O VISITANTE

Todos os textos literariamente bem elaborados – especialmente o CONTO – trabalham com a palavra – graças à sugestionalidade da linguagem – criando duas historietas: uma aparente e a outra subjacente. Numa, a porta da frente está escancarada ao visitante. A outra só será aberta com a chave que está guardada na algibeira fantasiosa daquele que se achega para a prosa dentro da casa. Se este é familiar, amigo antigo das coisas literárias e dos fatos do viver (capaz de tomar um mate de comadre no alpendre dos fundos), todo o conteúdo sério das relações da vida (o desimportante também) e até as fofocas do dia serão passadas com intimidade ao visitante contumaz. Se ele não for "de casa", nem saberá onde estão guardadas as chaves da frente ou a do cadeado do sótão. Porque no CONTO, assim como na POESIA, o mistério das coisas e dos fatos está escondido no sótão ou nos porões. Só entra neles quem é íntimo do dono da casa e não tem medo dos cachorros que a protegem. Todo aquele que tem bom senso sabe que a intimidade com as coisas aparentes já não é algo fácil, que fará com o que está em meio aos guardados, na bagunça – aquilo que nem sempre se quer ou pode ser revelado. Assim são os sótãos e suas velhas malas e trastes, que só são importantes para os donos e seus confidentes. Alguns visitantes jamais chegarão ao confessionalismo ou à intimidade com o proprietário e suas preservadas coisas. Algumas até sem maiores motivos ou razões aparentes, porém importantes para o guardador de trastes, simplesmente porque esses são as raízes de sua própria vida. Feliz de quem tem a chave e consegue abrir a porta. Talvez descubra a aldrava dos portões do gozo, da fruição ou da felicidade transposta à sua. Leitor amigo, que sejas muito bem-vindo àquilo que é o Velho para o dono da peça, mas que pode ser o Novo em tua vida. Não pelo que valha por si, mas pelas reminiscências que tu trazes dentro do coração... Resta – agora – abrires a porta...

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2006/12. Texto de abertura.

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