Os Sertões, de Euclides da Cunha, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
Os Sertões.
Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu no Estado do Rio de Janeiro, a 20 de janeiro de 1866. Cursou a Escola Politécnica, mas, por problemas financeiros, teve de se transferir para a Escola Militar em 1884. Torna-se tenente e engenheiro só após uma interrupção em sua carreira, provocada por suas ideias liberais. Seu caráter de pessoa investigativa leva-o a trabalhar também como jornalista dO Estado de São Paulo em 1896, onde segue para Canudos a fim de fazer uma reportagem sobre uma possível rebelião contra a República, liderada por um líder religioso chamado Antonio Conselheiro, que se proclamava Monarquista.
Euclides da Cunha era republicano e acredita que a Insurreição de Canudos recebia ajuda de outros Monarquistas no país, e inclusive do exterior. E como fora designado para cobrir o fim da Revolta com a chegada da última expedição ao Arraial, partiu com o intuito de fazer apenas uma reportagem.
Ainda no Pré-modernismo, Euclides publica Os Sertões em 1902, o que lhe traz notoriedade e um Ingresso na Academia Brasileira de Letras.
Euclides da Cunha descreveu a Terra em um estudo geológico de grandes proporções. Esta mesma terra dos sertões revelou o seu domínio sobre o homem, com o qual ela sempre se confundia. A terra sofrida e forte, o homem sofrido e forte. Diante de tanta devastação, homem e terra formavam um só corpo, imbuído na luta pela sobrevivência num mundo áspero e escaldante.
Este mundo místico e misterioso foi desvendado de forma brilhante por Euclides, quando descobriu que o Sertanejo era a maior representação das características do povo brasileiro.
Desmistificou o estereótipo do mestiço fraco, arqueado e inerte, e descobriu um sertanejo valente, sábio, que através da contemplação e do enfrentamento das intempéries da vida dura e tórrida do sertão, constituiu-se como raça de guerreiros donos do seu próprio destino.
Aquele pequeno mundo de Canudos, afastado, isolado e esquecido nos confins do sertão, era orientado por um velho líder religioso, andarilho, contemplativo, e que, como a própria terra sofrida e golpeada, aprendera a se defender e a se levantar após as inúmeras quedas.
A luta travada pelos “jagunços” de Canudos contra as expedições de soldados republicanos propiciou o encontro de dois mundos até então distantes: Os rincões distantes e isolados dos sertões, largados à própria sorte e ignorância, com a gestante Modernidade do Brasil nas regiões do Sudeste.
A modernidade em Os Sertões, acredito, está na grandiosidade da percepção do escritor, que vai além da reportagem, do documentário, transportando-se para o mundo da arte literária, do estudo sociológico do homem e sua relação com a terra, da capacidade humana de superação, e da crítica social e política característica do Modernismo, já embutida nas concepções republicanas de Euclides da Cunha.
Grande Sertão: Veredas.
João Guimarães Rosa nasceu no Estado de Minas Gerais, a 27 de Junho de 1908 e se formou em Medicina na capital do Estado. Clinicou durante alguns anos, e tornou-se diplomata em 1934, e serviu ao governo Republicano na Europa. Guimarães Rosa publicou Sagarana, livro de contos, e também ganhou notoriedade. Foi eleito para a academia Brasileira de Letras e faleceu no Rio de Janeiro em 1967.
Grande Sertão: Veredas. Foi publicado em 1956, e se revela um estudo antropológico magnífico do sertanejo, em que a sabedoria e o misticismo marcam presença constante, e contribui efetivamente para o alcance das verdadeiras intenções e propósitos do Movimento Modernista, antes estagnado por uma estética convencional, e agora trazendo qualidades literárias universais ao gosto dos leitores das gerações da época em que foi publicado e das atuais.
Riobaldo, a personagem deste monólogo, é um jagunço que narra sua trajetória neste mundo sertanejo, em que as veredas percorridas pela personagem, apesar de conhecidas, ainda lhe revelavam muitas surpresas.
O homem do sertão, místico, forte, esperto e sábio, mostra também o conhecimento que tem sobre a terra em que vive. Suas relações com este mundo isolado relembram Os Sertões, de Euclides da Cunha, porque também em Grande Sertão: veredas, terra e homem parecem formar um só corpo.
O Narrador é o próprio personagem que desnuda a relação do homem com o misticismo. Homem que parece ser fraco, ignorante, mas que ao mesmo tempo revela uma sabedoria magnífica. Também é um estudo sociológico modernista, que volta os olhos do Brasil para os sertões nordestinos, ainda abandonados à própria sorte como um mundo à parte, outro mundo dentro do mesmo Brasil ainda na década 60. E se observarmos politicamente, economicamente e socialmente, as diferenças e preconceitos perduram até hoje, em menor grau é claro. É como se a identidade sertaneja imperasse com sua característica exclusiva, incorruptível às grandes mudanças étnicas que tentam arrastar e igualar o país. É uma identidade construída pela terra, pelo poder de contemplação e pela força do homem sertanejo.
Conclusão:
A primeira obra, Os Sertões, debruça-se sobre um fato real, descreve-o com tal perfeição, com tamanha propriedade na reconstrução da linguagem e na grande quantidade de conteúdos linguísticos, que acaba se tornando uma das maiores obras primas da literatura brasileira. A segunda, Grande Sertão: veredas é uma obra de ficção que tem como base a observação grandiosa de fatos reais e, partindo deles, também constrói mais uma obra prima da literatura brasileira, todas concernentes ao estudo antropológico moderno. Acredito serem “Os Sertões” uma obra com grandes características modernistas pelos argumentos aqui levantados. Com Grande Sertão: veredas traçam inúmeras relações entre si, no que diz respeito ao estudo do homem e o seu ambiente, neste caso, o sertão brasileiro. Os autores não eram contemporâneos, mas vivenciaram uma época de relativa estagnação cultural do país, em detrimento com as criações e a aceleração do Movimento Modernista em outros países.