CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
DRUMMOND-110 anos
Não poderíamos deixar de revisitar, ainda que de forma muito despretensiosa, a obra e a vida do grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
Drummond nasceu em 31 de outubro de 1902, em Itabira (MG), e morreu em 17/08/1987, em uma clínica em Botafogo (RJ). Drummond estava deveras “infeliz”, pois havia perdido a única filha e grande amiga, Maria Julieta, em 05/08/1987. Isso mesmo: o poeta de Itabira morreu doze dias após a morte da filha. Maria Julieta nasceu em 1928 e foi escritora, tendo morrido de câncer nos ossos. Drummond teve um filho, Carlos Flávio, nascido em 1927, mas, para tristeza da família, viveu poucos minutos.
A família de Drummond mudou-se em 1920 para Belo Horizonte, local onde o poeta formou-se em Farmácia e atuou como redator em jornais locais. Em 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro.
Mister trazer à baila que, em 1928, Drummond publicou, na Revista de Antropofagia de São Paulo, o conhecido poema “No meio do caminho”, que causou, na época, muito burburinho no meio literário. Já o livro “Alguma Poesia”, lançado em 1930 e dedicado ao poeta e amigo, Mário de Andrade, é considerado o marco da 2ª fase do Modernismo brasileiro.
A infância em Itabira, o conflito social, a existência humana, a visão sarcástica do mundo (e das pessoas), o pessimismo e o cotidiano foram temas retratados, com frequência, pelo poeta, que também escreveu crônicas e contos. A seguir, uma estrofe bastante conhecida, extraída da obra intitulada “poema de sete faces”, que revela o pessimismo diante da vida: “Quando nasci, um anjo torto/desses que vivem na sombra/disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.”
Para concluirmos em grande estilo, transcreveremos três poemas desse grande poeta de Itabira, respectivamente: Poemas de sete faces, mãos dadas e José.
Poema de Sete Faces
“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.”
Mãos dadas
“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.”
José
“E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?”
BIBLIOGRAFIA,
FREITAS, Christiano Abelardo Fagundes. O verso e o Avesso do bordado, 2010, editora Grafimar, Campos dos Goytacazes (RJ).