O MONÓLOGO INTERIOR DIRETO E INDIRETO

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O Monólogo Interior

• O monólogo interior é uma técnica literária que trata de reproduzir os mecanismos do pensamento no texto. Caracteriza-se por transcorrer na mente da personagem, como se o "eu" falasse a si próprio. Daí considerar-se o monólogo interior, um diálogo que pode ocorrer com ela mesma; visto que subentende a presença de um interlocutor, "o tu" (com quem se fala), ou seja, "o outro". Já por aí se vê, portanto, que teremos uma personagem desdobrada em duas entidades mentais: "o eu e o tu", ou melhor, "o eu e o outro", que trocam ideias ou impressões, confrontam-se, discutem e tentam se entender como pessoas diferentes.

Como foi mesquinha a minha conduta! Exclamou ela, eu que me orgulhava tanto do meu discernimento, da minha habilidade! Eu que tantas vezes desdenhei a generosa candura de minha irmã [...]. Como é humilhante esta descoberta! Mas como é justa esta humilhação! [...]. Mas a vaidade, não o amor, foi a minha loucura! [...]. Até este momento eu não conhecia a minha própria natureza. (Orgulho e Preconceito. Jane Austen.)

• Podemos observar, neste fragmento de Orgulho e Preconceito, que a personagem exprime o seu pensamento mais íntimo. Defronta-se com suas próprias falhas, admite que errou e que merece a humilhação pela qual está passando. Falando com a "outra" que existe dentro dela, assume não ter conhecido sua própria natureza e fragilidades, caracterizando assim, o monólogo interior.

• Nesse tipo de discurso, o escritor expressa em seus escritos (por meio da personagem), sentimentos e pensamentos reprimidos, ocultos, que não consegue expressar com palavras; fantasias que nunca puderam ser transformadas em ações e desejos que nunca puderam ser realizados. Isso permitiu aos escritores, durante o modernismo, explorar os tumultuados mundos que constituíam o interior de si mesmos.

• De dois modos pode apresentar-se o monólogo interior:

a) Diretamente, isto é, sem a intervenção do escritor, ou de qualquer marca manifestando a sua intervenção, como introduções ou intercalações do tipo: pensava ele, dizia-se etc.; e mesmo as aspas. De maneira que a personagem expõe o conteúdo subterrâneo de sua mente, tendo o presente (do pensamento) como tempo dominante, numa espécie de confidência (direta) ao leitor, sem barreiras de qualquer ordem e sem obediência à normalidade gramatical.

As últimas quarenta e cinco páginas do Ulisses, de James Joyce, têm sido consideradas o exemplo mais acabado e perfeito do monólogo interior direto; principalmente, na citada fala de Molly Bloom, que atinge o auge por ter sido suprimida toda a pontuação, e se desenrolar sem quaisquer interrupções até ao final do romance. A pontuação marcaria uma interrupção – uma respiração - logo, seria ainda uma intervenção do autor.

Em Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector, encontram-se dois monólogos interiores diretos (emprego da primeira pessoa, ausência de um interlocutor e a não interferência do escritor) entre as páginas 58 e 63 e 175-179. Do primeiro destaco um trecho:

A cama desaparece aos poucos, as paredes do aposento se afastam, tombam vencidas. E eu estou no mundo solta e fina como uma corça na planície. Levanto-me suave como um sopro, ergo minha cabeça de mundo, do tempo, de Deus. Mergulho e depois emerjo, como de nuvens, das terras ainda não possíveis, ah ainda não possíveis. Daquelas que eu ainda não soube imaginar, mas que brotarão. Ando, deslizo, continuo, continuo... Sempre sem parar, distraindo minha sede cansada de pousar num fim [...] — Estou me enganando preciso voltar. Não sinto loucura no desejo de morder estrelas, mas ainda existe a terra...

b) Indiretamente, isto é, com a intervenção patente do ficcionista na transcrição do fluxo mental da personagem, que comenta, discute e explica (em 3ª pessoa), como se este detivesse o privilégio de sondar-lhe e captar-lhe o mundo psíquico sem deformá-lo, pelo menos aparentemente. Tudo se passa como se a personagem não conseguisse exprimir sua tumultuada psique. Forma-se então, no monólogo interior indireto, o triângulo escritor/protagonista/leitor, ao passo que no direto o primeiro desaparece completamente. Porém as características do monólogo interior indireto tornam-no mais fácil a transcrição do fluxo mental da personagem e, por isso mesmo, é usado mais frequentemente pelos ficcionistas. Em Mrs. Dalloway, Virginia Woolf utiliza o monólogo interior indireto com muitos de seus personagens. Aliás, todos os seus romances contêm excelentes exemplos de monólogo interior indireto; às vezes mesclado com outro discurso, às vezes isolado. Em Perto do Coração Selvagem também encontramos exemplos de monólogo interior indireto:

"De manhã. Onde estivera alguma vez, em que terra estranha e milagrosa já pousara para agora sentir-lhe o perfume? Folhas secas sobre a terra úmida. O coração apertou-se-lhe devagar, abriu-se, ela não respirou um momento esperando... Era de manhã, sabia que era de manhã... recuando como pela mão frágil de uma criança, ouviu abafado como em sonho, galinhas arranhando a terra. Uma terra quente, seca... o relógio batendo tin-dlen... tin-dlen... o sol chovendo em pequenas rosas amarelas e vermelhas sobre as casas. Deus, o que era aquilo senão ela mesma? Mas quando? Não, sempre..."

Percebe-se, no fragmento, o emprego da terceira pessoa (O coração apertou-se-lhe devagar, abriu-se, ela não respirou um momento esperando...) denunciando a nítida presença da autora. A protagonista parece se despersonalizar-se e referir-se a si própria como uma estranha, e a romancista acompanha-lhe os movimentos. Percebe-se também que a interferência é apenas periférica, ficam intocados os impulsos desconexos que habitam a psique da personagem. ®Sérgio.

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Informações foram recolhidas e adaptadas ao texto de: José de Nicola, Floriana Toscano e Ernani Terra - Língua, Literatura e Produção de Textos. Massaud Moisés, A Criação Literária.

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