Nosso idioma pátrio

Prólogo:

Esta introdução é apenas um pano de fundo como introito para o meu devaneio e ensinamentos que julgo pertinentes.

Em uma bela manhã de sol Henrique passeava com sua cadela Jade e seu fiel companheiro Hulk. Na trilha por onde caminhavam os andarilhos tudo eram paz, luz e esplendor na natureza. Eles seguiam devagar para melhor apreciarem a paisagem.

A larga via por onde caminhavam conduzia ao bosque da esperança onde bem próximo havia um rio pouco profundo cujas margens ciliares escondiam perigos iminentes.

Em dado instante os companheiros (Jade e Hulk) do caminheiro sem motivo aparente pararam de caminhar e emitiam grunhidos como resmungos incontidos.

De olho nos transeuntes e um nutrido jerimum que o eterno aprendiz e autodidata Henrique conduzia às costas, a jiboia não viu a jia que, sob um tufo de capim-limão tremia feito vara verde.

O período acima contém três palavras (jerimum - jiboia - jia) que causam dúvidas no momento da escrita. Isso me fez lembrar um leitor curioso que fez certa ocasião, a seguinte indagação:

“Por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo lhe, ainda que transitivos indiretos?”.

Antes de responder a essa indagação quero comentar a trivialidade existente no finalzinho da frase em comento: “tremia feito vara verde”. Explico que aqui a palavra “feito” é uma conjunção e significa: “tal qual” ou “como”.

Claro que sendo uma conjunção é invariável e por isso tanto faz eu escrever: “O sapo tremia feito vara verde” como “A jia tremia feito vara verde”... Ou ainda: “O homem tremia feito vara verde” ou “A mulher tremia feito vara verde”.

“Feito” é invariável em gênero, número e grau! E muita atenção: jirimum, jibóia e jia escrevem-se com “J” e não com “G” como supõem alguns menos desavisados e/ou desinteressados em consultar um dicionário.

AQUI CABE UMA OBSERVAÇÃO OPORTUNA, MAS É CLARO QUE AS GRAMÁTICAS MODERNAS JÁ TRAZEM ESTES ENSINAMENTOS:

O novo acordo que entrou em vigor em 1° de janeiro de 2009 visa unificar a ortografia dos países de língua portuguesa com o intuito de aproximar nações, sendo que muitos ainda possuem muitas dúvidas referentes às mudanças ocorridas, e para facilitar sua compreensão.

Não é demais enfatizar que: O Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa vigora desde janeiro de 2009. A partir daí as atuais grafias serão aceitas como corretas, no Brasil até dezembro de 2012. Veja o que mudou para com o acento agudo:

Este sumiu das palavras da língua portuguesa em, três casos, sendo nos ditongos – encontro de duas vogais em uma só sílaba – abertos “ei” e “oi” das palavras paroxítonas, como nos exemplos abaixo:

-Assembléia: Assembleia (perdeu o acento)

-Heróico: heroico (perdeu o cento)

-Ideia: ideia (perdeu o cento)

-Jibóia: jiboia (perdeu o cento)

Entretanto, as palavras paroxítonas (palavras que possuem acento na última sílaba) e os monossílabos tônicos que terminam em “éi”, “eu” e “oi” permanecem com o acento, tanto no singular quanto no plural, como heróis (s), chapéus (s), ilhéu (s), dói, céu e anéis. No segundo caso, isto é, para com as palavras paroxítonas com “u’ ou “i” tônicos que fazem parte de um hiato (vogais sequenciais que fazem parte sílabas diferentes) com a vogal anterior quando esta faz parte de um ditongo, como nos exemplos abaixo:

Baiúca: baiuca (perdeu o cento)

Boiúna: boiuna (perdeu o cento)

Feiúra: feiura (perdeu o cento)

Entretanto, as letras “u” e “i” permanecem com o acento em caso de hiato, mas se estiverem sozinhas ou seguidas de “s”, como baú, saída (s), baús. Para com as palavras oxítonas ocorre as mesmas condições descritas logo acima, isto é, o acento permanece, como por exemplo, Piauí e tuiuiú.

No terceiro caso, as formas verbais que possuem o acento tônico na raiz, com o ‘u’ tônico procedido das letras “q” ou “g” e ainda, seguido da “e” ou “i”, sendo que estes são poucos frequentes na língua portuguesa, como nos exemplos abaixo:

-Argúis: arguis (perdeu o cento)

-Argúem: arguem (perdeu o cento)

-Redargúis: redarguis (perdeu o cento)

-Redargúem: redarguem (perdeu o cento)

-Averigúem: averiguem (perdeu o cento)

-Apazigúem: apaziguem (perdeu o cento)

-Obliqúem: obliquem (perdeu o cento)

Tenho um doce de amiga que faz uma confusão tremenda entre “Se” e “Si”. Claro que falando estas palavras NÃO SE percebem diferenças, mas o português dela, EM SI, é ótimo, só que sendo demasiada simples e displicente ela comete o absurdo de trocar uma expressão pela outra sempre que deveria se referir ao SE quando conjunção condicional.

Exemplo: "Se você explicar o caminho, vou sozinha.". Ah! Ela também não consegue distinguir a mesma expressão quando conjunção causal ou temporal. Exemplos: 1. "Se alguns têm dúvidas, é melhor adiarmos a prova." (Conjunção causal) e, 2. "Se nada fala, todos reclamam sua opinião." (Conjunção temporal).

Nos exemplos citados ela, minha notável e fofa amiga, sem nenhuma cerimônia, tasca (do verbo tascar) um “SI”, inadvertidamente, e faz um samba de crioulo doido gramatical que pouca gente consegue entender ou explicar.

Outra crudelíssima dúvida que essa linda, encantadora e graciosa amiga tem é quanto o emprego do “que” ou “quem”... Senão vejamos: "Fui eu que fiz o bolo da Cecília" ou "Fui eu quem fez o bolo da Cecília"?

Ora, se eu ficar aqui escrevendo ou tentando ensinar o que todas as boas gramáticas ensinam este texto não terá mais fim. Mesmo assim farei um resumo sobre esta questão:

Fui eu que fiz o fuzil disparar na direção certa.

Nesse caso, temos que o pronome relativo “que” se caracteriza como sujeito da oração, logo não há possibilidade de o verbo concordar com ele. Assim sendo, o verbo é remetido ao antecedente do pronome, que, no caso, é representado pelo pronome pessoal “eu” e com ele concorda em número (singular/plural) e em pessoa (1ª/2ª/3ª). Portanto, “eu fiz”. Atemo-nos a outros exemplos:

Foi ele que te ajudou a resolver o problema das tias Luzia e Ceiça.

Fui eu que te conduzi à sala de espera com ar-condicionado.

Vejamos, pois, esse outro exemplo:

Fui eu quem trouxe a encomenda ansiosamente esperada pela tia Antônia.

Nessa ocorrência, temos que o sujeito agora é representado pelo pronome “quem”. Assim sendo, o verbo deverá permanecer na terceira pessoa do singular. É o que nos demonstram outros exemplos, manifestados por:

Fomos nós quem convidou você para a reunião da diretoria.

São eles quem irá presidir a palestra sobre o dia das mães.

Fui eu quem recitou o poema durante a aula vespertina.

Fui eu quem fez a pesquisa, semelhante ao último exemplo, também está correto.

Frente a tais pressupostos, desvendamos a evidente indagação.

Brincadeiras, incentivos e exemplos à parte... Agora quero comentar e explicar a pergunta do leitor curioso: “Por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo lhe, ainda que transitivos indiretos?”.

Ora, quanto aos pronomes pessoais oblíquos átonos, uma primeira regra a ser fixada é que o, a, os e as funcionam como objetos diretos, enquanto os pronomes lhes e lhes servem para funcionar como objetos indiretos.

Exs.: I) "O juiz sentenciou o caso"; II) "O juiz sentenciou-o"; III) "O documento pertence aos autos"; IV) "O documento pertence-lhe". Nem todos os verbos transitivos indiretos, contudo, permitem que seus objetos indiretos sejam substituídos por lhe.

Assim, o verbo assistir, no significado de presenciar, ver, é transitivo indireto, pede a preposição a e não admite lhe como complemento. Exs.: a) "O estagiário Eduardo assiste a vários debates e audiências"; b) "O estagiário Eduardo assiste-lhes" (errado); c) "A estagiária Conceição assiste a eles" (correto).

Para Laudelino Freire, "na língua portuguesa existem verbos cujos complementos indiretos são representados pela forma a ele em lugar de lhe. Isto ocorre, entre outros, com assistir (estar presente), aspirar (desejar), recorrer(pedir auxílio), que, recusando a forma lhe, têm os seus objetos indiretos expressos pela forma a ele".

1 Exs.: a) "O estagiário Eduardo aspirava ao cargo"; b) "O estagiário aspirava-lhe" (errado); c) "O estagiário aspirava a ele" (correto); d) "Naquele hora, recorreu a Deus"; e) "Naquela hora, recorreu-lhe" (errado); f) "Naquela hora, recorreu a ele" (correto).

Além da discriminação do ilustre gramático, outros verbos transitivos diretos repelem os pronomes lhe e lhes, de modo que são construídos com as formas preposicionadas: aludir, depender, referir-se.

Exs.: a) "Aludi ao autor"; b) "Aludi-lhe" (errado); c) "Aludi a ele" (correto); d) "Dependo da lei"; e) "Dependo-lhe" (errado); f) "Dependo dela" (correto); g) "Referi-me a Deus"; h) "Referi-me-lhe" (errado); i) "Referi-me a ele" (correto).

Os gramáticos não trazem as razões históricas para esse modo peculiar de construção de alguns verbos. Nem precisariam fazê-lo, assim como não precisam justificar o motivo de um determinado verbo ser hoje transitivo direto e outro, transitivo indireto.

Às vezes, os verbos são sinônimos, mas apresentam diferentes transitividades. Em verdade, a função primordial da Gramática não é fixar regras impositivas de cima para baixo, mas sistematizar os fatos e as condutas que encontra na língua como manifestação.

E as peculiaridades que tomam certas construções numa ou noutra direção nem sempre se submetem a regras preestabelecidas.

Agora o estudante acomodado pensa (pensa?), regouga ou diz entre risos como cantiga de escárnio maldizente: "Ah! Isso é tão complicado de aprender... Mesmo estudando feito um louco tal qual o autodidata Henrique jamais saberei se existe alguma diferença entre as expressões "quede", "quedê" e "cadê".".

Não. Não existem diferenças entre as palavras: "quede", "quedê" e "cadê". São expressões interrogativas que significam: Que é de? Onde está? Num contexto você saberá qual melhor expressão deva se adaptar ao que pretenda dizer ou informar.

Não concordo com essa desídia ou acomodação de quem quer que seja, mas, enfim, como escrevi há algum tempo: "... é mais cômodo e menos sofrido não estudar absolutamente nada e vegetar nas vielas obscuras da ignorância danosa." - (Texto: "Por que não é fácil estudar Direito?").

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES DE REFERÊNCIAS:

– Nova Gramática do Português Contemporâneo – Celso Cunha e Luis F. Lindley Cintra – 5ª Edição – Editora Lexikon;

– Gramatigalhas;

– Minhas Notas de aulas;

– Site: http://www.portugues.com.br/