Onde estão os leitores? "Literatura em perigo" - parte 2

Ainda me recordo dos livros que li “por obrigação” no Ensino Fundamental e Médio. É natural na metodologia escolar incorporar leituras obrigatórias ao aluno e depois mandá-lo fazer um trabalho sobre o livro ou, muito pior, responder questões de interpretação na prova — neste último caso, pode ocorrer, por mais inacreditável que possa parecer, que o aluno precise discorrer do ponto de vista do professor, como se a literatura não desse uma pluralidade de interpretações possíveis de um texto. Confesso que fico arrepiado só de pensar que já fiz parte desse cenário, que sofri nas mãos de um sistema tão debilitado e ditador. Em se tratando do meu “eu” leitor, quando comparo quem sou hoje com o garoto daquela época, me vejo agora completamente liberto. “Nossa, como sou diferente agora”, é o que digo a mim mesmo ao encarar o Luiz de anos atrás. Eu ainda não irei apontar como se deu essa mudança, mas permitam-me esmiuçar alguns dos impropérios que me enjaularam e açoitaram o leitor dentro de mim por um longo tempo e me fizeram ver a literatura como um grande ogro ao invés de um belo elfo.

Eu fico me perguntando qual seria o verdadeiro objetivo de uma aula de literatura. É provável que eu não seja um professor dessa área, então posso acabar falando algo ingênuo, mas baseio minhas impressões do ponto de vista de um leitor/aluno preocupado com a formação de leitores. Em minha opinião, a visão mais acertada seria criar esse objetivo conforme o âmbito, ou seja, tudo depende dos alunos; essa é a primeira análise de um professor de literatura: antes de olhar para a disciplina, olhar para seus próprios estudantes e procurar traçar o perfil de leitor de cada um deles. Nada como um bate-papo para averiguar as preferências literárias de cada um, embora não seja raro de encontrar alunos que nunca se deram bem com os livros. Baseando-se nessa pesquisa, o professor pode indicar livros que se encaixem em determinados perfis, o que significa dizer que o professor deve procurar conhecer os mais variados tipos de obras; ele é professor de Literatura, afinal. Talvez seja um pouco deste interesse do professor pelos alunos que esteja carente no ensino, em outras palavras, incentivo a leitura, nada mais. Não importa que tipo de livro o aluno goste, desde que goste de lê-lo; é salutar que não se faça a imbecilidade de dizer que é perda de tempo ler tal livro e que o aluno deveria ler outro: se a garota se interessou por romances de chick-lit, que ela leia chick-lit; se o garoto se interessou por fantasia medieval, que ele leia fantasia medieval. Juro que até hoje não compreendi essa “perda de tempo” que alguns leitores mais intelectuais e críticos pregam na literatura. Quem manda na vida do leitor não é ninguém além do próprio leitor.

Mas, por enquanto, vamos deixar um pouco de lado essa parte do incentivo a leitura e nos ater no que é ensinada e na forma como é ensinada a Literatura.

Começaremos pelo Ensino Fundamental em que muitas das vezes nem existe uma disciplina chamada Literatura, sendo esta ensinada na aula de português, que por sua vez, mostra-se como uma salada de matérias: gramática, literatura, produção de texto e se sabe lá mais o que. Coitado do professor que possui tão pouco tempo para administrar uma gama de assuntos tão diversificados. Geralmente o ensino é mais focado na gramática, que também sofre do mesmo problema da literatura: não é ensinada de uma forma atraente aos alunos. Eu mesmo estou tendo uma grande surpresa na faculdade de Letras, pois nunca gostei do estudo de literatura e tão pouco da língua; não me perguntem por que estou fazendo faculdade de uma disciplina que odiava na escola. Na verdade, hoje percebo que meu desgosto não era pela disciplina, mas sim a forma como ela era mostrada. E querem saber? É exatamente esse um dos motivos de haver tantos “haters” de literatura.

“[…] ao ensinar uma disciplina, a ênfase deve recair sobre a disciplina em si ou sobre seu objeto.” (TODOROV, 2007, p. 26)

Já notaram que para cada disciplina são adotados dois tipos de perspectivas diferentes? Ou se dá destaque na própria disciplina ou no objeto de estudo dessa disciplina. No primeiro panorama, temos a Física: o estudo é voltado para os meios pelos quais avaliamos o objeto, ou seja, fórmulas e fórmulas para se decorar a fim de aplicá-las aos objetos. Em contrapartida, no segundo panorama, temos a História: estudamos os momentos marcantes da História e não as mentalidades econômicas, militares ou religiosas, ou seja, o foco é sempre o objeto e não os meios. Pergunta: em qual desses panoramas encaixa-se a Literatura?… Se você pensou no primeiro, então acertou. No âmbito da literatura temos os instrumentos de estudo (teorias a fim de estudar a disciplina) e o objeto de estudo (a obra), sendo o ensino focado no primeiro item.

É interessante notar que, quando crianças, os alunos são instruídos a se focarem no livro, mas conforme avançamos no currículo escolar, essa perspectiva se inverte e passamos a estudar as teorias por meio das quais estudamos a obra. A atenção moveu-se do objeto para os instrumentos, e isso se configura plenamente no Ensino Médio.

Então pegamos alunos que pouco contato têm com os livros, como é o caso da maioria, e os obrigamos a se inteirar de instrumentos analíticos que certamente não entenderão, além de achá-los indigestos e chatos. Qual a razão de ensiná-lo tudo isso sem antes despertar nele o amor pelo o que estuda? É lógico que as aulas de literatura ficarão entediantes.

As obras deveriam ser estudadas em si antes de categorizadas em movimentos literários e contextos históricos. A avaliação de uma obra a luz destes métodos seria destinada a Ciência da Literatura, o que não diz respeito ao leitor “não-profissional” do Ensino Médio. Para ilustrar esse problema, Caio Meira, que faz a apresentação à edição brasileira do livro de Todorov, cita uma bela imagem de Henry James.

“… a obra literária é um organismo vivo, para que a teoria e a crítica literária formadores dos professores de literatura não matem seu paciente prematuramente no espírito de futuros leitores, ou seja, para que o próprio leitor não morra como leitor, a arte poética e ficcional deve ser apresentada em primeiro lugar em seu estranho poder imprevisto, encantador, emocionante, de forma a criar raízes profundas o suficiente para que nenhum corte analítico ou metodológico venha a podar sua presença criadora, para que nenhuma de suas partes essenciais seja amputada antes que ela aprenda a se mover e nos acompanhe pelos sentidos que damos à vida à medida que vivemos.”

Na próxima parte (talvez sejam quatro ao todo) tentarei explorar um pouco mais as questões introduzidas nesta postagem.

Descculpe, se por acaso, soei ingênuo em alguns pontos do texto. Saliento que sou apenas uma graduando em Letras em início de curso, e venho estudando o tema há algum tempo.

Luiz Teodosio
Enviado por Luiz Teodosio em 14/06/2012
Código do texto: T3723751