O eu-lirico de Manuel Bandeira em " Canção do vento e da Minha vida"
O eu-lirico de Manoel Bandeira em “Canção do Vento e da Minha Vida”
Giana Franco de Andrade
e-mail: gianna_andrade@hotmail.com
CANÇÃO DO VENTO E DA MINHA VIDA
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos,de flores,de folhas.
O vento varria as luzes
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas,de estrelas, de cânticos.
O vento varria os sonhos
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo !
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
O presente trabalho tem como finalidade analisar o poema acima transcrito, intitulado como Canção do vento e da minha vida da autoria de Manuel Bandeira, poeta modernista brasileiro, considerado um clássico da literatura do século XX, suas obras também possuem alguns traços do parnasianismo e do simbolismo e caracterizam-se pela simplicidade com que é tratada questões como a vida , o amor e a morte, fatos vistos em um nível de experiência diário .
Manuel Bandeira inicia suas obras poéticas, segundo comenta o crítico Davi Arriguci Jr.: “(...) apartir do momento em que sua vida, mal saída da adolescência, se quebra pela manifestação da tuberculose, doença então fatal. O rapaz que só fazia versos por divertimento ou brincadeira, de repente, diante do ócio obrigatório, do sentimento de vazio e tédio, começa a fazê-los por necessidade, por fatalidade, em resposta á circunstância terrível e inevitável”.
Por assim dizer, o poema Canção do vento e da minha vida, também faz referência à vida do autor, presente como o eu-lírico, neste caso há a presença do tempo que justificado pela doença o escapava cada dia. O título dado por ele, ao colocar canção que segundo o dicionário Aurélio é uma forma de manifestação poética, reforça o tom melancólico do texto e de sua situação em reação aos sofrimentos da vida, vicissitudes e dores.
O poema em seu rigor formal, é composto de quatro sextilhas, na primeira delas há um sentido associativo atribuído à palavra vento e ao verbo varrer (varria), a primeira corresponde ao significado de tempo e a segunda a ação do vento, se essas palavras fossem substituídas por outras como: brisa, ventania ou soprar (respectivamente nos casos), não expressariam o abalo que o eu – lírico sofre, pois ao carregar folhas, frutos, flores (1°sextilha), luzes, músicas e aromas (2°sextilha), sonhos, amizades e mulheres (3° sextilha), meses e sorrisos (4° sextilha), percebe-se que o vento é capaz de tirar seus prazeres de vida, assim como “e minha vida ficava” simboliza a condição permanente em que ele se encontrava , essas palavras usadas também possuem uma grande simbologia, pois é metáforas utilizadas, o outro termo usado” cada vez mais cheia’’ possui uma interpretação ambígua por nos dar a noção de saturamento, ou seja, cansaço, monotonia e de outro lado sensação de plenitude.
Ainda na 4º sextilha, o eu-lírico nos expõe de maneira simbólica algo que talvez fosse pra ele de maior valor como a lembrança do sorriso de um alguém, pois faz uso do pronome Teus no 2º verso, assim de maneira fragmentada vê-se que o autor partiu dos sentimentos mais abstratos até chegar em um sentimento mais concreto, sendo ele o amor , ao referir-se ao mesmo pronome Teus a impressão que se tem é que o eu –lírico fala e desabafa com um certo alguém que lhe é estimado.
Nos versos O vento varria as folhas / O vento varria os frutos, podem-se identificar duas figuras de linguagem sendo a aliteração que consiste na repetição de mesmos sons de natureza consonantal e a Onamotopéia que consiste na reiteração dos sons com o objetivo de imitar determinado ruído, assim a repetição dos fonemas [v] e [f] traduzem e de certa forma imitam o ruído / barulho do vento, nesse aspecto vê-se também que há uma expressividade sonora característica essa do simbolismo, aonde procurava-se aproximar a poesia / poema da música .
Com relação à disposição gráfica das estrofes acentuadas mais a direita ( nos três últimos versos de cada sextilha ) , temos a impressão que o vento agiu ali , esse “espaçamento” é um recurso de expressão de vazio , tempo e até mesmo som , portanto a questão que se trata é o da fugacidade do tempo e as marcas que ela deixa nas pessoas. A mesma expressão “O vento varria”, pode também ser considerado com um processo imagístico, uma vez que esse recurso estilístico, permite ver as sensações ou percepções que são experimentadas pelo poeta , assim a frase já exposta representa a realidade , ilustrando de maneira figurativa a situação do eu-lírico, posto pelo poeta com um subjetivismo profundo, aonde busca-se sua essência juntamente com seus estados de alma.
Há também a presença de anáforas que situam-se sempre no início dos versos , sendo ela constituída com um termo ou por um seguimento de palavras que atuam como elemento estrutural e que trazem o significado essencial do poema , no caso da canção verifica-se que repete por muitas vezes no início de cada estrofe a expressão “ O vento varria”, “E a minha vida ficava”, “Cada vez mais cheia” intensificando mais o sentido e ordenando de uma forma melhor as ideias e até mesmo as situações vividas pelo eu-lírico, na tentativa de manifestar seus sentimentos interiores, o mesmo mostra-se fragilizado pelo desconserto do mundo , resultado de um destino confuso e inevitável ,dado pela forma como o tempo manipulou a sua vida .
Outro processo intensificador também encontrado no poema é o refrão, que consiste na repetição de versos inteiros ao princípio ou final de uma estrofe, sua função consiste, portanto em reforçar a idéia central do poema, como comprova-se neste, ao final de cada sextilha temos “E a minha vida ficava cada vez mais cheia”, reconhece-se nesse aspecto que a canção do vento também torna-se a sua, reconhecendo assim sua plenitude enquanto ser relacionada a ação do tempo que ironicamente ,á medida que lhe varria todas as coisas, deixava a mesma cada vez mais cheia.
Com relação à pontuação, a repetição das reticências em O vento varria as flores.../ O vento varria os aromas.../ E varria as amizades.../ O vento varria as mulheres... / E varria os teus sorrisos, alonga o ritmo da frase e o momento em que se faz referência as lembranças e são introduzidas nesse sentido as pausas internas.
Em O vento varria tudo! (21°verso) o único ponto de exclamação de todo o poema, também diz respeito a expressividade em relação ao rítmo , pois tudo se finaliza, rompe-se tempo da lembrança e do esquecimento , uma vez que O vento varria tudo!, tenta resumir em uma só frase a ação do tempo e a impotência do eu-lirico frente a ele , desse modo toda a idéia do poema é condensado em uma única estrofe ,
Por fim, conclui-se que Manuel Bandeira verbalizou com engenho e arte , o que todas as pessoas sentem e passam , mas que não conseguem traduzir em palavras, sua obra ora analisada é caracterizada por esse tempo descrito , princípio de continuidade que se fragmenta em incontáveis instantes. Se de um lado esse mesmo tempo corrompe, modifica e destrói ele consolida e concretiza , sendo instrumento da realidade . Afirma-se também que o poema é rico em recursos estilísticos variados, que possui traços do parnasianismo , do simbolismo e da modernidade que se mesclam, sua maneira paradoxal de tratar a vida e suas circunstâncias através do tempo , nos permite através de rememoramento ter as mesmas sensações.
REFERÊNCIAS:
BANDEIRA, Manuel. Meus poemas preferidos. 7.ºed. Rio de Janeiro: Ediouro,2001.
JUNIOR, Davi A. Sobre o Crítico Literário. Disponível em : http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/perfil-davi-arrigucci-jr/