PERSONAGENS NO CONTO E NA CRÔNICA
Maximo Gorki em Como Aprendi a Escrever (página 75), afirma: A arte da criação literária, a arte de forjar personagens e tipos existe imaginação, intuição, habilidade para “compor coisas” nos quadros da mente.
Gorki considera que é possível escrever ficção, descrever, por exemplo, um tipo de comerciante ou de operário retratando uma pessoa que o autor conhece, mas que para aumentar a amplitude e profundidade, um escritor deve conhecer vinte cinqüenta ou cem comerciante ou operários, traçar seus perfis, costumes, crenças, atitudes, expressão e depois, sintetizar todas as características em um personagem.
No momento de trabalhar a história é preciso fugir do lugar comum. A inversão, a substituição de um elemento pelo seu contrário, dá ao conto o sabor do inesperado.
O personagem não precisa ser simples, lembremos de Tartufe disfarçado de devoto, o diabo, de criança, o jovem príncipe de mendigo – atitudes estranhas de um personagem ou o equívoco de suas ações pode dar vida à obra de ficção.
Seres humanos são contraditórios, por que os personagens não poderiam também mostrar contradições entre palavras e ações? Ou contradições internas, por exemplo, entre o dever e o desejo. O orador pode ministrar uma palestra emocionante sobre o problemas dos ciúmes, porém terminado a palestra brilhante pode sentir ciúmes da esposa. O médico pode fazer um belo discurso sobre a necessidade de parar de fumar e, terminada a palestra, acender um cigarro. Um homem pode desejar ser amável, mas fala agressivamente quando é contrariado. O gerente tenta se controlar, mas quando não encontra o relatório tem um acesso de raiva.
O trabalho de personagem deve ser intenso. Um personagem é um revelador de uma faceta do homem. Máximo Gorki (página 91) dizia que “um escritor só poderá criar vivos retratos de pessoas típicas se possuir bem desenvolvido o poder de observação, a capacidade de encontrar semelhanças e descobrir diferenças e se está disposto a aprender, a prender e aprender.”
A crônica trabalha o personagem como espelho. A crônica tira as vestes das pessoas, as ajuda a entender a própria subjetividade, a rirem de si mesmas e do mundo. Faz lembrar de um personagem da mitologia asteca chamado Texcatlipoca, o senhor do espelho fumegante. Tezcatlipoca vestido como um homem simples chega ao palácio de Quetzalcoatl dizendo que tem um presente especial. Quetzalcoatl o recebe e quanto pergunta pelo presente o visitante lhe mostra um espelho. Quetzalcoatl fica admirado e desesperado ao mesmo tempo e pergunta: Todos me vêm desse jeito. O visitante disse que sim. Quetzalcoatl, triste, confessa que ele não sabia que era tão feio, que ele não se conhecia até ver-se refletido nesse espelho.
O cronista, muitas vezes, é como um novo Tezcatlipoca, o senhor do espelho. De fininho, de maneira simples, aproxima o leitor de um espelho para possa ver o próprio rosto. Aquele rosto cheio de marcas de raiva, de dúvidas, com algum sulco de inveja, com instintos que lembram aquele conceito freudiano de que em todo homem existe um canibal, ainda que nem sempre ele se manifesta.
Esse conceito do personagem como um de ficção no qual nos espelhamos nos faz entender a posição de Platão e Aristóteles. Eles entendiam que os protagonistas deveriam ser virtuosos para servirem de exemplo aos homens.
Assunto também abordado em “O Livro do Escritor”, da editora Instituto Memória, de Curitiba.