Análise do Poema “Desejo” de Florbela Espanca

A partir de estudos realizados nas aulas de Literatura Portuguesa III, este trabalho tem como objetivo analisar o poema “Desejo” da poetisa Florbela Espanca.

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Desejo

Quero-te ao pé de mim na hora de morrer, A

Quero, ao partir, levar-te, todo suavidade, B

Ó doce olhar de sonho, ó vida dum viver A

Amortalhado sempre à luz duma saudade! B

Quero-te junto a mim quando meu rosto branco C

Se ungir da palidez sinistra do não ser, A

E quero ainda, amor, no meu supremo arranco C

Sentir junto ao meu seio teu coração bater! A

Que seja a tua mão branda como a neve D

Que feche meu olhar numa carícia leve D

Num perpassar de pétalas de lis... E

Que seja a tua boca rubra como o sangue F

Que feche a minha boca, a minha boca exangue! F

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Ah, venha a morte já que eu morrerei feliz! ... E

Florbela Espanca

20/06/1916

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• A Análise

O poema “Desejo” de Florbela Espanca tirado do livro “Trocando Olhares”, embora esteja cronologicamente ligado ao modernismo português, percebe-se que ele quebra com essa modernidade ao apresentar um tom romântico, simbólico e confidencial de um “eu-lírico” que deseja / quer ter alguém em especial ao lado, momentos antes da morte que se aproxima. Além disso, enquanto a estética, por mais que o poema não chegue a ser um soneto, porque a última estrofe encontra-se em uma quadra (ficando dois quartetos, um terceto e outra quadra, respectivamente) e os versos não contenham uma métrica rígida; a maioria deles possui rimas, cuja predominância é de alternadas (ABAB’ CACA’) e emparelhadas (DD’ FF’).

Em um tom confidencial, o “eu-lírico” declama à uma segunda pessoa o desejo de querer tê-la minutos antes da morte (“[...] Quero-te ao pé de mim na hora de morrer [...]”). Porém, esse desejo vem concomitante a um erotismo, uma sensualidade, pois há a vontade de sentir (no sentido carnal) o toque (“[...] Sentir junto ao meu seio teu coração bater [...]”), a carícia (“[...] Que seja a tua mão branda como a neve / Que feche meu olhar numa carícia leve [...]”) e o beijo (“[...] Que seja a tua boca rubra como o sangue / Que feche a minha boca [...]”): só assim este “eu” que fala poderá morrer feliz e realizado.

Além disso, percebe-se, no poema como um todo, palavras ou expressões que lembram à morte (“morrer”, “partir”, “amortalhado”, “palidez sinistra”, “morte”, “morrerei”, etc.), pois esta, de certa forma, possui uma intimidade quase que totalmente erótica com o texto, uma vez que em todos os momentos em que existe a sensualidade e o erotismo, a morte está presente.

Existe ainda um apelo às figuras de linguagem como anáforas (“[...] Quero-te ao pé de mim na hora de morrer, / Quero, ao partir, levar-te, todo suavidade [...] / Quero-te junto a mim [...]”, dentre outros) para ratificar mais ainda o desejo do “eu-lírico”; comparações (“[...] Que seja a tua mão branda como a neve [...]” e “[...] Que seja a tua boca rubra como o sangue [...]”) que juntamente vem com o cromatismo, pois o branco lembra a paz, a calma, a suavidade (como é o toque desejado pelo “eu-lírico”) e o vermelho indica o erotismo, a sensualidade (como é o poder do beijo em um momento como esse). Além disso, há a ambigüidade, uma vez que a expressão “fechar os olhos e a boca” nos dois segundos versos das duas últimas estrofes, ora pode ser encarada pelo fechar da morte, ora pelo fechar do prazer que o momento erótico propõe.

Essa ambigüidade existe ainda no terceiro verso da última estrofe, pois os pontilhados tanto podem representar a morte (após o fechar da boca), quanto o momento de gozo e de prazer proporcionado pela força das carícias do toque e do beijo. Após isso, o poema é finalizado por reticências, influência simbolista, que ratificam essa imprecisão, dando ao poema a idéia de incerteza.

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• Conclusão

Por fim, percebe-se que esse poema, cujo gênero é lírico-erótico, passa a idéia de um “eu-lírico” que, através de um tom desinibido, deseja e quer ter um momento único de prazer, instantes antes da morte que se aproxima (ânsia de amor - sentimento erótico). Esse fator aproxima o “eu” que fala à Florbela Espanca por se apresentar um ser que em um tom confidencial, seduz, além de conseguir manter um erotismo, sem vulgaridade, o que também a torna, de fato, uma grande escritora, se não a maior voz feminina em Portugal.

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• Referência

FONTES, MARTINS. Poemas de Florbela Espanca. São Paulo: Martins Fontes, 1999.