Poesia: inspiração ou razão?
Poesia: inspiração ou razão?
Essa questão perdura desde os clássicos com opiniões de pesquisadores, teóricos e mesmo escritores. Segundo Aristóteles (sec. IV a.C), a arte deveria imitar a realidade (mimesis) para provocar uma reação catártica no receptor. Platão já dizia que a poesia era a imitação da imitação, já que homens não tinham condições de enxergar as coisas com nitidez, o tal "mito da caverna".
Muito mais tarde, Edgar Allan Poe, ensaísta, crítico, poeta e romancista norte-americano, expõe em seu ensaio "Fisiologia da Composição" como escrever um texto poético, bem como usa a sua tão perfeita poesia "O corvo", de sua autoria, como exemplo. Da fase do Romantismo, poetar para ele era "razão". Há que se ter originalidade (tema incomum), intenção (saber o efeito que quer causar no leitor), tom (romance, terror, humor...). Em "O corvo", escolheu como tema a dor de um jovem perante a morte da amada, jovem e linda. Comenta que nada como tal acontecimento para enternecer o leitor: a morte de uma bela jovem. O rapaz sofredor e insone é visitado na madrugada por um corvo que, antes de entrar voando por uma janela provoca um clima tenso: pancadas na porta, cortinas voando; assim ele oferece um tom de mistério ao seu texto. As figuras usadas, sendo a mais relevante a do corvo, remetem ao mistério e à morte. E, nada mais feliz, como o refrão usado no final de cada verso: "Nevermore" (Nunca mais!), que o corvo responde as sua inquietação "veria Lenora novamente?". Comentários e exemplos apontam para opinião de Poe: a criação poética é alimentada pela razão.
Na realidade. inspiração e razão foi uma das grandes querelas da história da literatura que perdura até os nossos dias. Texto bastante esclarecedor é o de Paul Valèry, poeta, crítico e ensaísta francês, já falecido, porém contemporâneo. Afirma o ensaísta em "Poesia e pensamento abstrato" que a criação poética nasce de dois momentos de sensibilidade especial. Primeiro momento, motivado por algum acontecimento extra na vida do poeta (dor, felicidade, tristeza, enfermidade etc), que o leva a enxergar o mundo, a vida, com uma lente especial do qual nasce a poesia: é a inspiração, momento abstrato. O outro, também especial é, quando posteriormente, ele lê sua criação e faz correções, acrescenta, retira ou muda as palavras já usadas, enfim, faz um serviço de "arte final", momento da razão. O ensaísta ainda faz um paralelo entre o andar-dançar e escrever-poetar. Muito feliz!!!
Quem escreve sabe que a inspiração passa rapidamente e ter um papel e uma caneta nas mãos é imprescindível para não perdê-la. É certo também que, mais tarde, aprimora aquilo que foi escrito, muitas vezes, até atropeladamente.
Embora, muitos ensaístas escreveram sobre a questão da inspiração, considero Valèry o mais coerente em seus argumentos.