Análise do poema “Cantiga de Banheiro” de Mauro Mota
Cantiga de Banheiro
A moça vai tomar banho,
banho domiciliar.
A moça não se dispersa
na piscina nem no mar.
A moça entra no banheiro
e torce a chave e o ferrolho
da porta. (Há na fechadura
um olho que chama outro olho).
A moça vai tomar banho.
Deixa os chinelos no canto.
Perdeu os itinerários.
Solta os cabelos castanhos.
Fica nua. Dela soltam
os peitos agressivos de
bicos rubros insinuantes,
de leite e amor para as bocas
dos babies e dos amantes.
A moça morena espia
Dentro do espelho da pia
A exclusivamente sua
Liberta beleza nua.
Comprime-se o espelho quando
a moça se distancia.
Na solidão do banheiro,
vê-se emparedada viva
nas paredes de azulejo
e nua fica debaixo
do chuveiro de onde a água
humaniza-se e, acrobata,
dá um pulo de cascata
doméstica, com a intenção
de levar a moça longe,
de fazer um filho plástico
no ventre virgem lambido
de esponja e de sabonete.
Quando a branca toalha asséptica
abriu-se na fúria ambiente,
a água já roubara a moça
camuflada pela espuma,
que ia embora pela rua
nadando pela sarjeta
a imagem da moça nua.
Mauro Mota
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“Cantiga de Banheiro”, de Mauro Mota, demonstra, desde a estética, que se trata de um poema moderno, pela quebra com a tradição em não apresentar forma fixa; além disso, mostra a capacidade do poeta em fazer o hibridismo entre gêneros textuais (descrição e poesia) para poetizar temas tão corriqueiros (do dia a dia) como o banho de uma simples moça.
Esteticamente, o poema, apesar de ter como predominância a métrica em redondilho maior – típica característica de poemas populares como também as cantigas (trovadorescas) foram – quebra com a tradição na distribuição dos versos por estrofe e nas rimas (predominância das emparelhadas). Ele possui quatro estrofes contendo doze, nove, catorze e sete versos cada.
No tocante à temática, trata-se de um texto cujo ideal é descrever poeticamente o ato do banho de uma moça, com toda sua beleza e sensualidade (indícios de erotismo), conforme a 2ª estrofe “[...] Dela soltam / os peitos agressivos de/ bicos rubros insinuantes, [...]”. Essa descrição vai desde o ato de a moça (personagem central) despir-se, até a água descer pela sarjeta e, com ela, levar a espuma de sabão que antes estava na moça.
Mauro Mota possui a capacidade de transformar um simples banho, característica básica do dia a dia, em poesia, uma vez que o popular e os simples acontecimentos do cotidiano (assuntos banais) são (também) temas constantes em sua poética.
Para dar a forma de poema, ele utiliza-se de encavalgamentos ou enjambement, além de apropriar-se de figuras estilísticas como anáforas (repetição constante de “a moça” no início dos versos nas duas primeiras estrofes) e personificações “[...] Dela soltam / os peitos agressivos [...]”. Além do forte teor imagético que o texto possui como um todo, a imagem que o leitor pode promover da última estrofe reflete bem o poder poético do autor.
Quanto aos indícios de descrição, percebe-se pela quantidade de predicados verbais existentes no texto, pois os verbos de ação permitem um maior movimento dentro do poema, facilitando o processo do banho (do início ao fim).
Então, analisando a poética de Mauro Mota, percebe-se a capacidade que o poeta tem de retratar assuntos tão banais, como o banho de uma moça, sem perder a beleza que é a poesia, através de um vocabulário simples, métrica popular e recursos estilísticos que dão à descrição a poeticidade que o texto precisa.
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Referência:
MOTA, Mauro. Antologia em Verso e Prosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.
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Por, Veridiana Rocha