SANTIAGO E AS NOVAS ESCRITURAS NO CENÁRIO DA LITERATURA: UM DIÁLOGO COM JORGE AMADO E PAULO COELHO

O surgimento de novas formas de escritura que alcançaram um público leitor maior ocorreu, segundo Silviano Santiago, após a Guerra Fria quando “começa a pipocar um diferente tipo de ficção” (170) que foge dos padrões convencionais. A partir de então, os termos: “nacional” e universal”, começam a ser questionados em seus alicerces epistemológicos.

O termo nacional vem sendo questionado pelos vários e novos movimentos sociais aglutinados em torno da busca de uma política de identidade para grupos minoritários que, segundo o autor, julgam corretamente que a idéia e a prática do nacional no Ocidente foram arquitetadas pelo poder dominante através de divisões sociais e políticas internas que rejeitavam determinados segmentos sociais da nacionalidade (mulheres, negros, homossexuais, índios, etc.) que ficaram à margem da cidadania política atuante. Pode-se concordar com o autor quando este diz não existir partidos políticos que abriguem esses grupos minoritários nas suas reivindicações identitárias, entretanto, apesar destes não encontrarem ainda alicerces firmes no sistema político nacional, e ainda conservador, já se tem um espaço bastante relevante nesse cenário para que os mesmos possam ter voz e vez.

Independente dessas exclusões, a classe social menos valorizada, a operária, “tem tradição universal de luta política na modernidade” (171) através de vozes anarquistas, socialistas, marxistas pela luta de classes. E, nesse contexto, segundo o autor, “a literatura pode ser também filha legítima (...) de um partido político” (171), e para confirmar sua assertiva diz que a ficção que deu respaldo à luta de classes abandonou certas regras oitocentistas na fabulação da intriga e caracterização de personagens para levar o leitor a aceitar como real aquilo que fosse colocado em pauta. Aí ele cita Jorge Amado e reflete que os laços que um tipo de obra como a dele criam, podem ser críticos em relação à sociedade, mas não estimulam a imaginação e a inteligência do leitor, já que se espera dele uma cumplicidade ideológica. Isso confirma o que já se convencionou como correto: que só tem valor o texto que força o leitor a encontrar sentido onde poucos conseguem enxergar. Nesse contexto, discutir sobre novas escrituras no cenário da Literatura não é algo muito comum, principalmente se estas pertencem a um gênero que se popularizou, foi legitimado por uma coletividade de leitores.

No Brasil, temos como exemplo de Best-Seller, o escritor Jorge Amado que nacionalizou o baiano como ninguém e universalizou o brasileiro como poucos ao ser traduzido para outras línguas e lido por um grande público. Ninguém pode negar a sutileza do escritor que se situa entre a política e a literatura. É visível em sua narrativa a valorização de sua terra e seus territórios (mas especificamente da Bahia, de sua gente, de seu modo particular de viver, de falar, de ser); desde seu primeiro romance O país do carnaval, pode-se notar o amor e dedicação do autor em tornar relevante a identidade baiana, repleta de paradigmas, de misticismo, de controvérsias e afirmações aparentemente falaciosas. Para Assis Duarte, em seu livro “Jorge Amado: romance em tempo de utopia” (1995), o escritor foi um visionário que previu, o processo de carnavalização que daria a marca da estética brasileira.

O mais interessante na escrita de Amado é que esta se faz pela via do humor e da paródia, mesmo ensejando discursos coerentes e verídicos, como no romance citado que liga a imagem do país a sua maior festa popular: o carnaval. Do primeiro ao último romance, mesmo que pertencendo a fases diferentes de seu amadurecimento como pessoa e como escritor, é possível notar esse engajamento do autor com “as coisas” de sua terra, de sua gente, de seu país, algo bastante claro na própria fala do autor no discurso de posse da ABL (1961), quando dizia que não era sua pretensão ser universal, mas apenas brasileiro, baiano e cada vez mais escritor baiano.

Amado não é unanimidade entre os críticos, muitos desconfiam de sua popularidade, considera-o panfletário. Porém, independente da crítica nosso ilustre escritor não é apenas um cânone, mas um dos mais traduzidos e lidos no mundo. É um bom exemplo de escritor pesquisado e acessado em mídia eletrônica. A editora Companhia das Letras mantém uma página sobre o autor na internet (www.jorgeamado.com.br), onde é possível ler sua biografia, ter acesso a sua obra e a textos didáticos sobre as adaptações da obra do escritor no cinema e na TV. Amado é um caso raro de escritor brasileiro que tem a memória muito bem preservada, principalmente em sua terra natal.

Silviano credita à mídia eletrônica parte do sucesso de muitas narrativas que circulam por aí. Acredita que se os livros de boa qualidade, sob sua ótica, passassem pelo processo de propaganda na mídia, seriam lidos mais facilmente. Entretanto, são outros tipos de narrativa que se espalham pelo mundo:

(...) o livro de boa qualidade no Brasil pode ser o móvel da entrevista midiática, mas nunca é o seu fim. Em palavras mais contundentes, a programação de venda de livros de boa qualidade no Brasil não passa, ou passa pouco, pela mídia eletrônica. Em compensação, idéias de teor revolucionário circulam com mais frequência entre os telespectadores brasileiros do que entre os telespectadores do Primeiro Mundo. (SANTIAGO, p.65).

Então, se as obras dos cânones brasileiros circulassem, mais pela mídia teriam um público leitor maior? Acredito que sim, mas falar em livro de boa qualidade levando-se em conta apenas uma estrutura já legitimada pela elite intelectual, é ser preconceituoso se não levar em conta o que o leitor prefere enquanto leitura. Paulo Coelho é um exemplo de escritor que Santiago classificaria como não sendo de boa qualidade, entretanto, a exemplo de Jorge Amado, também circula pela mídia, só que patrocinado por ele mesmo. O autor faz seu próprio marketing e alcança o topo do mundo. Nesse contexto voltamos para a reflexão de Silviano Santiago no momento que este observa que, hoje, existe um “culto de personalidade” rondando o que ele chama de aprendiz de escritor, segundo ele, “muitos jovens se sentem tão contentes com a imagem pública de intelectual, que logo se descuidam do artesanato literário, ou o abandonam de vez” (p.65).

Será que foi isso que ocorreu com Paulo Coelho? Para este, ser um escritor foi uma obsessão de vida. Viveu para isso. Conseguiu sê-lo. Porém, apenas querer não o levaria a tão acolhida fama se os seus textos não fossem atrativos para um grande público leitor. Conseguiu a proeza de ser traduzido para 69 línguas e viver da profissão, já que vende milhões de livros todos os anos. Tirou o título de maior Best-Seller brasileiro de Jorge Amado, deixando este em segundo lugar no ranking de vendas e tradução. É claro que Jorge Amado e Paulo Coelho não têm nada em comum além de serem Best-Sellers. Amado é um escritor que prima pela memória e manutenção da identidade nacional. Paulo Coelho se situa entre o misticismo e a trivialidade abusiva do cotidiano. Mas ambos têm fama nacional e universal.

Os Best-Sellers são legitimados por um grande público, porém, poucos pesquisadores e críticos literários se interessam por este novo gênero rotulado com juízos de valores negativos. Sendo assim, afastar-se do estudo dos cânones estabelecidos pela Literatura propriamente dita, é envolver-se em caminhos quase ignorados, pois, infelizmente, a maioria dos críticos literários ainda vê nos conceitos ligados aos formalistas russos do século passado os valores supremos para que um texto possa ser considerado como de boa qualidade. Pensar assim não seria navegar em águas preconceituosas e elitistas, já que se acaba deixando as qualidades emocionais de uma obra literária à margem, como secundárias?

Alguns discursos tendem a acusar os Best-Sellers como sendo apenas entretenimento, como um texto que se utiliza do discurso literário de forma vulgar, banal. Desvaloriza-os por serem escrituras de fácil leitura e entendimento, que emocionam e laçam o leitor; portanto, sem qualidade literária. Realmente a função primária do Best-Seller é o entretenimento, mas este acaba sendo um argumento de exclusão do gênero quando esta função é vista apenas como um passatempo; entretenimento deve ser visto também como envolvimento, pois se a narrativa não seduzir o leitor, com certeza será colocada de lado. É a capacidade de prender o leitor, de envolvê-lo, de fazê-lo virar a página, que torna a leitura de um Best-Seller mais que um entretenimento: um texto legítimo para o seu receptor.

Os Best-Sellers acabam por democratizar a leitura já que se inserem em variados lugares, em grandes extensões locais e para variados leitores. Faz isso se utilizando de aspectos estruturais e estéticos específicos, como a focalização em enredos que correspondem ou representam a experiência de vida do leitor, minimiza aspectos estilístico, usa linguagem clara e cotidiana, e arranjos gramaticais mais simples, além de períodos curtos, a linearidade do tempo (começo, meio e fim) e o esperado final feliz. Portanto, é preciso respeitar o leitor na essência de suas preferências narrativas, preocupar-se com sua afetividade e prazer; isso não quer dizer produzir textos mal elaborados, mas narrativas que participem da vida cultural e social do leitor-cidadão. Estudar o fenômeno Best-Sellers em suas mais variadas contextualizações e temáticas é estudar o público leitor que a legitima. Esse é, hoje, um caminho necessário para que se possa viabilizar melhor o próprio estudo dos cânones brasileiros.

BIBLIOGRAFIA:

DUARTE, Assis. Jorge Amado: romance em tempo de utopia. Editora UFRN, Natal, 1995.

MENEZES, Arlania. Best-Seller: A relevância de um gênero como desafio do gosto literário. Tese de Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural, UEFS, 2011.

SANTIAGO, Silviano. O cosmopolitismo do pobre. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2004.