Filmes: Babel e Espanglês
CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
Departamento de Linguagem e Tecnologia – Graduação em Letras
Disciplina: Sociolinguística
Professora: Juliana
Aluno: Luís Antônio Matias Soares
QUESTÃO 1
BABEL e ESPANGLÊS são filmes que refletem sobre a falta de comunicação no mundo atual, ainda que a nossa época insista em se julgar melhor aparelhada que as demais em relação a esta questão.
Convivemos hoje com a mais moderna, extensa e complexa rede de comunicação e informação social jamais vista. Fazemos uso diário de tecnologias que vão desde a internet até telefones celulares de última geração que podem nos colocar num segundo em contato visual, auditivo e afetivo com milhares de pessoas de qualquer parte do planeta. Nem por isso, no entanto, nos tornamos melhores ou mais felizes. Nem por isso nos fizemos mais compreensivos e tolerantes para com os nossos semelhantes.
Os dois filmes apresentam visões bastante variadas sobre o mesmo tema. O primeiro aborda as dificuldades de comunicação, a incompreensão entre os homens, o preconceito e a separação cultural entre o “eu” e o “tu”, a partir de uma visão macroscópica relacionando países, etnias e culturas. Já em Espanglês as mesmas questões (ausência de comunicação e de compreensão etc.) são abordadas sob um olhar microscópico bem localizado: a relação estabelecida entre uma família americana e sua empregada doméstica de origem mexicana.
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Na Bíblia (Gênesis), Babel é a designação da torre construída pelo ser humano no objetivo de atingir os limites do Céu. Deus ferirá o orgulho humano ao dispor entre os homens uma série de empecilhos e divisores na forma de línguas variadas que irão impedi-los de se comunicar e concretizar a obra.
Neste sentido, o estranhamento e o mal entendido linguístico surgem como fatos comuns no decorrer de Babel. Vê-se, por exemplo, a incompreensão surgir a todo o momento e não só relacionada ao contato entre povos, culturas ou línguas distintas (mexicanos, americanos, japoneses e árabes), mas também nas relações interpessoais entre pessoas de um mesmo país, língua e cultura e, num grau mais elevado, entre os componentes de uma mesma família.
Podem-se citar numerosos exemplos neste sentido: o surgimento da importante questão da separação entre “eu” (os americanos) e “tu” (os mexicanos) na cena em que o guarda da fronteira ocasiona (devido ao seu preconceito) a fuga do sobrinho da babá (Amélia), o que desencadeará o desaparecimento das crianças no deserto próximo à fronteira; ou a dificuldade de comunicação na relação entre o pai japonês e a filha surda-muda que tem sua autoestima rebaixada após a morte (o suicídio) da mãe.
Em relação a esta última personagem, o filme apresenta uma cena muito interessante na qual a garota japonesa se dirige a uma danceteria. Lá dentro – aos poucos e sucessivamente – o cineasta nos expõe à presença e à retirada completa do som ambiente (com muita música, gritos e conversas por um lado e silêncio total por outro). Pode-se captar então a verdadeira percepção que a garota japonesa estaria tendo (a partir de seu ponto de vista de surda-muda) naquele lugar aparentemente repleto de vida, sons e movimentos. A menina sofre, por fim – e para além da sua dificuldade básica de comunicação – com a incompreensão e os preconceitos de colegas e amigos. Ela se vê emocionalmente rejeitada pela sociedade e acredita que a mãe, ao se suicidar, também a teria rejeitado.
O próprio casal protagonista da história de Babel (Richard e Susan) havia preparado a viagem turística no objetivo de buscar superar o momento de crise conjugal e comunicativa que se estabelecera em seu casamento após a morte de um dos filhos. A viagem que faziam era uma tentativa de encontrarem um tempo para se contatarem emocionalmente e superarem as dificuldades de comunicação que começavam a lhes comprometer a vida conjunta.
Outras passagens do filme retratam a segregação entre pessoas de uma mesma cultura e língua, com a consequente falta de comunicação entre o “eu” e o “tu”. É o que acontece quando, logo após o acidente com a arma de fogo, o ônibus com os turistas americanos chega a uma pequena vila marroquina e os demais passageiros (todos americanos) se recusam a permanecer na localidade aguardando a chegada dos médicos e da ambulância que levaria Susan ao hospital.
Os turistas temem (e essa é de fato a percepção que eles têm da população que os cerca) que a população local, marroquinos de origem árabe (veja-se aqui mais uma vez a presença do outro, da diversidade e do desconhecido), venha lhes fazer qualquer espécie de mal.
Assim, eles se recusam a aguardar a chegada do helicóptero-ambulância que transportaria o casal. Tal fato nos mostra que também podemos observar dentro de uma mesma sociedade e cultura a separação entre as pessoas, a falta de compreensão, de humanidade, respeito e amizade.
Observe-se nesta cena que a colaboração e o apoio emocional vão ser dados pelo guia turístico, um jovem árabe que se dispõe a permanecer com o casal até a chegada do médico e da ambulância.
Outro momento interessante se passa no interior do automóvel. A babá, o sobrinho desta e os filhos do casal vão se dirigindo ao casamento do filho de Amélia. Ela então se põe a conversar com os meninos e eles contam que os seus pais haviam lhe dito serem perigosas as terras do México. Imediatamente o sobrinho de Amélia retruca: “só pode ser por que devem existir muitos mexicanos por lá”. Esta imagem nos mostra a visão da família (e de grande parte do governo e da população norte americana) a respeito dos imigrantes mexicanos e de seu país de origem.
Mais um exemplo de incompreensão nos surge durante a execução dos garotos árabes. À polícia pouco importa o que de fato acontecera naquele episódio. Chegam à vila onde habitam os marroquinos para torturá-los e matá-los, sendo o seu principal objetivo mostrar ao “mundo” que haviam tomado as devidas providências em relação ao suposto “atentado” ocorrido contra o ônibus de turistas.
Por outro lado, tanto as mídias internacionais quanto a norte americana se utilizam do acidente para acusar os povos árabes da autoria do atentado, passando imediatamente a divulgar que o acidente fora um crime contra os americanos, sem buscar em momento algum investigar o que de fato acontecera.
Percebe-se também que para o governo americano mais valia acusar e noticiar um suposto ataque dos árabes do que levar efetiva e rápida ajuda à mulher ferida no trágico acidente. Nota-se a demora da chegada da equipe de médicos e do transporte até o local onde o casal se encontrava. No mundo atual globalizado as noticias e incidentes muitas vezes são utilizadas para garantir determinados efeitos no noticiário mundial ou entre a população de determinadas localidades.
Existem momentos do filme, porém, em que os personagens demonstram amor e humanidade em relação ao “outro” e compreensão quanto às diferenças étnicas, culturais, linguísticas e sociais. É a já citada passagem em que o guia turístico de uma nacionalidade supostamente “inimiga” (árabe) do povo americano permanece com o casal até solucionar a situação deles, ajudando-os e, indiretamente, apresentando um ponto de vista e uma relação interpessoal diferenciada quanto a essa questão.
Outros valiosos momentos nesse sentido podem ser vistos na cena em que a babá conversa com os dois garotos (Mike e Debbie, filhos de Richard e Susan) dentro do automóvel. Ela lhes fala em espanhol e eles respondem em inglês, o que não impede que ocorra a comunicação e a interação entre eles; ou ainda quando - no final do filme - Richard e Susan conseguem enfim superar a dor que lhes ocasionara a morte de seu filho e a consequente crise de relacionamento que se estabelecera, reerguendo um portal de comunicação linguística e afetiva.
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Já no início do filme ESPANGLÊS vemos o estabelecimento da relação entre dois povos distintos representados pelas personagens Flor Moreno (imigrante mexicana), sua filha Cristina e pelos componentes da família Clarsky: John (o pai), Deborah (a mãe), a filha Bernice, seu irmão e a avó.
Logo que se deu o contato e a convivência entre os protagonistas, a filha da empregada imediatamente conseguiu se adaptar à nova vida em sua condição de partícipe daquela família. Para ela fazer parte da família e daquela forma de existência era o que de melhor poderia ter acontecido. O estilo de vida americano conquista-a incontinenti, levando-se em conta nesse sentido que ela trazia consigo desde o início o instrumento essencial para a efetiva comunicação com a família: o uso e a compreensão da língua inglesa.
Já a mãe de Cristina, Flor Moreno, ainda não sabia falar nem escrever em inglês, no decorrer do filme sentirá a necessidade de aprender a nova língua para conseguir se comunicar melhor e tentar compreender as ações e motivações dos vários componentes da família Clarsky nos momentos em que se interagem e se relacionam com ela.
O título Espanglês nos conduz, portanto, às margens da possibilidade de interação e elaboração de uma comunicação entre as pessoas, mesmo quando estas muitas vezes se encontram em posições distintas (socialmente, economicamente, culturalmente etc.) ou sob pontos de vista divergentes (como, por exemplo, falando línguas diferentes, tendo suas visões de mundo condicionadas por culturas diversas etc.).
A junção das duas línguas (o inglês e o espanhol) que vemos de fato ocorrer em certas regiões dos Estados Unidos nos mostra mais uma vez que o ser humano carrega tanto a necessidade de se comunicar e compreender o outro para sobreviver no mundo quanto a de manter a separação e a diferenciação entre o “eu” e o “tu” como ponto de partida para o seu crescimento e sua independência individual.
Afinal, podemos até ser uma ilha. Mas estamos cercados e interligados por milhares de outras ilhas semelhantes a nós.
QUESTÃO 2
NEGAÇÃO – ISOLAMENTO E SEPARAÇÃO:
Vê-se inicialmente na personagem Flor Moreno um direcionamento prévio no rumo da negação, isto é, existe nela uma ideia ou sentimento no sentido de manter-se separada e preservada cultural e emocionalmente em relação à família Clarsky. Assim que começa a trabalhar para a família, Flor buscará não se envolver emocionalmente com eles e manter firme o seu espaço físico e cultural, bem como o de sua filha.
Depois – a partir da cena em que percebe a baixa autoestima da filha do casal, Bernice – a empregada acaba se envolvendo com a família e seus dramas, o mesmo ocorrendo na via inversa: a família também passa a participar dos problemas de Flor (relacionados, por exemplo, à educação da menina), ainda que a finalidade de ambas neste envolvimento não seja a mesma.
No decorrer do filme Flor sentirá a necessidade de ultrapassar o seu isolamento e, nesse sentido, buscará aprender a língua utilizada pela família.
DEFESA – DEPRECIAÇÃO, SUPERIORIDADE E REVERSÃO:
Se por um lado Deborah Clarsky demonstra claramente em suas ações e intenções o sentimento que tem acerca da superioridade de sua cultura (a norte americana) sobre a da empregada Flor Moreno (latina) devido em parte ao próprio fato da superioridade econômica que tem sobre a empregada, por outro a filha desta última nos mostra o que é denominado por Bennett sob o nome de reversão.
Cristina de certo modo desvaloriza a sua própria cultura e considera que a da família Clarsky lhe é superior, buscando fazer parte desse meio cultural e social que acabara conhecendo e onde fora morar com a mãe (na casa de praia de propriedade de Deborah e John).
MINIMIZAÇÃO – UNIVERSALISMO FÍSICO E UNIVERSALISMO
TRANSCENDENTAL:
Para Deborah não importa se as diferenças entre a sua cultura e a de Flor Moreno sejam ou não negativas. Essa é uma questão que não surge absolutamente para ela em momento algum do filme. Ela transita como um trator sobre as questões e a cultura (o modo de ser, de educar a filha Cristina, dos desejos) da empregada, como passa e passaria normalmente sobre todos os demais problemas e pessoas relacionadas a sua vida, seu esposo, sua filha Bernice etc.
Já Flor Moreno ainda tenta de alguma forma entender os modos de ser da família Clarski, principalmente de Deborah e seu marido. Tanto é assim que ela procurará aprender inglês para poder se comunicar diretamente com eles. Tudo, no entanto, se desfaz diante da pressão e da intromissão de Deborah em relação à educação que Flor dá a sua filha, o que de algum modo vem a abalar a relação entre Cristina e Flor Moreno e conduzirá o filme ao seu desfecho: Flor decide ir embora da casa dos Clarski tanto para preservar a relação dela com a própria filha quanto para manter a identidade cultural de ambas.
ACEITAÇÃO:
Não se percebe a princípio por parte das duas protagonistas (Deborah e Flor Moreno) qualquer sentimento de aceitação em relação às culturas que lhe são opostas.
Deborah representa e é um símbolo da cultura americana. Ela passa por cima dos sentimentos de sua empregada. Isso ocasiona uma série de desentendimentos entre as duas e faz com que Flor Moreno se ponha numa posição de defesa ante as invasões da patroa em sua vida particular e na criação de sua filha.
O filme termina com as duas mulheres se encastelando em suas vidas particulares e culturalmente diferenciadas. Flor resgata sua filha do convívio da família Clarsky e volta para sua terra natal, o México, enquanto que Deborah prossegue em sua existência de mulher americana de classe média em ascensão, junto do marido e dos filhos, mantendo neste ambiente a sua antiga e proeminente posição dominadora.
ADAPTAÇÃO – EMPATIA E PLURALISMO:
Cristina se encontra no estágio de adaptação ou tentativa de adaptação, conforme definido por Bennett. Ela sabe fazer uso da língua da família Clarsky, conseguindo estabelecer com eles uma comunicação coerente e - durante boa parte do filme - servindo até mesmo como intérprete de sua mãe.
Procurando atingir o mesmo ideal, vê-se que a própria Flor resolve aprender inglês objetivando superar suas dificuldades de comunicação e compreensão a respeito do modo de ser da família com a qual está vivendo.
INTEGRAÇÃO – AVALIAÇÃO CONTEXTUAL E AVALIAÇÃO
CONSTRUTIVA:
Flor não consegue se adaptar ao convívio com a família norte americana. Por este motivo, acaba retornando para sua terra e levando sua filha consigo.
Esta é a maneira que ela encontra para se defender daquela família e daquela cultura que não a compreende nem a respeita enquanto pessoa. Nos momentos finais do filme, ela mesma apresenta uma reflexão endereçada à filha que a define muito bem nesse aspecto: “você quer se tornar como eles? Tem vergonha de ser como sua mãe?”.
Para Deborah, aparentemente, não transparece nenhuma questão integrativa ou construtiva. Ela continuará agindo a partir de sua própria visão de mundo e não se tornará capaz de compreender a posição do “outro” nem de perceber nele uma humanidade diferenciada.