus instintos. E as palavras rasgam-me nos dedos e eu corro desprotegida no campo escorregadio das letras. O meu pensamento vagueia por ruas pouco iluminadas, sacudido por um desconfortável vento que levanta a poeira das lembranças. E a imaginação destroce as palavras como se fosse uma corda que sufoca a razão.

Escrevo sobre o que eu sou e aquilo que eu gostaria de ser, como se recriasse a minha vida todos os dias e me expusesse numa tela gigante. E teimo em escrever. E hei-de escrever, até que saia de mim tudo o que me corre nas veias como se fosse sangue. Hei-de escrever até ficar exausta, até perder as forças de ambas as mãos, hei-de escrever palavras sem importância, hei-de escrever sonhos vão e realidades ocas, hei-de escrever as minhas dúvidas e também as certezas, hei-de escrever enquanto choro as minhas desilusões e canto as minhas alegrias, hei-de escrever o que me faz temer e o que me faz lutar, hei-de escrever todas as palavras que calei e também as que disse, hei-de escrever as minhas verdades escondidas, hei-de escrever sobre os meus anseios, sobre as minhas certezas, sobre as minhas vitórias e sobre as minhas derrotas, sobre aquilo que me faz feliz e sobre o que me deixa triste, hei-de escrever sobre a minha alegria, sobre a minha dor, sobre as lições que a vida me vai ensinando e sobre as feridas que carrego na minha carne. E hei-de escrever mesmo que ninguém leia, hei-de escrever mesmo que não queiram, hei-de escrever e quebrar ao meio as barreiras que me impedem de falar.

Se eu desprezo as pessoas? Claro que eu não desprezo ninguém, não tenho esse direito.

Se fui suficientemente paciente e compreensiva com as pessoas que encontrei no meu caminho, então porque me transformei nesta espécie solitária? A culpa não é minha. A solidão precipita-se sempre sobre qualquer ser humano. Eu acho que todos devíamos pagar o preço justo, pela dura displasia das nossas vidas.

Sinto um silêncio reprovador a esburacar-me a mente com uma brutalidade desumana. Estou estática e embrutecida no meio duma paz inconsciente que não me oferece nada.

E a caneta vai deslizando no papel como um bisturi cortante expondo-me a alma. Esboço um sorriso tímido, porque nem eu própria entendo as palavras que escrevo. As palavras soam-me contraditórias! Exprimo-me e exponho-me através da angústia! Felicidade angustiada! Talvez não faça sentido, mas a verdade é que gosto de escrever quando estou angustiada. É como se mentisse sem dizer nenhuma mentira. Uma coisa estranha!

Hoje decidi, quebrar as palavras, mesmo aquelas que deixo apodrecer no ar que respiro, mesmo aquelas contaminadas por um sentimento febril que carrego no peito e que me faz transpirar de saudade. Hoje decidi quebrar tudo, até o mundo! Como se fosse possível apenas num momento só, num instante apenas. Hoje decidi quebrar a tua ausência com as minhas palavras. Hoje decidi quebrar a desilusão de ter recebido somente uma gota do extenso oceano que me mostraste, hoje decidi quebrar a minha vida tingida pelo sangue da minha alma, hoje decidi quebrar esta minha verdade inventada e descontrolada. Hoje concluí que é impossível unir o que o destino quebrou.

Tery

Tery
Enviado por Tery em 27/03/2013
Reeditado em 29/03/2013
Código do texto: T4209771
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