REVOLTOSOS EM POÉTICA E NA POLÍTICA

Em 14 de agosto de 2011 14:29, Recanto das Letras <recantodasletras@recantodasletras.com.br> escreveu:

Assunto: Manuel Bandeira

Nome: Maria

E-mail: mariaairam@oi.com.br

IP: 187.23.109.129

Mensagem: Sobre o livro "LIBERTINAGEM", publicado em 1930, em que estão contidos os versos de "POÉTICA", citado em tua peça “SENSAÇÕES ESTÉTICAS”, ver http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/3157954 , publicado neste Recanto, pergunto:

– Manuel Bandeira publicou o texto como poema, um exemplar em Poesia?”.

Olá, Maria! O momento exigia o combate à Poesia dominante (em suas formas e formatos). Era o NOVO, porque a vida mudara, e com estas, a literatura e a arte poética buscavam novos caminhos, como é comum acontecer em todos os períodos mudancistas da história da humanidade.

Era uma reação combativa (e escrachada) contra a poesia formatada nas regras do SONETO PARNASIANO, o qual continha versos com rimas nos dois quartetos (emparelhadas ou alternadas) e nos dois tercetos (entrelaçadas), estrita e exigente contagem do número de sílabas segundo a opção: heptassilábicos (07 silabas fônicas), decassilábicos (10) ou alexandrinos (12), cujos conteúdos ou assuntos eram sisudos e formais, pleno de citações oriundas do classicismo greco-latino – linguagem muito difícil – utilizando vocábulos que exigiam os dicionários à mão do leitor, muito diferente da linguagem utilizada no dia-a-dia da população, onde grassavam os dialetos localistas típicos do baixo nível de escolaridade e a oralidade peculiar do analfabetismo. A literatura tornava-se estranha ao mundo dos fatos.

O número de escolas era muito reduzido, principalmente nos grotões do Centro-Oeste, Norte e Nordeste brasileiros. A Educação seguia os padrões que haviam dado certo na Pátria-mãe: PORTUGAL. Entendiam os modernistas que o Brasil necessitava encontrar os seus próprios padrões, enfim, a linguagem poética específica: luso-brasileira.

Manuel Bandeira, utilizando um cadenciamento (em versos) típico de Prosa Poética (e não estritamente Poesia) promovia, no livro LIBERTINAGEM, o típico "Manifesto" do Modernismo brasileiro, com o texto "POÉTICA". Era preciso chamar a atenção do público para o novo momento da literatura nacional.

O inusitado poema do modernista Bandeira caiu como uma ‘bomba’ sobre os meios intelectuais do Brasil conservador. Saliente-se que a nação sofrera o golpe de 03 de outubro de 1930, liderado pelo gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, e que vinha – também no plano político – com várias propostas ‘revolucionárias’. O Brasil entrava na República Nova, em oposição aos cerca de 40 anos da Velha República, nascida em 1889.

Por esta época, no RS, Mario Quintana, nascido em 1906, e que seria, posteriormente, um seguidor do pensamento modernista de Bandeira, e seu íntimo amigo, AINDA ESCREVIA SONETOS. Os seus versos modernistas – ‘embandeirados’ de prosa poética – começam a surgir na década de 50 e surgem no livro POESIAS somente em 1962.

É evidente que ocorre, no texto de “POÉTICA” – como proposta típica da nova poética – um exagero prosaico. E entendo que é isso que está a te causar estranheza. Como quase sempre acontece quando se critica o excesso, este aparece muito vivo no modelo inicial sugerido para substituir a poética dos “chatos, empolados e repetitivos parnasianos”, segundo os modernistas.

O mesmo ocorre no poema "E AGORA JOSÉ?", de Carlos Drummond de Andrade, vindo a lume no livro SENTIMENTO DO MUNDO, em 1940, em que o prosaísmo ocupa grande espaço. É de se comparar ao hermetismo do mesmo grande vate em “No meio do caminho”, aparecido na Revista Antropofagia, em 1928. Percebe-se, sem muito esforço, no prosaico de “E AGORA JOSÉ?”, que as inquietações pertinentes ao social, que povoam o imaginário do Estado Novo, assolam o espírito do poeta Drummond, que ingressara no serviço público e, em 1934, transferiu-se de Minas para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. E, como parece ser regra que a Arte copia a vida, o Brasil buscava novas sendas.

O que me chama fortemente a atenção é que, principalmente entre os autores que ora publicam na Grande Rede, há muito poucos que se dão conta das mudanças ocorridas há quase um século, e continuam publicando “abobrinhas” que, de Poesia, pouco ou nada contém. Não só pelo prosaico, porém pela ausência de figuras de linguagem, típicas da Poética.

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/3160038