TEATRO DE RUA POR CARMEN FOSSARI
TEATRO DE RUA
Por Carmen Fossari
A HISTÓRIA DO PALCO— é a HISTÓRIA DA RUA e a história
da rua é a história da luta pela liberdade!O processo do homem em sua luta constante pela,liberdade e construções de seus sonhos individuais e coletivos perpassa ao teatro várias possibilidades de gêneros, estilos, especialmente ao
espaço cênico seja ele num edifício teatral ou,em
alguma praça ou rua.
Tendo surgido das procissões dionisíacas nos rituais que homenageavam DIONISO, a dramaturgia desenvolvida, no Teatro Grego,estava ligada a mitologia,que era presente como entidade religiosa e onírica daquele povo. Os Mitos, como base aos textos teatrais escritos, e a identidade com os temas, era de tal forma reconhecida por cada cidadão do público, que , este teatro , podemos afirmar “cantou a sua tribo”, Vale registrarmos os tragediógrafos Esquilo, Sófocles e Eurípides, além do comediógrafo Aristófanes.
Dos palcos ou ao ar livre o teatro, em seu processo - e que , por mimese ou por
sua negação – passou a se abrigar em edifícios próprios, fechados.Estas duas possibilidades do fazer teatral,podem refletir momentos históricos diferenciados.
Assim nas cidades/estados da Grécia antiga, coube à elite dos nobres, administradores da "democracia escravagista", gerenciar e fomentar o
teatro nascido nas procissões em honra a DIONISO. Surge o teatro de palco circular,ao ar livre ,com capacidade para até 30.000 pessoas, incrustado em
montanhas, a sonoridade da voz dos atores contava com o uso de grandes máscaras com orifícios, formato de cones, onde a voz reverberava.
Este espaço cênico, Teatro de ARENA, utilizado para os festivais teatrais por
verdadeiras multidões conseguia, cantar "sua tribo" e assim fazer
emergir as relações sociais ali presentes quer pela mitologia ou
pelo questionamento desta, como o fez, sabiamente Eurípides.
Em oposição a este grande Teatro ao ar Livre, vamos repensar, um teatro de dimensões modestas, mas extremamente rico em sua necessidade de uma arte
que possa humanizar as urbes contemporâneas.
Após o nascimento e desenvolvimento na Grécia, no Império Romano, o teatro
sofreu um revés ao seu desenvolvimento.
Se na Grécia , havia o teatro acontecendo em espaços de amplidão, capazes de abrigarem o coletivo ao ar livre, passou agora por transformações.Primeiro que a dramaturgia diminuta,exceção ao Terêncio e Plauto,os teatros tinham uso para atividades outra que não para os poetas e dramaturgos .Além de teatros menores, foi acrescentado atrás da cena do coro construções para apoiarem os elencos, e também algumas cenas representadas.
No período de transição entre o Teatro Grego e Romano, os ATORES POPULARES, quais sejam aqueles não reconhecidos oficialmente, começaram, uma trajetória, de se apresentarem em feiras livres, campos, estas apresentações estavam ligadas ao cômico, com o uso de máscaras, denominadas estas apresentações de FARSAS ATELANAS.
Na Idade Média, o teatro através de mimos irreverentes retorna à cena ao ar livre em conseqüência confronta-se com uma Igreja irada, a propagar o cristianismo. A Igreja censurou os artistas populares, livres, pagãos, que perambulavam sua arte mambembe em carroções de vila em vila.
Toda atividade teatral Mambembe,foi proibida sob a ameaça de seus artistas serem excomungados.A Igreja, tenta trazer para os seus pátios e adros os atores mambembes para representarem cenas da vida de anjos e santos.Daí nasceram os Ciclos Pascais , da Natividade, etc... e deste momento surgiram os Presépios.
O Atores Mambembes recebiam pagamento para representarem um teatro
Evangelizador, Sacro, e podiam ainda, com os salários recebidos viverem com mais dignidade. Deixavam seus temas livres, para os textos encomendados...
Parece que até hoje a História se perpetua. Só que não é mais a Igreja e sim a mass mídia quem compra o passe de liberdade dos atores e atrizes. Ao proibir a atividade teatral,dita pagã, e ao impor sua ideologia através de cenas teatrais ao ar livre, a Igreja com astúcia reconhecia, a força do teatro ao ar livre .
O Renascimento traz duas marcantes possibilidades teatrais, a primeira é o florescimento de uma dramaturgia e a segunda é a possibilidade do teatro existir sem o texto teatral.
A influência das grandes descobertas, que impulsionaram o colonialismo europeu além mar, aliada a então emergente noção de Estado com suas respectivas delimitações geográficas presentificam no teatro o surgimento de uma plêiade de grandes dramaturgos, e, todos eles a "apregoarem" os grandes feitos de Heróis dos então Estados recém constituídos. Ressurgem as Tragédias, só que aqui, neste momento, não para cantar a sua "tribo", mas, sim pela necessidade de impregnar ao povo noções de identidades próprias.Esta dramaturgia todavia, por apreender as contradições das relações políticas e sociais ali emergentes perpassa aos dias de hoje como um profícuo período de surgimento de dramaturgos .
As representações teatrais ocorriam num edifício fechado: o palco italiano ou ainda o izabelino
A outra possibilidade teatral, surgiu no segundo momento do Renascimento.Vai abdicar da dramaturgia e de forma popular, em espaços abertos, sobre carroções e estrados (de fácil montagem e transporte) cantará sua "tribo”. Através de personagens, aos quais os atores especializavam-se ao longo de suas vidas Zanni:Arlequim, Scaramouche, o intelectual Grazziano, o Rico Pantalonne,
O Capitão,a Innamorata, etc..) e seguindo roteiros pré-estabelecidos, a Comédia Deli'Arte conseguirá ser gênero e estilo.Fará reviver a grande força de
um teatro que organicamente mistura-se ao suor, risos e lágrimas das
populações a margem da produção cultural das elites.
Com o teatro Shakespereano (palco izabelino), parece que a dicotomia da
cena mais livre, ao ar livre, e da cena em recintos e palcos demarcados parece, em parte, ser superada. O Palco elisabetano, ou izabelino, ao avançar na platéia, e mesmo por formação de sua platéia, eminentemente
popular, aproximava duas vertentes de uma dicotomia: atores e público próximos.
Repensarmos o desenvolvimento do espetáculo teatral possibilita percebermos as inúmeras possibilidades da cena teatral. Os espaços possíveis do Teatro poder existir ou não!
A experiência do ser humano é rica e plural e o teatro sendo a arte que
mais se aproxima da complexidade inerente ao ser humano deverá ser Livre, para acontecer da forma como o desejam seus atores e seu público, seja ao ar livre seja em espaços fechados.
O desenvolvimento tecnológico, acentuado neste século, lega ao teatro, realizado nos palcos, e mesmo ao ar livre, possibilidades até tridimensionais de construir espetáculos cênicos na
intensidade ilusória /ótica de sonhos coletivos, ou melhor, em muitos
momentos é o teatro hoje uma verdadeira "casa dos sonhos”. Negar esta possibilidade concreta de utilizar a tecnologia a serviço
da arte é insensatez, ocorre porém que todo o aparato e novas técnicas estão centrados em mãos distantes das camadas populares,e muitas vezes os produtores de teatro se vêem impossibilitados de ao exercerem sua profissão, poderem experimentar outros espaços,repetindo-se o uso dos espaços ofíciais.
Para solucionar este acesso a arte teatral, ou seja, ampliar a possibilidade de fazer do teatro um momento do "canto da Tribo”, a solução seria o Teatro de RUA?Diria que sim, e diria que não.
Que não,porque a história do homem também é a luta pela liberdade, então neste caso ter acesso aos bens culturais e ampliar as condições de trabalhadores, etc. terem oportunidades de comodamente freqüentarem as casas de espetáculos. Assistirem ao teatro sentados, como o fazem a média de um por cento da população brasileira que assiste teatro nas casas oficiais de Teatro.
Este é um direito que deve ser perseguido, impossível negar o palco com suas possibilidades técnicas, necessário é superar a "prisão" econômica a qual ele vem sendo submetido, como a maior e irreparável censura ao povo!De outra forma, também diria que sim, o Teatro de Rua em toda sua história jamais esteve preso em ciladas econômicas e, nunca deixou de "cantar a sua tribo". Se, os acessos aos salões fechados, ou as casas de teatro foram e (infelizmente) ainda, o são oportunidade rara para poucos, coube ao artista de Rua, Mambembe desenvolver junto a camadas da população marginalizadas do acesso ao saber (artístico inclusive) sua arte. Assim o ATOR popular buscou no seu corpo e sua voz a sedução que a técnica não lhe respaldou. Ele acrescentou o corpo ágil, a dança, o canto, a improvisação, a vida presente com seus temas quentinhos para um teatro capaz de seduzir uma platéia que irá usualmente assistir seu espetáculo de pé.
Desta forma, ele especializou-se na expressão corporal: acrobacias, a mimese pelo gesto, (Pantomimas e mimos), expressão vocal voz projetada ao ar livre,
longe e (também sua musicalidade, os menestréis), sua habilidade
de interpretação através da improvisação... e
acima de tudo, aprendeu a trazer as emoções humanas no riso, tão difícil de
se obter nas casas fechadas do teatro, ou mesmo nas tristezas de
seus heróis ambulantes, anônimos como suas vidas tão fecundas do
desejo e compromisso com a liberdade!
A Rua é o local aonde podem convergir todas as contradições da "tribo" cantada, mesmo que esta tribo, como no Brasil hoje,esteja
fragmentada em categorias sociais hierarquizadas
Desta forma então, o prioritário é fazer teatro de
rua? Absolutamente não. Todas as possibilidades do fazer teatral são fundamentais a experiência humana que é plural. Tanto
nos edifícios fechados como nas ruas todo fazer teatral é necessário,
e urgente !
O TEATRO DE RUA acontece, em espaço público, diante de uma sociedade
estratificada, mas, diante do "DRAMA" humano, no riso ou no choro no palco da rua, momentaneamente, o público,se estiver “armado” em forma circular, “uma mandala humana” se transforma numa única categoria social.Na Roda formada com pessoas de todas as categorias econômicas, encontramos a UTOPIA, de uma sociedade sem diferentes classes sociais.Esta , sem dúvida a grande MAGIA DO TEATRO DE RUA.
A,formação,desta,platéia é ao plano do onírico um prenuncio do ser coletivo, ali instaurado na magia do momento de arte,uma celebração de uma comunidade - que pára para ver cantada a sua tribo.
Elemento de comunicação, capaz de confrontar-se,sem
qualquer aparato de sustentação de grandes orçamentos alicerçado unicamente
na força dos atores e atrizes.
O TEATRO DE RUA, reconheçemos é de fato imprescindível, num mundo comandado por comunicações ligadas o força do Capital, é mais do que evidentemente, irá apoiar apenas uma arte sem comprometimento humano profundo, priorizará o entretenimento puro e simples, mas no teatro até o riso é mais profundo!
Apenas a força humana e a delicadeza da arte, mesmo no seu mais elevado grau de histrionismo, terão esta comunicação com o alvo do teatro: o público, o povo, a alma humana coletiva.
Acesso,de passagem. caminhos percorridos no dia a dia de trabalhadores, miseráveis, executivos, liberais, párias, estudantes, desocupados, bêbados, crianças abandonadas, na rua todos caminham e páram diante da arena teatral possível, impregnada de personagens teatrais para torná-la humana;
dessacralizar espaços possíveis à realização da arte.Eis aqui, por
estes aspectos, a importância absoluta do Teatro de Rua.
O ator ao trabalhar na Rua, redescobre outras necessidades de colocação de seu corpo, de sua voz. A cena, preferencialmente deverá acontecer de forma circular - arena, para que o público centre as energias. Ao ator, a tarefa lhe incumbe ser um alquimista do gesto, herdeiro dos Mambembes na agilidade
corporal e na generosidade de não espelhar-se em personagens sejam os heróis ou anti-heróis. Representá-los e representar com o apelo próprio da rua, não há a possibilidade de concentração, não há os camarim para a maquiagem, nem os bastidores, tudo é ritual. Tudo é momentâneo desde agregar ao público, vestir-se nas personagens, maquiar, interpretar, tudo com a dimensão do onírico de um ritual eminentemente humano. Tudo é realizado entre as pessoas,ao ar livre. Este ator, esta atriz, trabalhadores também de palco, quando na Rua, são além de ator atriz, ativistas sociais, deverão estar conscientes de sua função social e serem capazes de realizar improvisações,imprescindíveis na Rua. Incorporar na comunicação os elementos capazes
de harmonizarem as culturas das etnias diferenciadas, das estratificações sociais presentes no público.Sem dúvida, o ator na Rua executa o exercício da cidadania (no palco também, evidentemente), com a particularidade de ao trabalhar com um público heterogêneo as reações serão sempre uma surpresa, pois o público tanto poderá apenas assistir, como interferir na cena. Consciente ou inconsciente, haverá sempre um bêbado, querendo também interferir, haverá sempre um fato
inesperado, alguém do público a se sentir dentro do palco rua. A concepção do trabalho de rua, pode resultar tanto das camadas populares,espontaneamente, como é o caso dos vendedores ambulantes a demonstrarem seus produtos na rua,atores autodidatas espontâneos ou ser resultante de uma opção política
inequívoca, de resgatar a função social da arte - cantar sua
tribo l ( e contribuir para a sua transformação).
FIM.