Onde estão os leitores? "Literatura em perigo"— parte 1
A visão que os livros detêm na maioria das pessoas de nosso país é um assunto que me deixa inquieto. Não é incomum ouvirmos alguém dizer “eu odeio livros!”, uma lamentável frase que pesa no coração de qualquer leitor. Embora não pareça, creio que a culpa para a existência significativa de uma visão como essa não resida totalmente naquele que diz uma frase assim, pelo contrário, este indivíduo tem a menor parcela de culpa, que está em maior parte na maneira de como os livros lhe foram apresentados.
Meu objetivo com essa série de postagens é levantar alguns pontos relacionados à baixa formação de leitores, provendo-me de experiências pessoais e de minhas impressões do mais recente livro de Tzvetan Todorov intitulado “A Literatura em Perigo”.
Pessoas que pronunciam frases repugnantes como ilustrei acima há aos montes por aí, enxergam os livros como um objeto bizarro, de outro mundo. É muito engraçado também observar como algumas pessoas se comportam quando nós, leitores, estamos com um livro na mão: somos rotulados como criaturas estranhas, mas reconhecidas intelectualmente. Ora, bolas! Só porque estamos lendo um livro significa que somos mega inteligentes? Uma pena, pois a leitura deveria ser uma atividade mais do que comum na sociedade, e a realidade mostra que ela é uma raridade.
Que o Brasil não é um país de leitores, isso todo mundo já sabe. E se alguém realmente dúvida dessa infâmia literária que nossa nação ostenta, sugiro que realize uma pesquisa para mensurar o número de leitores na sua vizinhança, no seu bairro, na sua escola ou no seu trabalho, enfim, em qualquer grupo, e verifique quantos amantes da leitura irá encontrar. Geralmente poucos; na melhor das hipóteses, sendo esta escassa, muitos; e não raro de acontecer, quase nenhum.
Poderia citar diversos motivos para a configuração deste quadro que variam desde o analfabetismo às baixas condições financeiras da população em adquirir um livro (embora haja bibliotecas públicas, que nem chegam onde deveria chegar, para deter esse empecilho), mas o cerne do problema, e aposto que se sanado poderia amenizar todos aqueles agravantes, não é nada senão o desinteresse pela leitura. Ora, do que adianta a construção de bibliotecas e livrarias lá e cá se a própria pessoa não se interessa em freqüentar esses locais? Interesse. É apenas isso o que está faltando na formação de um leitor.
Como lidar com isso? Bom, vamos por partes.
Em se tratando de leitores infantis, acredito que tal incentivo deveria vir não apenas da escola como também de casa, ou seja, os pais, na formação educacional de seus filhos, deveriam incluir os livros nessa educação, o que muitos poucos fazem, pois certamente nem mesmo estes pais são leitores. O incrível é que esse estímulo poderia se resumir a uma tarefa bem simples como incluir um livro ilustrado no pacote de presentes que a criança recebe; tenho certeza que não vai doer trocar um conjuntinho bonitinho de roupa, ou um par de tênis, ou um brinquedo de marca, ou um joguinho de videogame, ou até mesmo aqueles lanches caríssimos, por um livro. Uma maneira bem eficaz também é ler para a criança antes dela dormir. Mas acho que é bem mais conveniente e menos trabalhoso aos pais deixarem a televisão ligada em desenhos animados que ela adormece bem rapidinho, né?
Contando um pouco de minha experiência inicial com a leitura, lembro-me que ganhei uma pilha de quase cem livros infantis. “Que maravilha!”, é o que muitos podem pensar. Houve, porém, uma hesitação de minha parte em abri-los e folheá-los. Uma coisa é você dar um livro a uma criança, outra é você mostrá-lo a ela, pois não são todas que irão criar espontaneidade para entrarem de cabeça nas páginas de uma história. Felizmente, um desses livros, e me lembro do personagem até hoje, me fez tomar gosto. Maneco Caneco Chapéu de Funil é uma de minhas leituras infantis preferidas. Eu devo mencionar também um grosso livro reunindo diversos contos de fadas que perdi a conta de quantas vezes eu o li — adoro Hansel e Gretel (João e Maria). Li também uma série chamada "Salve-se quem puder", formada por histórias de mistério em que no final de cada capítulo era feita uma pergunta ao leitor relacionada a ilustração da página; era muito divertido. E não posso também deixar de ressaltar os gibis da Turma da Mônica que fizeram TODA a diferença em meu hábito de leitura. É uma pena que as pessoas não percebem a importância das HQs como leitura, fato que deveria ser explorado até mesmo nas escolas ao lado dos livros.
Acredito que assim que uma pessoa termina de ler um livro — e entenda-se “ler” como uma ação de resultado prazeroso, ou seja, leitura como prazer —, cria-se um estímulo natural para mergulhar num próximo livro. O problema é que se não houver um estímulo do meio, essa pequena chama que o primeiro livro acendeu se apagará, e será muito difícil então para o leitor voltar a acendê-la. É necessário que essa chama mantenha-se sempre acesa, não importa o quão forte seja a brisa que intente extingui-la. Portanto, a leitura como atividade freqüente é uma condição necessária para a formação de um leitor. A dificuldade, porém, é manter essa atividade como ininterrupta.
Logo, se o estímulo não vem de casa, resta à escola combater essa falha. Infelizmente, a intervenção escolar a piora ainda mais.
Nos primeiros anos escolares, até que ocorre um incentivo à leitura, pois os professores levam a criança a conhecer os mundos que os livros despertam. É realmente prazeroso ler e se emocionar com uma historinha querendo saber o que vai acontecer com tal personagem e como tal historinha vai terminar. Há algumas semanas fui no lançamento de uma escritora de apenas 10 anos. Isso mesmo... 10 anos! Óbvio que o lançamento ocorreu por incentivo da própria escola que viu na garota um ávido desejo pelos livros, mas o que gostaria de destacar é o amor que ela e os amiguinhos dela demonstraram pela leitura. Não seria bom se todas as nossas crianças compartilhassem deste mesmo amor? Sim, seria um sonho, e, na verdade, é o que realmente é: um sonho.
Mas não estamos vivendo num pesadelo. Devemos acreditar no potencial dos leitores infantis e fazê-lo despertar antes que seja tarde demais. Por que será tarde demais? Bom, certamente qualquer pessoa em qualquer idade pode embarcar num navio para o mundo da literatura, mas elas nunca irão embarcar se não as guiarmos até o porto. É bom não deixá-las se afastarem demais ou será ainda mais difícil mostrar o caminho a elas. Explicando a metáfora, há inúmeras coisas que despertam a atenção em nossa sociedade. Falando das crianças, temos os video-games, os desenhos animados, os brinquedos, as brincadeiras... mas e os livros? Muita gente esquece de acrescentar este último item a essa lista, e quando ele é finalmente apresentado, talvez lá na adolescência, possa ocorrer um pouco de estranhamento. Imaginemos que esse adolescente já não possua uma bagagem de literatura infantil, então nem faz ideia do que um livro pode fazer. É nesse ponto que a questão começa a se tornar crítica. A literatura infanto-juvenil tem uma função vital na formação do leitor, mas o que poderia ser algo simples, acaba se complicando.
Na próxima parte dessa postagem tentarei aventar algumas questões envolvendo a forma como a Literatura é ensinada nas escolas respaldando-me nos argumentos do Todorov.