O encontro marcado. Fernando Sabino. Análise literária. (Angela Sánchez)

O encontro marcado. (Fernando Sabino)

Tal vez, devamos expulsar os invasores

ou abandonar os velhos revolucionários.

Tal vez, devamos fugir desta nossa prisão

a nado ou montados sobre nossas próprias idéias;

ou vestir-nos de homens e mulheres, e lutar

contra os cavaleiros imperiais

para vencer às lendas e transformá-las.

Angela Sánchez

O encontro marcado. (Fernando Sabino)

“Historia de uma geração: seus anseios e frustrações, suas crises místicas e existenciais, sua visão generosa do homem e dos valores humanos e a permanente busca de suas respectivas individualidades...”

Para o pesquisador suíço Carl Jung, o grande sentido da vida é a individuação: processo de profundo autoconhecimento, onde tomamos a coragem de nos confrontar com velhos medos e o que desconhecemos de nós próprios. Uma vez que alguém se entrega a esse caminho nada racional, sua vida parecerá ser magicamente conduzida por uma sabedoria maior, que Jung denominou Self (o Si-mesmo), o centro de cada um de nós. Individuar-se significa fazer o ego (a consciência da superfície) ir ao encontro desse centro ordenador. Isto representa adquirir autonomia, tornar-se uma totalidade psicológica, “una e centrada”, sem divisões internas, autoconsciente: um in-divíduo. Este é o caminho para a personalidade total e a buscada realização pessoal.

A vida do personagem Eduardo tem uma grande similitude com a lenda de Sísifo, da antigüidade grega, e Neo, o herói do filme Matrix, nosso contemporâneo. Eles três sentem o peso de serem os escolhidos,

“... de nos três, o de mais sorte, o escolhido, nosso amparo, nossa esperança. E de nos três, tal vez, o mais miserável, tal vez o mais desgraçado, porque condenado à incapacidade de amar, pelo orgulho, ou à solidão, pela renuncia.” (Pág. 88). (fala Hugo)

... “agora você não pode recuar, o jeito é ir para frente. Faca carreira, se insinue, interfira, influa. Você tem uma grave responsabilidade, está destinado a exercer um papel qualquer, quem sabe você é quem vai um dia tirar o pais desta miséria?” ... Pág 141.(fala Mauro)

... “não soube escolher, fui escolhido. Pois agora agüenta a mão, rapaz. Não vai chorar mais não, que não adianta”... Pág 245. (fala Toledo)

... “sua sorte estava lançada. Não dependia de mais ninguém senão dele: forcas poderosas se juntavam, um mecanismo gigantesco se punha em movimento para triturá-lo , submetê-lo à grande tentação, até que se cumprisse o que estava escrito. Esse eram os desígnios de Deus , reconhecia-os afinal: o sacrifício exigido. Mas o que pretendiam dele? Se resistir era a sua decisão, último rasgo de fidelidade a tudo em que um dia acreditara. Onde a tentação, onde o sacrifício?”(depois de falar com Neusa e saber que ela está grávida)

Vemos que, desde a infância, para Eduardo existem segredos, que não consegue desvendar

“...a existência sempre possível de um tesouro...”(pág.9). “... A arca cheia de mistérios que mãos de criança violavam...”(Pág.. 10).

... “Não sabia o que se passava consigo : sabia que tudo era triste, o mundo era mau. Havia mistério em tudo, a alegria da infância era apenas lembrança. De súbito, a morte estava para abater-se sobre ele a qualquer momento”Pág. 31.

... “_não tenho nada a lhe dizer. Você jamais saberá nada , você não e capaz de saber coisa nenhuma desta vida_ ..._ porque você se julga domo de seu destino, e ninguém é dono de coisa nenhuma neste mundo. Eu por acaso sou dono do meu? Não faço coisas que por si já são destinos? Ninguém conhece ninguém, nem a si mesmo, a cada passo nos surpreendemos, nos desmentimos, negamos o que um minuto antes nos pareceu a ultima das verdades. Olhe, só há uma verdade essencial, e essa a gente gasta a vida toda procurando, quando ela esta montada no nosso ombro como uma cruz. Só um cego é que não vê”Pág... 228

... “Eduardo o olhou durante algum tempo, tentando decifrar o enigma que era a mascara de um homem”Pág... 228.

... “sua grandeza ainda não revelada”pág 260.

... “a sua solidão lhe pesava, espessa, impenetrável como um enigma prestes a ser decifrado_ sentia-se devorado de uma nostalgia pungente como uma recordação da infância_ e era essa a outra espécie de nostalgia , de que lhe falava o Toledo, finalmente a reconhecia_ o homem que ele finalmente era_ sozinho, nu e indefeso diante de si mesmo”Pág... 277.

Ao mesmo tempo ele tem uma visão otimista do mundo, da vida e de Deus

...”na vida tudo seria assim, a solução se apresentando imediatamente, mal começasse a buscá-la, gozando ainda as dificuldades do problema. Na vida tudo lhe seria assim”Pág.. 27, “Deus não abandona àqueles que não o abandonam”Pág..82.

E um sonho”quando eu crescer, vou ser artista”.

Mas, tudo o fazia sendo um mero observador, deixando-se levar .Sem comprometer-se. Cheio de egoísmo.

“Não analisa, não”

“... não pensar, não pensar de maneira alguma_ se impunha...”

Em Matrix, Neo sofre o indesejado para aprender que tudo o que ele precisa é mudar a visão que tem de si próprio, apenas isso. “Não pense que é, saiba que é”, e então o peso da palavra Predestinado o pressiona. ele não pode acreditar, mas o segredo para a vitória do herói esconde a mais simples e a maior de todas as ironias: “para mudar o mundo, basta mudar a si mesmo. Transforme-se e tudo em volta se transformará – eis o segredo!

Ai começa também o sofrimento de Eduardo. Não é fácil o processo de autoconscientização. Conhecer a si mesmo requer coragem, perseverança e honestidade. São muitos os obstáculos que surgirão durante a jornada. A maioria dos que são instigados a mergulhar em si mesmos terminam desistindo ante os primeiros desafios e retornam depressa às velhas seguranças das certezas conquistadas: o velho mundo, mesmo com todos os seus defeitos, é melhor que um mundo novo e desconhecido. Mudar sempre requer disposição para reconhecer os próprios defeitos e isso dói. Dói despregar-se daquilo em que sempre acreditamos. Dói perceber que na verdade não somos perfeitos, que temos defeitos e que, se quisermos prosseguir, temos de nos livrar deles. O autoconhecimento é doloroso mas é a única estrada que pode nos levar à realização pessoal mais verdadeira. A recompensa por tantas dores é o poder que recebemos ao realizar toda nossa potencialidade adormecida e a liberdade por nos livramos de velhos grilhões que tanto nos limitavam.

“ _ Precisamos começar a viver Eduardo. _ E não estamos vivendo? – mas ele se sentia fora de seu mundo, esquecido de tudo, pacificado, feliz. O regresso, o apartamento alugado, a mobília comprada, a vida em comum afinal feita realidade. Tudo acontecia numa seqüência rápida, sem trégua, mal ele tinha tempo de acomodar-se a uma transformação em sua vida, e logo vinha outra, ainda maior. Que viria agora? – ele se interrogava, sem saber o que fazer de si, pela primeira vez sozinho, quando ela enfim, alegando cansaço, recolhera-se mais cedo. Sentia vagamente que se tornara instrumento de desígnios outros, poderosos, desconhecidos – já não era dono de si mesmo”pág. 143.

Neo está adormecido e vive na realidade virtual de Matrix, Eduardo entanto sente que, “– hei de fluir de um rio, dia e noite, nem que tenha de dormir de pé porque esta é a cama estreita que conduz ao reino dos céus”...

Assim também sente-se Sísifo:

Inútil querer vencer esta batalha.

Só te resta rolar a pedra pela escarpa

esperando a resposta que te escapa.

O teu trabalho é desígnio de Destino

e Destino é o nome que dás ao mistério.

Destino para ti é o que não tem caminho,

além de todos, entre deuses, um deus sozinho.

Crise, revolta, traição

Então Eduardo se sente desesperado, revoltado, traído. É quando entra em crise porque chegar à autoconscientização é difícil. Conhecer verdadeiramente quem somos é luta armada travada no campos da consciência e do inconsciente, guerra de toda uma vida onde cada auto-revelação representa uma importante batalha vencida. O verdadeiro autoconhecer-se dói muito porque implica necessariamente enfrentar o que se teme, tornar-se o que se evita ser, entrar no fogo dos piores medos.

“... a ter de me arrepender um dia, prefiro me arrepender daquilo que fiz e não daquilo que não fiz...”Pág. 85 ( Eduardo fala com os amigos)

...”sentiu-se sórdido, lágrimas começaram a rolar-lhe nas faces. Ele o puro, o escolhido, o que não se contaminava_ trazia em si o germe do pecado e da podridão...”.pág 97 (encontro com o professor Leitosa)

“... era a noite que parecia querer envolvê-lo na sua miséria, nos seus ruídos ignóbeis, na sua trama de súbito revelada. Ansiava pelo novo dia que vinha nascendo para libertá-lo...” Pág. 105

( morte da mulher no hotel)

“... buscou acalmar-se olhando os jardineiros que indiferentes aparavam a gram no jardim. Eles sim sabiam viver. Nenhuma pressa, nenhuma aflição: obedeciam ao ritmo que lhes era imposto, harmonizavam-se à ordem das coisas ao redor. Era como se ele, apenas ele, excedendo a si mesmo, num moimento brusco saltasse fora da engrenagem e desgovernado, pudesse ver de longe o mundo pacífico e feliz de que não sabia participar....”Pág..133 (depois de perder a competição de natação)

...”passou horas sob a estranha impressão de que não havia mais nada a fazer. Tinha vencido, afinal. Conseguira o que queria. E dai. Esperar, casar, morar, ter filhos, amar, sofrer, esquecer, envelhecer. H, viver era tão fácil, tão sem gosto e sem estímulo, o que importava era morrer ...” Pág 139 (quando conseguiu ficar noivo de Antonieta)

“... Você não soube escolher – lhe dissera Toledo: foi escolhido. Escolhido por quem? Para quê? Desígnios de Deus? Lembrava-se do diretor do ginásio, séculos atrás: você acredita em Deus? Já nem sabia em que acreditava, não tinha tempo para pensar. Você vive muito depressa – o pai tinha razão, era isso, depressa demais. Essa ganância de viver. Gostaria de ser um homem sereno, comedido, um escritor como Machado de Assis. Era preciso ir devagar – saber envelhecer. O fruto que apanhava ainda verde, deixava apodrecer na mão. Casado. A vida o afastava de sua origem, de seus amigos. Já nem sempre estaria presente na lembrança deles, o tempo o empurrava com força demais e isso era terrível. Mal podia sentir o gosto das novas experiências, já não eram novas, ficavam logo para trás, o passado, ele que não tinha presente, não tinha nada, não fizera nada – por que não podia parar um pouco, descansar, não dar mais um passo? Queria adquirir seus hábitos também, certa maneira de ser, ele que era moço. Sozinho. Muito precoce, aprendeu a ler sozinho, fazia o que queria, bastava arranhar o rosto. Antonieta sua mulher, dia e noite, enfim conquistada: nada mais a fazer? Sozinho, o tempo passando, ignorava tudo que ficara para trás: Mauro fizera um poema e ela não sabia, Hugo lhe mandara um telegrama, apenas um telegrama lhe mandara Hugo. Assim, eles iam mudando: nada de intimidades. Uma suave cortesia. Uma distinta amizade. Amabilidades de parte a parte. E falsidade, hipocrisia, conveniência. Pois não, também acho, com prazer. Com quem puxar angústia agora? Nascemos para morrer – nada pior do que não ter nascido. A vida tem dessas contradições, dizia o pai. Onde as verdades eternas? O tempo levava tudo, ele não tinha onde se ancorar. Oh, o Toledo era um tratado de psicologia. Tudo isso é natural, diria ele, natural, viver é assim mesmo. O tempo acontece, o que tinha de ser já foi, agora a nostalgia de já ter sido em experiência, etcétera, etcétera. Conhecia novas pessoas, pensaria outras coisas, ouviria em silêncio prudente e compassivo opiniões alheias que um dia já foram suas. E está certo! Não se pode fazer das dúvidas de outrora o pão nosso de cada dia: não posso responsabilizar ninguém pelo destino a que me dei. Sozinho: sozinho no mundo com uma mulher. O que significa isso? Significa que terei de amá-la, zelar por ela, sustentá-la, cumprir os chamados deveres de estado. Pois então o que é que estou fazendo aqui, sozinho? Não sou um homem? Um marido, não sou? Há uma fresta em minha alma por onde a substância do que sou está sempre se escapando mas não vejo onde nem por quê. Depressa, não há tempo a perder. Também tenho o meu preço mas ninguém conseguirá me comprar, todo o dinheiro do mundo não basta, hei de escapar como água entre os dedos da Coisa que me aprisionar entre os dedos – hei de fluir de um rio, dia e noite, nem que tenha de dormir de pé porque esta é a cama estreita que conduz ao reino dos céus. Não adianta pensar, a mão de Deus é pesada mas me protege a cabeça, tudo que faço nasce feito, sozinho, não adianta chorar, meu Deus, nem tenho motivos para isso, muito pelo contrário, é preciso reagir, a literatura não adianta, e os livros na estante e o cinzeiro cheio de cinza e a luz da cozinha acesa, poderia fazer um café, Antonieta dormindo e o botão do pijama, meu Deus, livrai-me do pijama, quero ser reto, quero ser puro, quero servir, pois vai trabalhar, moço, deixa de vaidade, tu és muito pretensioso, uma missão a cumprir, ora vejam, perdulário que tu és, a vida é breve, não incomoda os que trabalham, os trabalhos do homem são penosos, estou casado, estou casado, estou abatido, em verdade estou destroçado, andei depressa demais, agora chega, basta, pára, pronto! Acabou. Assim. Fique quieto. Não queira. Não estou dormindo, estou vigilante, hay que vigilar las tinieblas, capisca? Ai, Minas Gerais, já ter saído de lá, tuas sombras, teus noturnos, teus bêbados pelas ruas, Eduardo Marciano, minha mágoa, minha pena, minha pluma, merecias morrer afogado, o barco te leva para longe, a praia está perdida, mas voltarás nem que tenhas de andar sobre as águas.De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono um aponte, da procura um encontro”.Pág...143.(logo que casou com Antonieta)

...”sei apenas que estou vivo. Nada mais sei. Sinto em mim um sangue que talvez exista para ser derramado e não para correr frouxamente pelas veias. Existem palavras essenciais: amor, infância, pureza, espaço, tempo. Com elas eu escreveria um romance, cem romances. O amor como atitude estética diante da vida, realização da pureza no espaço e da infância no tempo. Tudo mais é literatura...”Pág. 163 ( carta a Hugo)

... Aquilo era uma missa. E não lhe dizia nada, gestos mecânicos de um ritual sem sentido.... gente, gente por todo lado e ele sozinho . havia um mundo ao seu redor do qual não participava, e ninguém reparava nele, ninguém dava conta da sua presença...”Pág.. 165 (missa de fim de ano)

...”sim aquilo era angustia. Num grande esforço tentou ordenar os pensamentos, entender as coisas ao redor, não entendia mais nada. _ Estou perdido_ murmurou, deixando-se cair na cama. Sentia-se inseguro como no instante de se atirar na piscina em dia de competição. Mas isso não era nada: era um estado permanente de angustia, crônico, suportável, era a fragilidade do ser diante da brutalidade e da crueza da vida, mas era ainda a vida, o existir e se saber presente. A evasão da realidade, o vórtice negro em que se sentira cair ali na janela como num poco, é que era angustia, o desespero, a negação de si mesmo. O não ser, o vazio, o nada. Sua testa começou a porejar suor: tudo começava de novo a perder sentido, suas forcas faltavam e ele se agarrava apavorado a uma idéia qualquer para não ser tragado...”Pág. 177

(em Ouro Preto)

..._ sabe? precisamos mudar de vida, antes que eu enlouqueça: mudar completamente. Mudar de bairro, mudar de hábitos, de amigos, de nome: eu passo a me chamar Joaquim e você Guiomar....”Pág. 179. (falando com Antonieta)

...”_ Antonieta , eu..._ e não pôde proseguir. A voz lhe faltava, um soluço atravessou-lhe a garganta. As coisas perdiam o sentido, a realidade lhe escapava, e era preciso uma verdade qualquer, uma verdade concreta , acessível e sem mistérios a que se agarrar, para não ser tragado....”Pág.226. (falando com Antonieta)

....”em vez de extenuar-se no estudo ou na leitura até que o sono viesse, acendeu então o primeiro cigarro e pôs-se deliberadamente a pensar no que lhe acontecera, como a ver se encontrava entre os restos do desastre alguma coisa pela qual continuar a viver...” Pág. 235. (depois do divorcio)

...”perguntas sem resposta e sem sentido que ele largava na praça avermelhada pelo crepúsculo. Aqui outrora retumbaram hinos, pensou. E logo se afastava dali. O fruto que apanhara ainda verde...nem verde nem maduro, nenhum fruto colhido: um livro cem vezes começado, um filho abortado, um casamento dissolvido. Para isso vivemos ...nada mais terrível do que não ter nascido ele dissera um dia. E agora?. Agora só a liberdade importava: liberdade de um dia olhar o outro nos olhos e dizer: és tu_ reconhecê-lo, identificar-se com ele logo que o encontrasse e enfim se deixar viver numa enfim conquistada disponibilidade, que a vida em si mesmo justificava. ..”Pág.. 238 ( em Minas Gerais, depois de ver a mãe)

...”que ordem era essa cuja transgressão se fazia necessária para que o homem se redimisse? Essa vida é mesmo sórdida, se repetia, aflito, sen saber onde buscar forcas para resistir. Se era preciso errar primeiro, escorregar, cair, para depois entregar-se às mãos de deus, matéria de salvação , aproveitasse! Ai estava a ocasião de queda:esse era o problema a enfrentar. Estarrecido como se não só a sua sorte, mas a do mundo inteiro dependesse daquele passo. A salvação do mundo só poderia vir do Cristo... era como se o objetivo de sua vida fosse esse: tudo o que fizera até então, desde o nascimento. O trouxera por caminhos confusos até a última prova, o teste definitivo da sua natureza de homem. Pág.... 271 (depois de falar com Neusa e ela diz que fará o aborto)

A traição de Cypher é um dos fatores cruciais de toda a trama do filme Matrix. Ele é a traição que nasce de dentro da própria resistência, mostrando com isso que aqueles que lutavam pela liberdade da espécie humana não eram seres perfeitos, não eram santos - eram seres humanos como os outros, com seus defeitos. Cypher simboliza o componente de autoboicote da Psique, aquilo que nos impele a voltar para antigas e cômodas certezas, que tem medo de arriscar, que cansa de lutar pelo que acredita. Cypher existe em todos nós: é a força retrógrada em eterno combate com as forças progressistas. De onde pode vir a traição senão de dentro de nós mesmos? Isso nos faz lembrar que o grande inimigo a vencer não se encontra lá fora: ele está dentro de cada um de nós, e é mais poderoso pois age no silêncio e na dissimulação dos nossos medos e bloqueios mais íntimos - e que não enxergamos. Não enxergamos porque preferimos não ter de encará-lo, assim é mais cômodo. Porém, há sempre um preço a pagar quando insistimos em não olhar para aquilo que nos chama atenção em nós mesmos. Tudo que rejeitamos na Psique cresce silencioso: esse é o pior dos inimigos. Um dia ele se apresentará tão forte que não haverá como deter sua traição. “... por que eles tinham que fazer uma coisa dessas comigo? E eu que já começava a acreditar nos outros... como a natureza humana pode ser tão sórdida? Pág...266 (frei Domingos quando sai noticia do assassinato no jornal) “... apanhamos o fruto verde e deixamos que ele apodreça nas nossas mãos...”Pág... 110.(Eduardo)

Dar-se conta

Cada um de nós tem o poder de mudar o mundo. Mas é preciso antes mudar a forma como entendemos a nós próprios. Eis o segredo que se esconde por trás do filme Matrix, O encontro marcado, e também de toda a vida. O segredo que de tão óbvio não se vê, mas, que aguarda pacientemente por todos os predestinados.

“... Ninguém entenderia jamais o que ele sentia naquele momento_bastava parar, sentar num banco da praia, meditar com calma, e faria dele um desses momentos capazes de decidir todo um destino. Um desses momentos_todo um destino...”(depois d falar com Antonieta já divorciado)Pág... 103.

...”apanhamos o fruto verde e deixamos que ele apodreça nas nossas mãos...” Pág. 110. (falando com os amigos, tinham 20 anos)

...”pensei que seu caso fosse diferente... mas você também não soube escolher, foi escolhido. Agora agüenta...”Pág. 118. ( Toledo fala para Eduardo)

...”o que passava com ele? Sua inquietação, sua vontade de encerrar uma fase da vida e inaugurar outra era algo que saltava aos olhos de todos. Pág. 136. ( antes de conhecer Helga)

...”que estou fazendo de minha vida...”Pág. 161.( últimos dias do ano, ele se embebeda quase todos os dias)

“... mais uma época ali se encerrava? Acaso não vivia sempre encerrando épocas e inaugurando outras? De onde vinha, para onde ia? Que sentido tinham as coisas. Nenhum, nenhum, se dizia, sentindo finalmente seus olhos se encherem de lagrimas....’pág. 171.( quando soube da morte do pai)

“... Sabe uma coisa, Eduardo? Seu erro fundamental é lembrar em vez de recordar, recordar é reviver, lembrar é apenas saber. O que é recordado fica, o que é lembrado é também esquecido...”Pág. 183 (Germano diz para ele)

...”milagre? sim parecia viver à espera de um milagre. Havia alguma coisa de errado, sim, de fundamentalmente errado, sim. se descobrisse o que era, estaria salvo...”Pág. 216 (casado com Antonieta, depois do aborto)

...”e ele próprio? Afinal que fizera de seu casamento senão um campo aberto às acomodações, e de todas as transigências, ludibriando, burlando a vigilância de Deus?...”pág. 217. (quando pergunta a Antonieta se quer ter outro filho)

Sísifo

Mas por mais que a morte insista

vem a vida e já se infiltra.

A vida se renova em cada fruto

e assim se propaga a eterna luta.

A vida na vida se inaugura

e Sísifo, és eterno, pois, nalgum ventre

outro Sísifo agora se encasula.

A mesma pedra, o mesmo olhar a frente

o Sísifo menino presencia.

E se não fosse a luta, esta criança, o que faria?

“... eu seria a única pessoa do lado de fora com quem você pode conversar. Uma espécie de janela aberta para a realidade. Sua chance de se rebelar contra seu criador, se libertar. Longe de mim você será apenas escravo....”Pág. 278 ( no bar falando com o homem desconhecido acerca de Pirandello)

...”precisava reagir...”Pág. 232 ( decide mandar a empregada embora)

Decisão de recomeçar. Renovação, renascer

Camus acredita que se o homem comum , a semelhança de Sísifo, jogado numa série de tarefas repetidas e exaustivas, for consciente, alcança aquela superioridade sobre seu destino, e por conseguinte será feliz. A lógica absurda manda viver para afirmar que a vida é um grande absurdo. Mantendo o absurdo, rejeitando o suicídio, nos instalamos na revolta e esta através da negação da morte nos traz a liberdade como conquista. Esta idéia "camusiana" de absurdo, nos remeterá então a raciocinarmos sobre a questão do "eterno retorno" de Nietzsche, a qual nos incomoda com a seguinte questão: "Se nos fosse possível repetirmos nossa vida um numero infinito de vezes, cada segundo, um a um, que peso ou que leveza atribuiríamos a estes, como viveríamos nosso ultimo minuto?

“...não posso responsabilizar ninguém pelo destino que me dei. Como único responsável, só eu posso modificá-lo. E vou modificar...”pág. 167 (discutindo com Antonieta, no fim de ano)

...”vou fazer uma limpeza na minha vida...” Pág. 167. (Falando com Tércio, em casa, depois da missa

...”não sei o que há comigo, mas sinto que alguma coisa de importância está acontecendo, não sei... é preciso que eu faca alguma coisa, tome alguma providencia...”Pág. 169 (falando com Térsio)

“... comece enquanto é tempo. Rompa com tudo e com todos.... não blefe. Jogue todas asa cartas na mes. Não fuja. Não tenha medo de perder... nem de morrer... tenha medo é dos escorregões. Não escorregue, caia de uma vez. Os medíocres apenas escorregam. Os bons quebram a cabeça. Você é dos bons. Pois va em frente. Pague seu preço e Deus o ajudará...”Pág. 241 (Toledo falando com Eduardo)

...”deus rejeita os inocentes, não servem para nada. É preciso se perder primeiro para depois se salvar. Antes resistir bastante para que a queda seja completa. Escarrapachar-se no chão, quebrar a cabeça. Pôs-se a rir: este era o privilegio do homem. Um direito, o direito de escolher. Um direito, ouviu? . Pág. 253 ( na frente da mulher numa festa de fim de ano)“... diga ao tal sujeito que o romance dele acabou. Saiu, e respirou com volúpia o ar fresco da madrugada. Ergueu a cabeça e foi andando. Sentia-se estranhamente eufórico, feliz: agora morra tudo! Eu vou começar_ repetia mentalmente.... Pág. 279 (falando com o homem desconhecido)

“... basta olhar para as minhas mãos para sentir que ela ocupam o lugar das mãos de deus....”Pág.280 (sai do bar e reconhece seu deus interior)

“... se lhe posso dar um conselho, é este: não tente apanhar o fruto verde para que ele não apodreça na sua mão...”Pág 282 (falando pro filho do Misael)

“... todos se arranjavam, se acomodavam às exigências da vida, abriam com o corpo sua passagem, iam vivendo. O tempo já não tinha importância, não se contava senão em anos para que se pudesse ver a curva dos dias com mais perspectiva, já convertidos em experiencia. Eis afinal o que Toledo lhe quisera dizer e não conseguira. Numa idade em que os outros mal começam a existir, sem perceber atingia vorazmente a parte mais definitiva de si mesmo. .. Sou quase feliz... pág. 283.

Não gostaríamos de viver cada vez mais e cada vez melhor? Cada vez mais intensamente? Para qualquer homem lúcido a resposta haverá de ser SIM, viver o Máximo possível e o Melhor possível! (Cristiano Goes dos Reis)

... “ tínhamos um encontro”... Pág 284. (fala para Frei Domingos, reconhecendo que o encontro é consigo mesmo)

Finalmente, Eduardo além de tomar a desição de encontrar-se e mudar seu destino, também começa a agir, o que é a segunda parte, a mais importante na realização do destino.

Ser pre-destinado é nascer com o leque de possibilades na mão, usar do livre arbitrio é combinar essas possibilidades.

Manilkara
Enviado por Manilkara em 10/12/2006
Código do texto: T314626
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