Transliterário, interesses & leituras
Agora Coordenador de Literatura e Memória Cultural da Fundação Espaço Cultural José Lins do Rego (FUNESC - João Pessoa - PB), devo procurar fomentar o estímulo a leitura no estado da Paraíba, principalmente entre os jovens estudantes das escolas da Rede Estadual de Ensino, entre outros (des)interessados.
Entre fundamentos ideológicos a formas de ações a realização de um projeto que chamei de "Transliterário" - já que, em parcerias com empresas de ônibus, pretende fazer circular, gratuitamente, livros de autores paraibanos entre os passageiros municipais e intermunicipais - discussões sobre o que fazer primeiro foram desenvolvidas entre outros interessados no mesmo fomento.
No meio de tanta conversa, boas ideias e experimentos – já que estive Chefe da Divisão de Arte, Música e Educação da Secretaria de Educação do Município de João Pessoa – depois de detectarmos preconceitos e as dificuldades que promovem, agora penso ser melhor desconsiderar os livros clássicos como instrumentos de motivação a leituras para não leitores e dar-lhes o que eles querem ler e escrever, já que um dos livros da coleção do "Transliterário" pretende ser a publicação de uma seleção das melhores redações publicadas no âmbito da escola pública.
Meu argumento é que quem não gosta de ler não pode começar sendo exigido ao interesse por um livro escrito a partir de outros rigores gramaticais, literários, culturais.
De resto, uma das falhas fundamentais de certos educadores tem sido pretender que certas exigências e castigos sejam ainda motivadores de estímulos a leituras e aprendizados, quando deveriam considerar os interesses e desinteresses próprios de cada potencial leitor a ver o que e como produzir textos que lhes sejam atraentes e agradáveis.
No livro “Como um romance”, o escritor francês Daniel Pennac * enumera os dez direitos do leitor: o direito de não ler; o direito de pular páginas; o direito de não terminar o livro; o direito de reler; o direito de ler qualquer coisa; o direito ao bovarismo – “doença textualmente transmissível”, diz o autor, embora não haja o significado da palavra disponível no dicionário – o direito de ler em qualquer lugar; o direito de ler uma frase aqui e outra ali; o direito de ler em voz alta e o direito de se calar.
Baseados nisso, podemos observar que o interessado leitor de José Américo de Almeida há muito tempo não é o aluno do fundamental. Também não será o do ensino médio. Numa rápida conversa num ponto de ônibus com alguns estudantes, descobri que leem compulsoriamente, apenas por exigências de professores, e então confessam que simplesmente não têm prazer de ler, pouco assimilando da leitura.
José Américo e Graciliano Ramos, por exemplos, são escritores brasileiros de interesse para aqueles que iniciaram suas leituras muito cedo e, agora, com interesses superiores, querem saber o valor das especificidades literárias que tais autores clássicos referendam a distinguirem culturas e estilos.
Tal interesse, como é evidente, não se dá se a maioria dos alunos tem nas mãos uma obra de José Lins do Rego como “um estímulo a leituras” (cuja obra, todavia, poderá milagrosamente agradar ainda a certas mocinhas interioranas). Porque eles se aborrecem e debocham do texto: acham ridículas as aventuras do personagem moleque Ricardo, de Zé Lins, em comparações com as ações e emoções vividas pelo personagem Harry Potter, criação da escritora britânica J. K. Rowling, por exemplo.
Tive certeza disso quando ministrava oficina de Literatura numa escola, assim como quando estimulava o interesse por José Lins do Rego em casa e entre amigos de meus filhos.
José Lins do Rego é um ícone “universal” da literatura brasileira regionalista, de valor cultural inquestionável, entre outros pioneiros da literatura paraibana, mas J. K. Rowling, como escritora, conseguiu atuar de forma a seus escritos interessarem mesmo àqueles que não se envergonham de queimar livros!
A diferença entre os universos dos autores e da autora citados é evidente. Mesmo assim, como instrumentos primeiros de estímulo a leituras, os livros de nossos velhos autores são o que velhos educadores e professores “conservadores”, ditados por velhos MECs, tem a oferecer. E mesmo que saibam que, como recursos de estímulos a leituras, os livros de Herry Potter, entre outros do gênero, conseguem o que nenhum velho clássico conseguiu - ou o que os livros da coleção do projeto "Transliterário" pretendem conseguir.
* Daniel Pennac (nome verdadeiro Daniel Pennacchioni, nascido em 1944 em Casablanca , Marrocos ) é um escritor francês. Recebeu o Prêmio Renaudot em 2007. (Fonte: Wikpédia, Internet).