O QUE É POESIA E O QUE É POEMA? - PARTE 1
O artigo de Teoria Literária a seguir surgiu de um desafio proposto pela coordenadora do site: A voz da Poesia - www.avozdapoesia.com.br - Sereníssima - pedindo que fizesse um material de estudo sobre Poesia. Elaborei então um esquema com os temas principais e estou escrevendo o material. Esta é primeira parte do estudo, em breve será publicada a segunda parte (como identificar um poema) e estou produzindo uma terceira parte (sobre elementos constituintes do poema - sua estrutura física).
Primeiramente discorro sobre as diferenças conceituais entre Poesia e poema, como compreendo a diferença, aliada ao meu aprendizado na época da minha graduação em Letras pela Universidade de São Paulo nos anos 90.
PARTE 1
O QUE É POESIA E O QUE É POEMA?
Partirei de algumas definições de Poesia e Poema para dar uma opinião particular sobre os dois conceitos e aprendida nos meus tempos de faculdade de Letras. Opinião sedimentada com clareza através do livro: O Estudo Analítico do Poema, do Professor Antonio Candido.
1 - a) DEFINIÇÕES DE POESIA
Uma ótima definição do termo Poesia está presente na Gramática do Professor Domingos Paschoal Cegalla:
“Poesia é a linguagem subjetiva, carregada de emoção e sentimento, com ritmo melódico constante, bela e indefinível como o mundo interior do poeta visa a um efeito estético.” (Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, Companhia Editora Nacional, 48 edição, 2008 - pág. 640).
A origem etimológica da palavra Poesia vem do Grego Poíesis e significa: ação de fazer algo.
No dicionário Aurélio encontramos 6 definições diversas para o termo Poesia vejamos:
1. Arte de escrever em versos.
2. Composição poética de pequena extensão.
3. Entusiasmo criador; inspiração.
4. Aquilo que desperta o sentimento do belo.
5. O que há de elevado ou comovente nas pessoas ou nas coisas.
6. Encanto, graça, atrativo.
O Poeta Wordsworth definiu-a como: “Emoção recolhida tranquilamente”.
Para o Professor de Teoria Literária Hênio Tavares, tradicionalmente, Poesia é:
“A poesia é a linguagem de conteúdo lírico ou emotivo, escrita em verso (o que geralmente ocorre) ou em prosa.” (Teoria Literária, Villa Rica, 11 edição, 1996 - pág. 162).
1 - b) DEFINIÇÕES DE POEMA
No dicionário Aurélio encontramos que o vocábulo poema vem do grego poíema e significa: ‘o que se faz’ e aparecem 3 definições diversas para a palavra:
1. Obra em verso.
2. Composição poética de certa extensão, com enredo.
3. Epopeia.
No dicionário de Termos Literários do Professor Massaud Moisés temos uma ótima definição para a palavra poema:
“(...) considera-se poema toda composição literária de índole poética, “um organismo verbal que contém, suscita ou segrega poesia” (Paz 1956: 14). Assumida ortodoxamente, a conexão entre poema e poesia implicaria um juízo de valor, ainda que de primeiro grau: todo poema encerraria poesia, e vice-versa, sistematicamente a poesia ganharia forma em poema.”
(Dicionário de Termos Literários, São Paulo, Cultrix, 2004 - pág. 354 - op. citada de Octavio Paz, em El arco e La Lira, México, FCE, 1956).
1 - c) DIFERENCIAÇÃO DE POESIA E POEMA
O Professor Antonio Candido no livro o Estudo Analítico do Poema faz um esclarecimento sobre a diferença básica entre Poesia e poema.
Vejamos estas afirmações pinçadas do livro:
“Não abordaremos o problema da criação poética em abstrato: o que é a poesia, qual a natureza do ato criador do poeta; etc. (...).”
“(...) a poesia não se confunde necessariamente com o verso, muito menos com o verso metrificado. Pode haver poesia em prosa e poesia em verso livre.”
“(...) pode ser feita em verso muita coisa que não é poesia.”
(O Estudo Analítico do Poema, São Paulo, Terceira Leitura, FFLCH - USP, 1993 - págs. 13 e 14).
Ele chega a afirmar que os poemas são os “produtos concretos” da Poesia.
Partindo de todas estas informações e definições sobre Poesia e poema, vou escrever o que considero ser o diferencial entre Poesia e poema:
Poesia é o processo de criação/construção do poema, e todas as fases nele existentes.
Geralmente, segue esta ordem:
1*) Armazenamento de sentimentos, vivências, pensamentos, ideias e conceitos, aprendizados n´alma;
2*) Captação de uma energia física que paira no ar e está presente em todas as coisas, nos seres humanos, nos seres vivos, na vivência humana, suas criações e suas relações sociais, e que vive em constante movimento e nos leva, às vezes ou muitas vezes, a um estado de alteração, de sensibilidade outra, que nos toca profundamente e nos chama à criação poética.
3*) Surge o momento da inspiração, onde a Poesia começa a tomar corpo, a se desenhar em palavras na tela ou no papel. É a fase inicial do processo de criação/construção do texto poético, onde, por vezes surgem versos e mais versos ou textos poéticos em prosa, no imediato da captação deste “estado de poesia”. (Parte dos poetas, eu me incluo aqui, creem ser este “estado de poesia” uma Inspiração Divina, até uma situação, onde o nosso Deus se apodera de nossas mãos para escrever versos).
4*) Transforma-se gradativamente a Poesia em poema. Aqui o poeta passa da fase de inspiração para a fase de transpiração, aonde o poema vai sendo transformado e tomando forma mais definitiva (claro que podem surgir mudanças de palavras, versos inteiros em tempo futuro ou até o poema nascer pronto, pois, ele pode ser construído por inteiro, mentalmente, no decorrer do tempo). Já é uma fase mais racional, onde a inspiração primeira é burilada, com a ajuda do dicionário, do dicionário de rimas, da gramática, dos conhecimentos da Teoria Literária, etc.
* Nem todo poeta crê na existência destas fases da criação de um poema - alguns poetas creem apenas na fase 4 e outros na 1 e 4. Estaria o poeta que só crê na fase 4, a criar o poema sem intermédio da inspiração, de uma energia externa que impulsiona a criação, crente que o poema é uma realização, apenas, concreta; apesar de não abdicar de crer na presença de Poesia em seu(s) poema(s).
Pode haver poetas que se valem de uma mescla, estes, junto da inspiração já utilizam dos instrumentos técnicos: dicionários, da gramática, do manual de Teoria Literária para criar/construir o poema.
Poema é a manifestação concreta da Poesia.
O que lemos na tela ou no papel em forma de versos.
Lembrando, das experiências como a Poesia Concreta, onde não necessariamente se apresentam poemas em versos.
Lembrando, da prosa poética, inserida em textos dos gêneros literários em prosa (conto, romance, novela, crônica). Encontrada em pequenas ou significativas partes do texto em prosa: a Poesia se faz presente, escrita no formato de prosa, onde há Poesia, sem termos versos. Geralmente, se misturam o poético e a narrativa, então, se tem uma história com personagens e a poesia se insere no contexto da narração.
Lembrando, da poesia em prosa, muito comum nos dias de hoje, onde o poeta pensa a Poesia, mas não pensa o verso no seu ato de criar um poema. Podemos afirmar que foi realizada uma Poesia em prosa, inconscientemente. O verso parece estar presente, todavia, podemos reescrever o texto no formato de um ou mais parágrafos.
Lembrando, do poema em prosa, onde conscientemente se faz um poema todo em prosa. Não se preocupando com o verso, mas a linguagem poética está presente no texto como um todo. (Vou exemplificar estas três modalidades em negrito na segunda parte do estudo).
Não nos esqueçamos, a Poesia pode estar contida dentro do texto em prosa e que nem todo poema, necessariamente, contém Poesia. Um poema didático, por exemplo, ensinando a Língua Portuguesa para o aluno, pode não conter Poesia, apesar de ser escrito em versos, para facilitar o aprendizado escolar.
A Poesia está ligada ao abstrato: aos sentimentos, às vivências humanas, ao estado de espírito alterado, à inspiração, às ideias, à criação, aos conceitos aceitos e à visão de mundo do poeta.
O poema é a sua forma concreta, onde podemos ler, estudar e interpretar a Poesia.
2 - a) Diferenciando Poema Clássico e Poema Moderno
O poema clássico e o poema moderno (composto a partir da metade do Século XIX e fortalecido no Século XX) se diferenciam, na medida em que a Poesia Clássica tem uma maior rigidez na organização do poema.
Quando pensamos nos poemas clássicos temos que saber de que eles estão divididos em 5 gêneros poéticos: lírico, épico, satírico, dramático e didático e que para cada um destes gêneros poéticos existem tipos de poemas com suas regras fixas, que devem ser respeitadas na confecção do poema.
Ao se pensar no gênero lírico e um dos seus tipos de poema, por exemplo, pensaremos no soneto e suas regras específicas de construção; no vilancete e suas regras específicas de construção e assim por diante. Então, quando o poeta resolve escrever um poema clássico, ele se vale de um destes gêneros poéticos e escolhe um dos tipos de poema pertencente ao gênero poético desejado, seguindo suas regras de construção.
Com o surgimento da Poesia Moderna incorporam-se novos elementos para a criação de um poema, tornando-se optativos os gêneros poéticos clássicos e seus tipos de poemas com suas regras fixas.
Além de não impor novas regras: fixas, para o poeta seguir, o poema moderno dá uma maior liberdade para o escritor escrever seus poemas criando suas próprias regras e tornando optativa parte das regras existentes no poema clássico.
Certo é que o poema moderno não abandona, por completo, os conceitos da Poesia Clássica, alguns deles tornam-se facultativos de estarem presentes no poema e outros elementos aparecem para formar o produto concreto da Poesia. Alguns conceitos se mantêm pelo fato de serem indissociáveis de qualquer poema: o verso, o ritmo e a estrofe. Pensemos nesta afirmação a partir de poemas escritos em versos; no poema concreto, no poema-processo, nos poemas visuais, nas experimentações poéticas outras do Século XX podem surgir poemas sem palavras e, por conseguinte, sem versos.
Fique claro: pode haver Poesia, no poema mais liberto de regras fixas e de modelos pré-estabelecidos (os gêneros poéticos clássicos), que antes da Poesia Moderna, foram quase que para todos os poetas, o alicerce inicial do poema. E pode não haver Poesia em texto pensado como poema clássico e que siga um gênero poético clássico com suas regras fixas.
Na Poesia Clássica escolhia-se o gênero poético e o tipo de poema a se seguir, antes da construção do poema. Claro que precisavam ser criados gêneros poéticos e suas regras, para serem seguidos pelos poetas e os que caiam na graça dos escritores seguiam em frente, se cristalizavam, ao serem realizados por diferentes escritores de diferentes regiões de um país/reino/corte ou de países/reinos/cortes.
Lembrando, com a Poesia Moderna vemos a liberdade de criação do poeta, sem seguir gêneros poéticos e suas regras fixas, podendo ele abdicar dos gêneros poéticos clássicos e criar cada poema à sua imagem. E, ainda, como novidade, temos uma ampliação da temática, o poema social, o poema sobre a nova realidade cotidiana dos homens, com o crescimento da urbanização e suas novidades tecnológicas está presente em grande quantidade. O poema clássico era, geralmente, um poema regido pela lírica amorosa, não significa que não havia poemas sociais, era apenas menos usual a temática social. Já a Poesia Moderna contempla diferentes temáticas.
Crê o poeta moderno que a utilização dos gêneros poéticos clássicos ser insuficiente para expressar a nova realidade do mundo urbano e dos avanços tecnológicos, científicos, culturais, etc. Cinema, trem, automóvel, Psicanálise, rádio, arranha-céus, trânsito, aglomerações urbanas, solidão do homem nas grandes cidades, pressa para se realizar tarefas cotidianas, etc. Então, a maior libertação das formas fixas (os gêneros poéticos clássicos), as novas formas visuais encontradas nos poemas modernos permite ser mais fidedigna a representação da realidade do mundo urbano e moderno.
Interessante notar que, no Século XXI há uma propensão para o retorno dos gêneros poéticos de formas fixas com regras pré-estabelecidas, claro, que em conexão com a realidade atual. O poetrix, a aldravia, o fibhaiku, o Indriso, etc. são gêneros poéticos nascidos no limiar do Século XXI. E há, ainda, a revalorização de alguns gêneros poéticos clássicos e suas regras fixas, como o soneto, o rondel, a trova, o haicai e a tanka.
O estudo dos gêneros poéticos e seus diferentes tipos de poemas (clássicos e modernos) e suas regras recebe o nome de Poemática.
2 - B) E QUAIS SERIAM EXEMPLOS DOS TIPOS DE POEMAS PARA CADA UM DOS 5 GÊNEROS POÉTICOS CLÁSSICOS:
1 - poemas líricos: soneto, nênia, écloga, décima, trova, haicai, etc.;
2 - poemas heroicos: narrativas históricas em versos - Odisseia de Homero, Os Lusíadas de Camões, etc.,
3 - poemas dramáticos: poemas em versos feitos para serem encenados no Teatro - Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente, Dona Branca de Almeida Garret, etc.,
4 - poemas satíricos: poema heroico-cômico, paródia, sátira, epigrama;
5 - poemas didáticos: fábula, máxima, apólogo.
Bibliografia básica para o estudo de Poesia e versificação:
AMORA, Antônio Soares - "Teoria da Literatura". São Paulo, Editora Clássico-Científica - 5 edição, 1964.
ARAUJO, Murilo - “A arte do poeta”. São Paulo, Livraria São José, 2 edição, 1956.
ÁVILLA, Affonso - "O poeta e a consciência crítica". São Paulo, Summus Editorial, 2 edição, 1978.
AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante - “A Técnica do Verso em Português”. Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1971.
AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante - "O Verso Decassílabo em Português". Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da universidade da Guanabara para concorrer à cátedra de Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, 1962.
BARBADINHO NETO, Raimundo - “Estudos em Homenagem a Cândido Jucá (filho)”. Rio de Janeiro, Editora Organização Simões, [s.d].
BERGO, Vittorio. "Consultor de Gramática e Estilística". Rio de Janeiro, Livraria Editora, Zélio Valverde, 1942.
BILAC, Olavo & PASSOS, Guimarães - "Tratado de versificação". Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1944, 8 edição.
BUENO, Silveira. "Manual de Califasia, Califonia, Calirritmia e a arte de dizer". São Paulo, Edição Saraiva, 1958, 5 edição.
CANDIDO, Antonio - “O estudo analítico do poema”. São Paulo, Terceira Leitura, FFLCH - USP, reimpressão, 1993.
CARVALHO, Amorim. "Tratado de Versificação Portuguesa". Lisboa, Edições 70, 1974, 3ª edição.
CASTILHO, Antônio Feliciano de - "Tratado de metrificação portuguesa". Lisboa, Tipografia Nacional, 1858, 2 edição.
CHIAPPINI, Julio. "Teoría del soneto". Rosário, Editorial Zeus, 1983.
CHOCIAY, Rogério - "Teoria do verso". São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1974.
CIRURGIÃO, António. "A sextina em Portugal nos séculos XVI e XVII". Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1992.
DIAS, J. Simões. "Theoria da Composição Litteraria". Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1927.
ESTRADA, Osório Duque - "A arte de fazer versos". Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1914.
FERNANDES, José Augusto. "Dicionário de rimas da Língua Portuguesa". Rio de Janeiro, Record, 1985. (parte introdutória traz conceitos básicos de Poesia e versificação).
FILHO, Cruz - "O Soneto". Rio de Janeiro, Elos, 1956.
GANCHO, Cândida Vilares. "Introdução à Poesia - teoria e prática. São Paulo, Editora Atual, 1989, 7 edição.
GOLDSTEIN, Norma - “versos, sons, ritmos”. São Paulo, Ed. Ática, 1987, 4 edição.
KOPKE, Carlos Burlamarqui - “Do ensaio e de suas várias direções”. São Paulo, Coleção Ensaio, Comissão Estadual de Cultura, 1964.
LAUSBERG, Heinrich - “Elementos de Retórica Literária”. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 6 edição, 2011. (Tradução, prefácio e aditamentos de R. M. Rosado Fernandes)
MACEDO, Manuel. "Aprenda a fazer versos". Ediouro, 1979.
MAGNE, Augusto. "Princípios Elementares de Literatura", São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1935.
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