PEQUENOS APANHADOS SOBRE POESIA
1.Dizem que a Filosofia é exercício para o cérebro; ensina-nos a pensar, a indagar sobre o real sentido das palavras; habilita-nos a entender muito além da informação, bem como aprofundar no conceito que a sustenta.
2.Já na poesia há quem encontre na simples palavra, poesia, certa flutuação de sentido. No universo literário a poesia é tida como a mais refinada das atividades afins. Quem cultiva as letras cultiva a sede de se inteirar das coisas; são pessoas singulares nos tempos modernos, cultuadoras do intelecto, da força do entendimento; gostam de viajar de maneira intensa e interiorizada, e a isso somente os romances, contos e poesias são capazes de levá-las.
3.Poesia é promessa de prazer: joga com frases, alterna silêncios e é bonita a maneira como vem disposta, graficamente, na página de um livro. Lida em voz alta, seu ritmo visual se torna sonoro, nos traz imaginação e sabedoria combinadas numa só vertigem; distendida ou extensa, trabalha os cinco sentidos. Há inclusive quem defenda que a poesia, por tradição, deva guardada na memória, pois que aí é que ela se desdobra em coisa mental.
4. Para alguns teóricos, toda linguagem tem seu quê de poesia, mas a poesia é onde o quê da linguagem está mais em pauta. Decerto, porque brinca com a linguagem, por enriquecer a possibilidade de sentidos, explorar significativamente coincidências sonoras entre palavras, fabricar identidades por analogia através de imagens ou metáforas, eis alguns exemplos disto: mulher é flor, homem é rocha, amor é fogo, nuvem plaina, pedra é sono...
5. A palavra abrange sentidos que transcendem a linguagem, e nos leva a universos impensáveis até para a proposta inicial do livro e para o propósito da leitura. Em síntese, o sentido que o texto nos traz extrapola o próprio conteúdo do que lemos. A mente de cada um é quem constrói sentidos e imagens, únicos, os quais jamais irão se combinar com o ponto de vista do autor e de outros leitores.
6. Encontramos poesia no cinema, num pequeno gesto, numa nuvem que se dispersa, numa folha que plaina, numa árvore que se desfolha ao vento...
7. A poesia deveria ser popular; deveríamos encontrá-la na boca do povo, porém a poesia da vida é bastante rude; tem mais a ver com realismo que com idealismo; a comunidade leitora pode encontrá-la na fala dos rappers, como encontrava na poesia de Gil e Torquato Neto, em Geleia geral, a “brutalidade jardim” ou nos Quereres de Caetano, “Oh, bruta flor do querer”, mas o “populus” ainda não alcança seus significados, com o olhar social ou político; encontram na fala dos seus poetas apenas arroubos, respirações para as quais não precisam nada encontrar senão recados contra o sistema.
8. Aquilo que consideramos poético não está na vida, mas nas convenções de linguagem, de pensamento e sentimento que nos regem enquanto seres sociais. A realidade, tal como a conhecemos, é produto dinâmico da linguagem, porém a linguagem aplicada jamais será produto da realidade. Este é um princípio filosófico fundamental na civilização moderna.
9. O mundo é um ato de criação poética. Todos nós interferimos neste ato; todavia, só percebemos a existência daquilo que nomeamos ou que interferimos, direta ou indiretamente, seja através da religião, seja como céticos, cientistas, alienados, ou demasiadamente humanos.
10. A capacidade que temos de nos aproximar do poeta é quando interagimos com o seu poema. Quem se digna a amar a poesia torna-se também um pouco poeta, pois aprende a usar a palavra com o requinte que possui.
11. O ato de criação atua sobre a própria linguagem, evoca a existência do mundo implícita naquele seu criador. Drummond escrevia com seu requinte verbal, irônico, Vinicuis buscava o requinte do amor e do bem-estar; João Cabral busca o requinte mais endurecido, do nordestino; eis a pedra.
12. Quem se arvora em ser poeta, ativa a riqueza construída dentro de si mesmo. T. S. Eliot afirmou que a leitura é em si uma experiência de vida. Somos feitos daquilo que vivemos e daquilo que lemos. Eu apanho essa ideia: o poeta ativa aquilo que está adormecido em si mesmo. Cada um constrói o que vive e cada um adiciona ao seu fazer poético o que ele já acondicionou de suas leituras.
13. Manoel Bandeira criou a expressão “poesia desentranhada” para o poema nascido de um detalhe irrisório da realidade, de uma notícia de jornal, ou de uma entrelinha de outra obra/poesia. A intenção de Bandeira e dos modernistas era fugir dos poemas arrumadinhos, versejados, de simplicidade coloquial, próprios dos parnasianos, em prol da poesia verdadeira, essencial, ligada a momentos fugazes, que entrasse mais pela vida deixando de lado a arte cansada, superada.
14. A nova cara da poesia passa a ser esta: instrumento captador; ponto de intensidade no tempo de um flash; focalizadora do detalhe e chave a abrir outra visão do real; focalizar o que está fora da linguagem, construir o inefável, o que não chega a ser dito, mas intuído pela sensação e pelo verso atingindo o sublime, atingindo a grandeza de espirito, da sabedoria elevada, com simplicidade de expressão.