METALINGUAGEM POÉTICA

Metalinguagem: Poesia sobre Poesia.

METALINGUAGEM POÉTICA,

A FALSA MUSA.

por Altair de Oliveira

Contrariando o nosso preceito costumeiro de "poesia como a vida", a nossa coluna de hoje faz referência à metalinguagem poética que, numa tradução simplista, é a "poesia sobre poesia" ou a é a poesia feita sobre o fazer poético, uma mania de escrever que já podia ser notada nos mais remotos textos de poesia, mas que a partir do século XX tem se tornado uma prática bastante comum entre nossos poetas, talvez devido à diversidade dos cursos que estudam este assunto nos dias de hoje.

Para se ter uma idéia da quantidade de poesia escrita que utiliza-se da metalinguagem como tema, numa rápida pesquisa pela internet eu consegui reunir mais de 10 poemas que tinha como título justamente "Metalinguagem Poética". Imaginem a quantidade de textos metalinguísticos que não encontraríamos! Dizem que certa vez o grande poeta americano Lawrence Ferliguethi teria dito que "poesia sobre poesia é algo muito chato...". Nem sempre, diria eu. Prova disso é que um dos poemas mais conhecidos e apreciados do, também grande, poeta Fernando Pessoa, "Autopiscografia", é um poema com metalinguagem.

Outros poemas metalinguísticos também foram bastante polêmicos na época de sua publicação e alguns continuam polemizando até hoje. Destes, eu citaria aqui "Profissão de Fé", de Olavo Bilac, e também "Os Sapos", de Manuel Bandeira, ambos tratavam dos espíritos das escolas literárias de sua época (Parnasianismo e Modernismo) e o poema de Bandeira parecia querer combater o formalismo parnasiano de Bilac. O engraçado disto é que Manuel Bandeira nem foi um poeta fechado na escola modernista, ele atravessou vários movimentos literários, inclusive chegou a escrever poemas concretos. E um dos traços marcantes do movimento concretista foi a de discutir a poesia e de fazer uma poesia crítica e de valores formais, norteada por grandes autores do passado que também foram considerados críticos. Um destes grandes poetas cultuados pelos poetas concretos foi o francês Stéphane Mallarmé, que também foi um poeta parnasiano.

O certo é que parece que os poetas sempre tiveram uma certa necessidade de explicar o que é poesia, talvez até para justificar suas estupefação diante dela. E a poesia que, como os senhores já sabem, é um espanto! Ela sempre esquivou-se à qualquer medida, normatização ou codificação. Sorte nossa, eu quero lembrar aqui, porque com os avanços tecnológicos atuais seria bem possível um gaiato qualquer inventar um chip para um "poemapod" da vida e, com isto, desempregar toda esta poetada que arrisca escrever um poema metalinguístico, sempre que a musa verdadeira fica de TPM.

Cinco Poemas Metalinguísticos

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

Poema do português Fernando Pessoa.

***

POÉTICA

Sem autoria e sem versos a poesia será encontrada

na pedra

no rosto e na copa das árvores ensimesmada

sinal

da sina

cor nos azulejos

o abraço das palavras

renova a presença das portas

e janelas de uma casa.

A poesia sim

se presta à prosa

da vida

invisível porcelana.

Poema do português Fernando Paixão.

***

ANTEPASTO

Tudo o que o Poeta escreve

está resumido

numa única palavra: Solidão.

Escrever é distanciar-se do mundo

para poder entendê-lo

é uma forma de morrer.

Viver é outra coisa

ainda que alienada.

Eu trocaria mil rimas

por uma noite de amor.

E trocaria um belo poema

sobre a fome

por um singelo prato de comida.

Poma do maranhense Antônio Miranda.

***

ARS POETICA

A poem should be palpable and mute

As a globed fruit,

Dumb

As old medallions to the thumb,

Silent as the sleeve-worn stone

Of casement ledges where the moss has grown —

A poem should be wordless

As the flight of birds.

*

A poem should be motionless in time

As the moon climbs,

Leaving, as the moon releases

Twig by twig the night-entangled trees,

Leaving, as the moon behind the winter leaves,

Memory by memory the mind —

A poem should be motionless in time

As the moon climbs.

*

A poem should be equal to:

Not true.

For all the history of grief

An empty doorway and a maple leaf.

For love

The leaning grasses and two lights above the sea —

A poem should not mean

But be.

Poema do americano Archibald MacLeish (1892 – 1982).

***

PROFISSÃO DE FÉ

Invejo o ourives quando escrevo:

Imito o amor

Com que ele, em ouro, o alto relevo

Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara

A pedra firo:

O alvo cristal, a pedra rara,

O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me,

Sobre o papel

A pena, como em prata firme

Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem,

A idéia veste:

Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem

Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima

A frase; e, enfim,

No verso de ouro engasta a rima,

Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,

Dobrada ao jeito

De ourives, saia da oficina

Sem um defeito:

[...]

Assim procedo. Minha pena

Segue esta norma,

Por te servir, Deusa serena,

Serena Forma!

Poema do carioca Olavo Bilac (1865-1918).

***

Para ler mais sobre o poeta "Archibald MacLeish":

http://www.poets.org/poet.php/prmPID/47

Para ler mais sobre o poeta "Olavo Bilac":

http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u166.jhtm

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Ilustrações: 1- foto de trabalho do pintor cearence Aldemir Martins; 2- foto do poeta francês Stéphane Mallarmé; 3- outro trabalho de Aldemir Martins; 4- foto do poeta americano Archibald MacLeish .

Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve quinzenalmente às segundas-feiras no ContemporARTES a coluna "Poesia Comovida" e conta com participação eventual de colaboradores especiais.