Análise das Personagens: Dom Casmurro, de Machado de Assis
Capitu: a ambiguidade (aspecto estrutural relevante no que diz respeito aos personagens) característica fundamental da trama, repete-se na protagonista.
O narrador Casmurro quer induzir-nos a crer que é uma falha hipócrita, enganosa, calculista, simuladora, dissimulada.
O fecho do livro é uma condenação sem rubuços: a primeira é a melhor amiga e o maior amigo junstam-se enganando-o.
Não lhe escapa uma ironia venenosa: "Tão extremosos ambos e tão queridos também".
Terrível desde o início, a sua visão de Capitu não tem remissão: tem olhos de cigana oblíqua e dissimulada, definição que não é sua, mas que endossa em olhos de ressaca, que atraem para tragar e matar.
Do começo ao fim, cresce no livro o retrato da fingida, capaz de todas as felonias e da maior - a traição.
Ambiciosa, Capitu procurava entrar para a sociedade, aprendendo a usar as regras do jogo. Para isto recorreu a todos os artifícios da astúcia e da malícia. Acima de tudo "ela era muito amiga de si", diz Bentinho.
A vida de casados, nos primeiros tempos, foi envolvida por uma atmosfera de amor e romantismo, no que estava muito da parte de Capitu.
Bentinho: um fraco. Seu destino é tecido, até antes de nascer, pela mãe que o promete à vida sacerdotal, depois por Capitu a quem ele se entrega por inteiro na conspiração, por ela imaginada e dirigida, contra a idéia do Seminário e em favor do casamento, no que ela enfrenta o grupo composto da família e seus amigos, excetuado José Dias, logo conquistado à conspiração, e ainda por Escobar, no tempo do Seminário e mesmo depois, e por José Dias. É, pois, um fraco, um dirigido, um incapaz de mover-se por si, pela própria iniciativa e comando. Com tal psicologia passiva, não é de se estranhar a sua inclinação ao ensimesmamento, passo prévio ao temperamento suspicaz.
É quando a desconfiança se instalou no seu espírito, era mais que natural que se desenvolvesse e lhe tolhesse completamente o juízo. Foi o que ocorreu.
Essa mente maldosa é a consciência central da história.
Numa mente predisposta, facilmente se criou um estado neurótico, um ciúme doentio que lhe tomou conta do ser, impedindo qualquer reação de lucidez e raciocínio claro, no seu caso já difícil pelos antecedentes temperamentais.
Se houver razão na suspeita, é outro problema. Inocente ou culpada Capitu foi bastante a Bentinho um certo número de provas circunstanciais para que se deixasse tomar do veneno da desconfiança e do ciúme, o seu "mal secreto", como ele mesmo o definiu, mas a sua personalidade neurótica não lhe deixa lugar para o furor passional e hesita mesmo diante da visita do filho e da sua morte, fatos que só lhe despertam palavras finais de uma mentalidade mórbida.
Diante desse quadro, sobra-nos o direito de duvidar do seu testemunho, tanto mais quanto não se baseia em evidências incontestáveis, mas em simples indícios, aumentados pela imaginação e deturpados pela desconfiança.
Na realidade, só um elemento possui mais peso na alegação contra Capitu - a semelhança entre Ezequiel e Escobar.
As relações entre Bentinho e Capitu, sempre íntimas antes e depois do casamento, entretecidas no amor, no carinho, nas atenções, nos cuidados recíprocos.
As rusgas naturais passaram rápidas sem deixar mossa.
Em 1857, tinham em torno de 15 anos, a diferença era de menos de um ano entre os dois, em 1865, casaram-se, depois do longo período dos estudos de Bentinho na Europa, de onde voltou diplomado em Direito, em 1871, morre Escobar e o dia do enterro é o momento que dá início à suspeita no Espírito de Bentinho, suspeita que só faz crescer, criando nele o estado insuportável que conduz à ruptura e à separação, em 1872, fora os anos da infância, foram seis anos de completa felicidade, sem “a menor sombra de desconfiança” , apesar de que entre os familiares de Bentinho, inclusive na mãe, já a dúvida nascera antes, provocada pela semelhança de Ezequiel e Escobar, provocando a frieza com que passou a ser tratada Capitu.
Escobar: A posição de Escobar pode ser vítima ou vilão. Nas três personagens principais, o retrato de seus caracteres é sugerido na infância, através de juízos das pessoas circunstantes, e, no final, a respeito de Capitu, está explicita a sua filosofia no particular: “saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos”, concluindo que” uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casaca”, mas a tendência dominante era para descon fiar dele: “um tanto metediço” e com “uns olhos policiais a que não escapava nada”, parecendo curioso, e de curiosidade é que se esforça por averiguar as intimidades da vida da família de Bentinho.
Tinha uma cabeça aritmética e sabia adotar certas táticas do recuo para melhor avançar.
Suas relações com Bentinho e Capitu, mesmo depois de casados e formando dois pares extremamente íntimos, revelam-se sempre da melhor espécie.
As demais personagens secundárias, típicos de suas classes, ou estratos sociais, destacando-se dentre eles o agregado José Dias, desenhado com mão de mestre, na linhagem das caricaturas, pelo traço peculiar de amar os superlativos, em alguns casos criações próprias (anjíssimo) e pelos modos de vestir sempre inatuais e excêntricos.
Ezequiel, móvel central ao conflito, criador da complicação do enredo.
Bentinho tem o grande choque com Capitu, de que resultou a separação.
A semelhança entre o menino e o amigo acentuara-se dia a dia, levando Bentinho a extremos de repulsa ao filho, até odiá-lo e pensar em matá-lo.
Naquele instante, ele desabafa o que lhe vinha na alma, declarando: “Não, não, eu não sou teu pai!”, ante o espanto de Capitu.
O único elemento de prova, pois, foi a semelhança entre os dois.
O menino era um imitador.
Seu mimetismo era impressionante, o que levou os pais e os amigos, não só a notá-lo, como também a procurar corrigir.
Sabemos quanto é comum em certas pessoas, e muito mais em crianças, essa capacidade de imitação, que faz adquirir , além das maneiras, gestos, hábitos, até traços físicos.
De tanto imitar, acabam fixando os gestos que se incorporam no seu físico e ao moral mesmo, máxime quando se trata de adultos que muito admiram ou amam.
Ezequiel era desse tipo.
Imitador fantástico.
Em relação a Escobar, poderá ele, por imposição da admiração ou de força inconscientes, ter adquirido as feições exteriores e mesmo traços de inteligência e comportamento, que gerassem a semelhança.
O resto era questão apenas dependente da imaginação mórbida de Bentinho aumentar, fazer crescer, de modo a tornar-se a sua idéia fixa, a sua fixação.
Bentinho acreditou numa vez e para sempre na aparência de culpa.
Seu caráter estático: não se desenvolveu, desde a infância, e entrada na sua mente a suspeita, não poderia fazê-la sair. Estava preso a ela. E assim foi.
Vemo-lo no final, passados anos, ao receber o filho. Sua imaginação viu nele o Escobar da infância.
Era mesmo, ou apenas uma projeção de sua indestrutível convicção?
Jamais a saberemos. Ficamos apenas, com a palavra de Capitu que falou na “casualidade da semelhança”.
Ezequiel: Chegando sem notícia, já morta a mãe na Suíça, Ezequiel vai à casa de Bentinho, fazendo-se anunciar por uma maneira nada brasileira entre pai e filho, cerimonista, através de um cartão de visita.
Parece que o autor, com isso quis acentuar a separação entre os dois pelos anos vividos à distância, embora mantidos as comunicações epistolares e até de retratos.
Ezequiel era um europeu e sua chegada se faz à maneira européia.