Sobre uma lacuna na literatura brasileira
Existe um gênero tradicional na literatura universal cuja lacuna no Brasil é bastante evidente. Refiro-me ao gênero fantasia.
Os gregos já cultuavam o gênero representado magistralmente na peça “Prometeu acorrentado” de Ésquilo.
Aliás, de maneira geral as mitologias tendem a romper as barreiras da realidade mergulhando na fantasia.
A divina comédia, de Dante, tem fortes matizes fantásticos.
Em “A metamorfose” de F. Kafka, um homem acorda transformado em um besouro, e narra suas aflições vivendo dessa maneira.
A América hispânica é pródiga em textos fantásticos, entre eles a belíssima saga “Cem anos de solidão”, de G.G.Marquez, e O Aleph” de J.L.Borges.
No Brasil, além da literatura infantil, com menção especial para Monteiro Lobato, pouco foi escrito no gênero. Devo destacar “A hora dos ruminantes” e “os cavalinhos de Platiplantos”, entre outros de J.J.Veiga. “A luneta mágica” de Joaquim M. de Macedo, embora muito colado a textos de Voltaire, talvez possa ser classificado no gênero, assim como “D.Flor e seus dois maridos”, e outros, digamos, igualmente “espíritas”.
Não me lembro de outros brasileiros classificáveis como literatura fantástica, o que, sem dúvida, pode ser imputado a minha parca memória, tanto quanto à minha ignorância. Mesmo assim, me parece ser um gênero raro na literatura brasileira.
Foi só às vésperas da publicação de meu segundo livro no gênero que percebi tal fato. “Os fura-olhos” consiste em duas novelas e um conto, todos fantásticos. A primeira, que dá título ao livro, se passa em um mundo onde quase todos são cegos. O conto se passa em um prédio infestado por criaturas monstruosas. A novela final transcorre em um estranho mundo imerso em quase total imobilidade, sujeito, paradoxalmente, a mudanças brutais.
Acabo de lançar “As lembranças do futuro”, um livro de contos. Um ou dois deles podem ser incluídos em ficção científica, a maior parte dos textos, no entanto, transpassam a realidade e se lançam no fantástico formando uma estranha miscelânea de mundos inusitados. Há, talvez, uma sugestão de contato entre eles.
De minha parte, penso que toda a ficção, assim como toda a ciência só pode transcorrer em mundos fantasiosos, coisa que preferimos camuflar e omitir almejando alcançar alguma sanidade, tentativa vã.
Acredito que o mergulho na fantasia nos revela com muita clareza a dimensão do absurdo no qual estamos imersos.
Os links para os textos estão nas figurinhas logo aqui embaixo.