Quer ser escritor? Então aprenda a escrever! - Dominando frases, parágrafos, ortografia, pontuação, verbos, adjetivos e advérbios

Juro que nunca deixo de me surpreender quando conheço algum pretendente a escritor que não sabe escrever.

Ninguém é obrigado a saber tudo, a conhecer perfeitamente todas as regras gramaticais e ortográficas, e até os grandes escritores ficam em dúvida, de vez em quando, como é a escrita correta de uma palavra ou outra. Além disto, existem erros de digitação ou de revisão, pois, como já diz o ditado, "errar é humano".

No entanto, geralmente é muito fácil perceber quando se trata de um deslize, ou quando se trata de desconhecimento mesmo das normas da Língua Portuguesa.

Não pretendo dar uma aula de português, pois para isto existem dezenas de gramáticas e referências na internet, capazes de sanar todas suas dúvidas. A minha intenção é ser muito mais prático, indicando-lhe alguns aspectos que você deveria prestar atenção durante a escrita.

<Frases e parágrafos, ou como organizar seus pensamentos>

A frase é a unidade mínima de expressão de uma ideia, que pode ser composta de uma única palavra, ou de várias, como:

"Vá!", ou

"João havia se perdido na mata, sem ter a mínima noção de como faria para retornar à trilha".

Nestas duas frases acima, temos a expressão de ideias completas. No primeiro caso, uma ordem foi dada por alguém para outra pessoa (ou animal) para que ela vá a algum lugar, no segundo, uma ideia mais complexa e elaborada.

É possível compor frases imensas, às vezes com várias linhas, e o grau de complexidade das frases dependerá de sua intenção enquanto escritor, mas também do domínio que você tiver do idioma e para quem se destinam seus textos.

Já os parágrafos podem ser compostos de uma ou mais frases, com uma ideia completa e, comumente, bem desenvolvida.

Na escrita literária, podem haver parágrafos bastante breves, especialmente em diálogos, ou parágrafos imensos, ainda mais em obras modernistas, às vezes com livros inteiros escritos num único parágrafo.

A extensão e sofisticação das frases e parágrafos podem ditar o ritmo de uma narrativa, tornando a leitura de história mais ligeira ou mais cerebral.

A não ser que você deseje se expressar obscura e confusamente, a meta de quase todos os escritores é que o leitor o compreenda da melhor maneira possível, evitando mal-compreendidos, ou, caso queira criar ambiguidade, fazendo-o propositalmente.

<Ortografia, ou a escrita correta das palavras>

A ortografia é uma convenção que determina qual é a escrita correta das palavras. Nem sempre houve um consenso quanto à ortografia e, até recentemente, as escritas no Brasil e em Portugal possuíam sutis particularidades.

Algumas palavras são difíceis mesmas de serem escritas, pois o português é uma língua difícil e com várias exceções ("exceção" é uma destas palavas que sempre causam confusão).

Existem várias palavras homófonas, isto é que, que possuem a mesma pronúncia, mas que podem ser escritas de maneiras diferentes, como:

- "concerto" (Um concerto de Mozart), ou "conserto" (mandei meu carro para o conserto), ou

- "sessão" (de cinema, de teatro, de tortura...), "seção" (uma parte ou divisão, "seção de achados e perdidos") e cessão (ato de ceder, como "cessão de direitos autorais").

Também há palavras homógrafas, isto é, com a escrita igual, mas com sentidos diferentes, como:

- "pelo" (preposição, "ele ia pelo caminho"), ou "pelo" (substantivo, "o pelo do cavalo era branco"), ou

- "manga" (fruta), ou "manga" (da camisa ou da blusa).

Em se tratando de ortografia, as duas melhores recomendações para um escritor são:

1 - ler muito, pois através da leitura você enriquecerá seu vocabulário, aprenderá palavras novas e identificará as formas corretas delas e

2 - ter sempre um dicionário por perto, mesmo que você tenha de passar, a princípio, boa parte do seu tempo procurando as palavras para aprender a escrita correta delas. Um dicionário é um grande aliado de um autor.

<Pontuação, ou determinando o ritmo da leitura>

Pontuar bem é um dos maiores desafios para um escritor, seja ele um iniciante ou veterano. A utilização adequada das vírgulas, pontos, dois pontos e todos os demais sinais de pontuação são cruciais para determinar o ritmo da leitura. Veja dois exemplos abaixo:

1 - "Mas o canalha não era nenhum bundão. Ele começou a se debater, acertou uma cabeçada na minha boca e, muito mais jovem e forte do que eu, se libertou. Com o jogo invertido, ele me esmurrou, pisoteou-me e cuspiu na minha cara, encurralando-me cada vez mais no beco.

Juro que tive medo daquele homem, nariz ensanguentado e ódio no olhar. Roleta sacou uma faca, vinha em minha direção. Eu, no chão, me arrastava para trás, para fugir daquele assassino." (trecho de Roleta-Russa em O Covil dos Inocentes)

2 - "Por quantas pessoas não passamos pelas ruas sem nos darmos conta? Eu já havia estado naquele mercado uma dúzia de vezes apenas no último mês e não a havia visto antes. Será que havia sido recém-contratada ou eu simplesmente havia ignorado a mulher com colete vermelho, cabelos louros presos num rabo de cavalo e aquelas rugas ao redor de seus olhos azuis. Todos os dias, resvalamos em milhares de indivíduos, todos muito ocupados em seus afazeres, concentrados, rumo a algum lugar, indigentes, desocupados, idosos, crianças, gente que vem e que vai. Talvez até passemos por pessoas que já foram importantes em nossas vidas, mas estamos tão entretidos brincando de viver que nem desperdiçamos nossa atenção." (trecho de Margot Adormecida)

Nestes dois parágrafos, temos ritmos de escrita e de leituras completamente diferentes.

No primeiro, um romance policial, as frase são mais breves e dinâmicas, ainda mais nas cenas de ação; no segundo, as frases são mais longas e que exigem uma concentração maior do leitor. São propostas diversas para estilos literários distintos.

Isto não quer dizer que todo livro de ação deva ser escrito com frases custas, repletos de pontos-finais, ou que todo romance mais intelectual deva ter frases longas e rebuscadas, pois tudo dependerá da sua intenção.

O importante é compreender que a pontuação terá um papel fundamental no ritmo de sua narrativa.

<Escrever como se fala, ou escrever da maneira correta?>

Este é um debate cabeludo que sempre atrai defensores acalorados em ambas as frentes.

Imagino que você já deve ter percebido que não falamos exatamente como pregam as gramáticas, muita gente "vai no banheiro", "assiste um filme no cinema" e fizeram alguma coisa interessante "há muitos anos atrás".

A língua falada se transforma muito mais rapidamente do que a linguagem literária, palavras nascem e morrem, gírias são criadas ou caem em desuso, simplificamos e abreviamos, tudo para facilitarmos a comunicação.

No ato da escrita, existem duas vertentes principais:

1 - aqueles que gostam de escrever como falamos, com todos os erros gramaticais implicados nesta escolha, como em:

"Zé Carlos engatilhou a espingarda, abriu uma fresta na porta e espiou.

— O bicho ‘tá lá fora, Maria! — ele tremia.

— Deixa, Zé. Aqui dentro ele não faz nada... — Maria, incerta." (trecho de O Bicho Roncador)

2 - aqueles que gostam de uma escrita literária artificial, como em:

"Fui iludido. Não há hostes celestiais para me receber no paraíso; não há som de trombetas. Não há nada. Um vazio me invade; um vazio mais forte que o amor. Estamos perto do fim. Acredito que, se alguém um dia se lembrar de mim, ele possa aprender uma lição: toda profecia, cedo ou tarde, se realiza." (trecho de O Rei dos Judeus)

Em essência, nenhuma das duas está certa ou errada. Pense na Literatura como um universo regido por leis próprias, onde você, o escritor, é o Deus supremo e absoluto, que cria tudo de acordo com sua vontade.

Uma escrita mais próxima da linguagem falada pode, por um lado, criar uma identificação maior com o leitor, no entanto, por outro, pode também causar certo estranhamento. Leia os contos ou romances de Guimarães Rosa, com diálogos extraídos da linguagem única do sertão, e perceba quão realistas e, ao mesmo tempo, literários eles são. Já uma escrita mais rebuscada e arcaica também pode soar estranha, pois ninguém fala assim na vida real.

Para mim, o ideal é caminhar no meio termo, tentando equilibrar estes dois extremos.

<Verbos, ou o poder da ação>

A melhor maneira para expressar bem uma ação é escolhendo o verbo apropriado para isto. Esta não é uma tarefa muito simples, confesso, pois ao tentarmos ser muito inventivos, podemos recair na cafonice.

Para diálogos, existem uma porção de verbos dicendi, ou seja, verbos declarativos, como: disse, falou, respondeu, replicou, interveio, perguntou, questionou, redarguiu, indagou, comentou, admoestou, e assim por diante. Apesar de a lista ser longa, o recomendável é não abusar demais.

Leia o exemplo abaixo e me diga o que pensa:

— Maria, aonde você pensa que vai? — indagou Pedro.

— Isto não lhe interessa! — retrucou ela.

— Mas eu sou seu marido. Você me deve satisfações! — replicou Pedro.

— Marido, sim... Meu dono, não! — redarguiu Maria.

— Não me desrespeite, mulher — admoestou-a o esposo.

Os verbos dicendi, nesta situação acima, mais atrapalham do que colaboram para a dinâmica do diálogo. Na minha opinião, seria melhor restringir-se somente a "disse", "perguntou" e "respondeu", ou, o que seria ainda melhor, sem nenhum verbo declarativo, como abaixo:

— Maria, aonde você pensa que vai? — indagou Pedro.

— Isto não lhe interessa!

— Mas eu sou seu marido. Você me deve satisfações!

— Marido, sim... Meu dono, não!

— Não me desrespeite, mulher.

Você conseguiu entender bem o diálogo sem os verbos? Perceba que mantivemos o primeiro verbo para identificarmos o nome do marido, pois talvez fosse uma informação importante no contexto, caso a discussão prosseguisse.

No entanto, em narração, um verbo bem escolhido é o segredo do poder de uma oração.

Por exemplo:

"Um terrível acidente. Ele passou por cima do colega com o rolo compressor."

O verbo "passou" é extremamente ameno, retirando boa parte do impacto da cena. Releia agora este trecho com outro verbo:

"Um terrível acidente. Ele esmagou o colega com o rolo compressor."

Esmagar é muito mais gráfico e chocante, ainda poderíamos ter escolhido "triturar", "esmigalhar" ou até "pulverizar", que já seria um pouco exagerado, a meu ver.

A escolha dos verbos deve ser consciente, mas com parcimônia. Quando o esforço é demasiado, é fácil exagerar e perder a mão. Novamente, o equilíbrio é o melhor caminho.

<O Perigo dos Adjetivos e Advérbios>

Adjetivos são as qualidades dos substantivos, por exemplo: feio, gordo, magro, alto, baixo, triste, escuro, liso, opaco, raso, e assim por diante.

Advérbios são palavras que modificam os substantivos, os verbos ou os adjetivos, como rapidamente, felizmente, depressa, realmente, aqui, ali, depois, quase, sim, não, muito, entre tantos outros.

O uso excessivo de adjetivos e advérbios num texto é tentador, que seduz facilmente os escritores iniciantes e muitos veteranos.

Leia o exemplo abaixo:

"O opulento e poderoso senhor de engenho oprimia demasiadamente os enfraquecidos escravos negros, que se recolhiam macambúzios à obscura senzala após um duro e longo dia de labor."

São tantas informações, tantos adjetivos e advérbios numa única frase, que quase queremos desmaiar após lê-la.

Escrever bem não é a mesma coisa que escrever muito, ou escrever longas e complicadas frases.

Escrever bem é expressar bem uma ideia. Às vezes, precisaremos de várias frases e parágrafos para isto, mas, em outros casos, basta uma única palavra.

<Conclusão>

A escrita é um exercício.

Quanto mais praticarmos, maior será o domínio sobre ela, mais cômodos ficaremos e melhor a compreenderemos.

Ter dúvidas, questionamentos ou errar não são motivos para vergonha. Deveria ter vergonha aquele escritor que não reconhece que a escrita é um aprendizado perpétuo, que depende de tentativa e erro, da leitura de outros autores e da revisão constante de seus próprios trabalhos.

Escrever é refinar-se, trabalhar conscientemente com as palavras, escolhendo-as como quem seleciona pedras preciosas para serem lapidadas. É um labor demorado, mas recompensador para aquele autor dedicado.

Talvez demore anos até que você comece a ficar satisfeito com suas obras, no entanto, estudar, ler e escrever muito e sempre são essenciais.

(publicado originalmente em http://blogdoescritor.oficinaeditora.com/2012/07/quer-ser-escritor-entao-aprenda.html)