BREGENZ __ O USO DAS PALAVRAS-GAVETA (recursos para narradores )

Olá!

Sol, pra vocês !...

(Bregenz) (Em ) (Vorarberg) é um Símbolo da profunda

Necessidade de transcêndência humana.

É como uma palavra-ônibus___ bem melhor dizendo :uma

palavra-gaveta. Com aberturas múltiplas, contribuindo pa-

ra o todo... cheia de irradiações de uso significativo. Um

convite a aprimorarmos nossos textos com doses de poesi-

a ! ...

Ela, a palavra-gaveta, está no seguinte texto de Kafka,

que passo a analisar.

O texto é verdadeiramente surpreendente !

Busquei a análise na forma de Comentário ( embora co-

nheça algumas técnicas do Estruturalismo !). Acho que o

Comentário é a melhor forma de analisar Obras Artísticas.

Análises "muito" técnicas ( não desprezo a técnica !) aca-

bam fazendo a peça artística um passarinho empalhado :

belas plumagens, olhos brilhantes ( de vidro !), fácil

manuseio...mas...não canta ! ...

Asas fechadas no des-fecho de seu voar !...

Meu Mar tem que ser mais amplo : ver as flores da água.

Circular com as ondas. Arte é Viver !...

O conto reduzido soa como uma Parábola. Ou uma ane-

dota de sabor filosófico.

Seus círculos de significado preparam o surgimento da pa-

lavra. O verso de um narrador é sempre concreto ___ sem-

pre remete para a vida!...

Eis o texto, breve, nietschiano ___primoroso como pou-

cos.

Está em : "Franz Kafka ___oportunidade para um pequeno

desespero" ___ antologia organizada por Nikolaus Heildebach

___ em bela tradução de Renata Dias Munat ___ o organiza-

dor também ilustrou___é um livro bonito que "falará" em qual-

quer estante. Com belas ilustrações, naquele clima sutil, bem

kafkiano. Realmente vale a pena ter, folhear e ler. Livro é coi-

sa "viva". Ah !... é da Martins Fontes, Editora.

BREGENZ

"Ele jazia na cama, gravemente enfermo. O médico estava

sentado ao lado da mesinha que fora empurrada até a cama

e observava o doente, que, por sua vez, olhava para ele.

"___Nenhuma ajuda ___ disse o doente, não como se

perguntasse, mas respondesse.

"O médico abriu um pouco um grande volume de medicina

que estava na borda da mesinha; à distância, olhou furtiva-

mente para dentro dele , fechando o livro:

"___ A ajuda vem de Bregenz.

"E quando o doente apertou os olhos, fatigado, o médico

acrescentou :

" ___Bregenz em Vorarberg.

" ___ É longe ___disse o doente."

Franz Kafka

Franz Kafka nasceu em 1883 (tchecoslováquia ) e faleceu

em 1924, vitimado pela Tuberculose.

A vida toda foi atormentada pelo conflito com o pai. Judeu

emergente no Império Austro-Húngaro, seu pai era um peque-

no empresário sólido e terra-a-terra, pouco afeito às Artes e

aos Sonhos. Na sua condição de "self made man", pouco valor

dava à Arte e à Cultura do Espírito. Kafka, o oposto. Tão sóli-

do em seu Mundo de Sonhos quanto o pai o era no dele. O

conflito foi inevitável. Embora Kafka, homem de pensamento,

compreendesse profundamente seus dramas ( dedicou ao pai

o belo conto "Um Médico Rural " ___uma confissão velada de

relativa admiração e plena compreensão ___ o Médico é

atormentado pela competição em suas funções de Médico de

Aldeia ) isso não lhe amenizou a dor da rejeição.

Kafka, judeu, cultivava, porém, um elegante alemão__cul-

tor de Goethe que era. Os poetas, no decorrer da história,

sempre inspiraram os narradores !...

Uma das coisas importantes em Kafka é que ele contava

as coisa mais Fantásticas com extrema naturalidade. Tão ve-

rossímil que até assustava. Queria nos dizer que estas coisas

acontecem ... e nem todos vêem.Já era uma estrela desenca-

deando as constelações da Alteridade ( veja-se "Noite Es-

trelada" de Van Gogh ___imagem poética de todas as estrelas

___mesmo as que "esquecemos de contar ..." O Mar tem o

brilho eterno da Vida. Isso nos diz no doce fragor de suas on-

das que, pra Deus ___sempre valemos a pena !...

Sua história mais famosa é "A Metamorfose ", em que o

personagem Gregório Samsa, que vivia uma vida social e fami-

liar indigna, se vê certa mnhã transformadao num "monstruo-

so inseto ". Ficou associado a uma Barata, mas Kafka pedira

insistentemente ao Editor : " É uma Metáfora... Por favor,não

me coloque um Inseto na capa !..." ( O que ele temia,

aconteceu !... Lembro de uma piada do Jaguar ___ o cartu-

nista : O Aleijadinho, cinzel nas mãos, lascas, estátuas

esculpidas, falando para os assistentes : "Hoje me chamam

de "O Aleijadinho "... mas a Posteridade me fará justiça !...

São apenas as "linhas cruzadas" da Vida !...

Kafka é muito importante.

Sobretudo para os narradores.

Gabriel Garcia Marques lembra o encanto que foi a desco-

berta de Kafka. Na América Latina, o Realismo, com seu in-

teresse pseudocientífico pela objetividade documental dos

fatos foi muito forte. E ali estava alguém que mostrava o Ho-

mem por dentro, sem os limites do Culto Racionalista, mas

sem perder a Fantasia, primado da Literatura de Ficção ___

longe disso ___até mesmo libertando-a...

( O próprio Machado de Assis teve de fazer um caminho

tangencial, contentando as duas partes, sem renunciar à sua

essência de Escritor !).

Kafka é um dos patronos do Existencialismo. Graças à sua

renúncia àqueles ideais de uma humanidade abstrata, guiada

pela "Razão ".

"Razão" inconsistente que já havia conduzido ao morticínio

de uma Guerra Mundial ___sangrenta como poucas : um Açou-

gue Aberto !

( Porque viria outra ! ).

Faço minhas análise recorrendo ao Desenho. Desenho a Ce-

na.

Não é esnobismo (longe de mim !) ___mas é só uma manei-

ra de dar uma alteridade à crítica ___ fazê-la concreta ___

pois ver, verdadeiramente, é trasnsmitir a luz do olhar à

singularidde do Mundo, trazê-lo mais pra perto de nós com a

força do abraço do olhar interessado.

Por isso "desenho " a Cena, usando dos dons da Semânti-

ca. As linhas unem e falam. A palavra, essa lanterna suficiente

( pelo menos para os escritores... Não ! : acho que pra todos

nós !...)

Usei círculos semânticos para iluminar o texto. Concentrei

na cama do doente ( sugerindo repouso , imobilidade quase

perfeita ) na mesinha perto da cama que o médico utiliza

( sugere transição, uma cômoda par atingir o Mundo ) e no li-

vro ___ que é a Mensagem vinda do Mundo, consultado pelo

médico, furtivamente, de onde surge a palavra-gaveta: Bre-

genz em Vorarberg. Resumo do Homem e de sua situação no

Mundo ( que cabe a nós sempre melhorar ___ sem nenhuma

pieguice !...)

O título é Bregenz . É o doente.

O Ser Humano é o todo, por adição : Bregenz em Vorarberg.

Desenha-se a cena com a seguinte estrutura : Quarto ( de

doente ), cama ( imobilidade ) mesinha ( transição ) Livro ( o

voo do Homem ).

Duas figuras concretizam a cena , que se prolonga até as

regiões do Espírito.

Surge assim um arcabouço, uma pura escultura, continente

e conteúdo das Aspirações Humanas em um mundo degradado,

decaído.

E então o desenho da cena fica assim o paciente, imobili-

zado, a mesinha próxima, plataforma para o mundo, dada pe-

lo Pão que atravessa fronteiras, o médico que abre o livro e

dele tira !...uma palavra-gaveta : Cheia de indicações : Bre-

genz em Voraberg.

Bregenz em Vorarberg atua como um todo. Um algo único.

É, mesmo, uma palavra-gaveta. Cheia de sugestões, o míni-

mo que tenta ( acho mesmo que diz ) __tudo. E gavetas, to-

dos o sabemos, quado se abrem são...mágicas !... das gave-

tinhas ____ onde se guardam poucos documentos,às gaveto-

nas ___ que cabem tudo. Gavetas de mulheres, acho então

que são as "coisas com alma ". E as então gavetas de

crianças ?"... Um verdadeiro microcosmo ! Tem de tudo, nes-

sa sede de Conhecer o Mundo e vivê-lo em primeira instância

que caracteriza o azul da Alma-Criança !... ( Na do meu sobri-

nho Vitor, tenho até medo de mexer ___ é tão "funda" que

ultrapassa o Centro da Terra. Me assusto, pensando em, ao

tirar a mão, virem, agarrados e juntos, alguns japoneses. Ou

achar no final dela o Fim-do-Mundo !... Ninguém, acho, em

sã consciência que ver ou viver o Fim do Mundo !...).

Pois esta é uma verdadeira palavra-gaveta.

Senão, vejamos :

Por sugestão Bregenz lembra gens, gente, genes, na par-

te final. O ser humano. Mas este não é um ser humano classe

A ( Argenz ) ___ é um ser decaído, degradado. Um ser B

___Bregenz. Um ser com uma pedra ___ além de degradado

tem um obstáculo, um "r" corrosivo que particulariza sua situ-

ação enferma, tão bem retratada. A gaveta ,então, mostra

o perfume de seus compartimentos simbólicos : a condição

humana geral, o seu obstáculo ( "no meio do caminho tinha

uma pedra ...uma pedra... no meio o caminho tinha uma pe-

dra !) e sua filiação específica, por gentileza vindo por último.

Já Vorarberg sugere a sede de Vida. Rima com Voraz ___

Voracidade e sugere ainda Veracidade. Uma gaveta dentro

da outra ___tal linda "babuska" essencial. ( "Babuskas" são

bonequinhas russas que cabem umas por dentro das outras! ).

Berg é nitidamente Burg ___Burgo ___Cidade ___Nossa habita-

ção no Cosmos.

Esse uso é uma verdadeira marchetaria com pérola de bri-

lho infinito.

Numa perspectiva kantiana Bregenz em Vorarberg seria o

fenômeno em suas emanações da "coisa em si " humana __

sempre um Mistério ( Veja-se : "De onde Viemos, quem So-

mos, para onde Vamos /...____ Paul Gauguin ___Pintura __

dando colorido a esta Cena!...)

O uso de palavras-gaveta em uma narrativa dá a ela pin-

celadas líricas de duradouro efeito.É um farol para as narrati-

vas. Procuro usá-las ___das pequenas ___uma só palavra __

às longas e grandiosas___ as que têm, digamos ,um "instinto

épico" ! Capaz de sugerir a grandiosidade da aventura huma-

na!...

Sem querer apequenar a legítima ansiedade filosófica de

Franz Kafka,que nos ilumina em luz permanente, nos doura,

acho, em luz duradoura, me ocorre, agora, que em nossos

tempos mais sorridentes, talvez alguém se lembrasse de in-

ventar um outro final ___bem contemporâneo !...

Quando ele disesse, fatigado, triste, ___ é longe ___ o

doutor lhe diria, sorrindo :

___Que nada !... Hoje, com a Internet, Bregenz em Vorar-

berg ...é logo ali !...

Olha só, Gente ,a responsabilidade da Internet !...

NOTA:

Este estudo está dedicado não só aos narradores, mas aos

médicos, em geral. Os bons médicos que no dizer de uma fran-

queza pura de Machado de Assis ( "Esaú e Jacó") que até

assustava : fala ele dos médicos, com simpatia e gentileza:

" que nos ajudam a bem viver_ e a bem morrer! "... Não poderia

deixar de lembrar de um que "é" um símbolo: Moacir Scliar , de

quem os brasileiros terão sempre saudades !

Sunny

Conforto é algo inestimável !

Abraços solares !

Até!

Jorge Sunny
Enviado por Jorge Sunny em 21/05/2011
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