INTERDISCURSIVIDADE
Do livro, Português Linguagens, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhaes 1ª série com comentários complementados pelo professor João Nogueira da Cruz.
Toda relação interdiscursiva é também uma relação intertextual. Contudo, a interdiscursividade é mais ampla: quando um discurso cita o outro, não há apenas uma referência ao texto ou partes do texto, mas também à situação de produção dele (quem faz, para que, em que momento histórico, com qual finalidade, etc.), à ideologia subjacente e aos significados que esse discurso foi assumindo historicamente. Veja um exemplo de interdiscursividade.
MEUS OITO ANOS
Oh! Que saudade que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonho, que flores
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
[....] ( Cassimiro de Abreu)
MEUS OITO ANOS
Oh que saudades que eu tenho
Da aurora de minha vida
De minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Naquele quintal de terra
Da rua de Santo Antonio
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais
[....} (Oswald de Andrade)
MEUS OITO ANOS
Oh! Quanta saudade que eu tenho
Do alvorecer de minha vida
Da minha infância querida
Que os tempos não trazem mais.
Naquele quintal de terra
Na rua Rui Barbosa
Debaixo de uma frondosa mangueira
Roupas no varal, sem bananeiras e laranjais.
[....] (Joãozinho de Dona Rosa)
O primeiro texto, de Cassimiro de Abreu, foi escrito no século XIX; o segundo texto, de Oswald de Andrade, foi escrito no século XX; o terceiro foi escrito no século XXI. As semelhanças entre os textos são evidentes, pois o assunto deles é o mesmo e há versos inteiros que se repetem. Portanto, o segundo texto cita o primeiro, e o terceiro cita o primeiro e o segundo estabelecendo com ele uma relação intertextual.
Observe, porém, que o segundo texto tem uma visão diferente da apresentada pelo primeiro. Neste, tudo na infância parece ser perfeito, rodeado de “amor”, “sonhos” e” flores” ; já no segundo texto, esses elementos substituídos por um simples “quintal” de terra”, um espaço concreto e comum, sem idealização. Além disso, com o verso “sem nenhum laranjais”, Oswald de Andrade ironiza Cassimiro de Abreu, como que dizendo: na minha infância também havia bananeiras, mas não havia os tais “laranjais” que o Cassimiro cita em seu poema.
Observe que Oswald de Andrade, com seu poema, não apenas cita o poema de Cassimiro de Abreu. Ele também critica esse poema, pois considera irreal a visão que Cassimiro tem da infância.
Na opinião de Oswald, infância de verdade, no Brasil, se faz com crianças brincando em quintal de terra embaixo de bananeiras, e não com crianças sonhando embaixo de laranjais. Esse tipo de intertextualidade é chamado também de paródia.
No terceiro texto, o autor brinca com os dois poemas usando elementos de ambos e sinaliza que no quintal de terra da casa onde morou na infância, não havia bananeiras e nem laranjais, mas acrescenta um cenário cotidiano e de característica doméstica, não citado nos poemas anteriores, quando cita roupas nos varais, com isso mostrando que o quintal dele acaba sendo mais real do que o de Oswald de Andrade,por exemplo, que só mostra as sombras das bananeiras.