O PRAZER DA LEITURA (palestra)
“A leitura inaugura-se no coração. Os olhos são apenas um detalhe.” (José de Castro)
“Oh! Bendito o que semeia livros... livros à mão cheia... e manda o povo pensar.” (Castro Alves)
José de Castro*
O homem já nasce condenado à leitura, costuma dizer Bartolomeu Campos de Queirós, escritor mineiro laureado com vários prêmios, nacionais e internacionais. Isso significa que a criança, assim que nasce, já começa a ler: faz a leitura da voz da mãe; “lê” o cheiro do leite materno; faz a leitura tátil do quentinho de suas roupas, de suas cobertas. Lê as luzes do berçário. Enfim, ela inaugura a sua vida lendo o mundo que a cerca, para descobri-lo aos poucos. E segue pela vida, lendo o mundo, uma leitura que precede à leitura da palavra, como dizia Paulo Freire, o nosso saudoso educador. Assim, o prazer de ler propriamente dito poderá ou não aparecer na vida de alguém, mais cedo ou mais tarde. Isso vai depender de uma série de fatores, dentre eles os estímulos, os incentivos ou as oportunidades que a criança, o adolescente ou o adulto vão ter no transcurso de sua vida. Por exemplo, na escola, o incentivo à leitura pode ser feito pelos professores, principalmente por aqueles que já foram “mordidos” pelo bichinho da leitura e que são apaixonados pelos livros e pelo que fazem. Esses têm mais condições de “seduzirem” seus alunos para essa viagem pelo mundo das letras.
Outra questão: nem todas as pessoas têm ambientes propícios à leitura. Alguns já nasceram dentro de verdadeiras bibliotecas. Outros, nem tanto. Eu mesmo nasci em um lar sem livros (a bem da verdade, tinha só a Bíblia, único livro permitido pelo meu pai). Tive que recorrer às bibliotecas públicas e às bibliotecas volantes (aquelas que visitam periodicamente os bairros cadastrando leitores e fazendo empréstimos). Essa possibilidade foi decisiva para o meu acesso aos livros e me ajudou a aprimorar o gosto pela leitura. Além do mais, desconfio que existam heranças que algumas pessoas já trazem inatas, como uma espécie de predisposição à leitura. Para algumas correntes esotéricas ou espiritualistas, tais tendências teriam origem em heranças de vidas passadas, o que se localiza no campo das crenças. Para outros, seriam condições genéticas, incluídas nas informações do DNA. De qualquer forma, tudo é muito misterioso e existem mais incertezas do que se imagina. Vejam só: filhos de mesmos pais, do mesmo sangue, criados num mesmo ambiente onde existem livros, crianças que costumam ver os pais lendo, reagem de maneira totalmente diversificada ao gosto pela leitura, sem uma explicação lógica. Noutras, palavras, o ambiente ajuda, mas não é inteiramente definidor do gosto ou não pelo ato de ler. Existem outros fatores que também entram nesse jogo da leitura. Por exemplo, o mundo da internet e dos videogames: MSN, Orkut, Sonico, Counter-Strike (CS), Second Life, Google, Recanto das Letras, Usina das Palavras, os blogs, os sites e milhares de outras formas de interação virtual contemporâneas precisam também ser consideradas como elementos importantes para a formação de leitores/escritores. Pois grande parte da interação ainda é feita pela velha palavra de guerra, ferramenta predominante e básica também no mundo virtual. Tem gente, ainda, que prefere ler os chamados e-books (livros eletrônicos) e prefere também a escrita e a publicação eletrônicas. Então, existem muito mais mistérios do que certezas no campo do que contribui para despertar ou não o interesse de alguém pelos livros, pela leitura e pela escrita. Em resumo, vai depender de vários fatores como predisposição, ambiente propício, necessidade, motivação (que é sempre interna), objetivo de vida, consciência da importância da leitura para a sua formação e para o seu lazer. E tudo isso ainda depende do grau de interesse na busca para se encontrar o livro certo na hora exata. Os livros precisam conter desafios que encantem os diferentes segmentos de leitores, sejam crianças, jovens ou adultos. Precisam falar a linguagem de cada um deles. É preciso que haja humor e alegria na escrita. Os livros têm que ser contemporâneos à temática que circula no mundo. E, se houvessem professores e professoras dispostos a mostrar aos alunos que os clássicos são fundamentais para a compreensão do mundo atual, pois quase tudo o que se precisa está presente nessas obras, haveria, com certeza, muito mais prazer em se descobrir “velhos novos valores éticos”, que desvendam o mundo moderno sob os olhos de esfinges, górgonas, sereias, centauros, amazonas, duendes, elfos e toda uma gama de seres mitológicos, sejam gregos, nórdicos ou romanos que povoam o imaginário do nosso dia-a-dia, de maneira fascinante. Tolkien (O Senhor dos Anéis) e Rowling (Harry Potter) que o digam. Relembrando também a nossa excelente safra de escritores brasileiros como Monteiro Lobato, Cecília Meireles, Sylvia Orthof, Marina Colasanti, Elias José, Leo Cunha, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga, Ruth Rocha, Roseana Murray, José Paulo Paes, Sérgio Caparelli, Mario Quintana, Ziraldo e tantos outros que nem caberiam aqui nesse curto espaço de texto, para ficar apenas no campo da literatura infanto-juvenil. Não é à toa que temos dois laureados com o prêmio Hans Christian Andersen, uma espécie de Nobel da literatura infantil: Ana Maria Machado e Lygia Bojunga. É interessante também relembrar o excelente nível dos nossos ilustradores como Eva Furnari, Flavio Fargas, Ângela Lago, André Neves e Elma Neves, Roger Mello, Mariaângela Haddad, Marilda Castanha, Luiz Maia, Claudia Schatamacchia, Eliardo França, dentre tantos outros, alguns de renome internacional. Felizmente a nossa literatura infanto-juvenil vai muito bem, obrigado. E a cada dia surgem novos talentos. Dessa forma, fica um pouco mais fácil o incentivo às nossas crianças e aos nossos jovens à aventura prazerosa da leitura.
Mas entremos agora um pouco mais na questão do livro em si. Existem outras varáveis intervenientes que podem contribuir para o prazer da leitura. Um livro pode atrair pela beleza gráfica, pela qualidade da impressão, pelas ilustrações, mas, fundamentalmente precisa ter um algo mais que é dado pela sua própria qualidade textual, pelo jeito com que o autor concretiza o tema enfocado, na singularidade ou na leveza, na exatidão, na multiplicidade, na rapidez, na visibilidade ou na consistência das palavras utilizadas, como diria Italo Calvino, em suas jamais proferidas conferências Norton. Acrescente-se a essas qualidades estéticas um elemento fundamental: o livro precisa ter a capacidade de falar diretamente à alma e ao coração do leitor, pela sua correspondência ou significado na vida dele. Um livro torna-se interessante a partir do momento em que ele consegue tocar o coração do leitor, estabelecendo uma ponte de cumplicidade, constituindo-se como a fala de um velho amigo, como a de um bom contador de “causos” ou de histórias. Ou no ritmo, na cadência, na precisão dos poemas e na sonoridade das palavras, despertando emoções, fabricando sonhos e reinventando o mundo, num jogo de imaginação e fantasia. Não há como resistir a livros assim. O prazer é imediato. A sedução é completa. A viagem é garantida. Portanto, o segredo é democratizar ao máximo o acesso a livros dessa qualidade ao maior número de pessoas que for possível. Fazê-los correr o mundo e estarem disponíveis à leitura. Existe um movimento denominado “Livros ao vento” destinado a fazer os livros chegarem gratuitamente às pessoas. Além disso, existe um site - BookCrossing – que traz um serviço gratuito para que você possa abandonar um livro para ser encontrado por qualquer pessoa em qualquer lugar e, ainda assim, saber onde o volume está. As pessoas lêem os livros e os deixam em qualquer lugar público para que sejam encontrados e lidos e depois deixados novamente noutro lugar. E dessa forma vão se propagando pelo mundo. Quem encontra o livro assume o compromisso de abandoná-lo novamente assim que o ler, registrando no site o local e o dia em que fez isso.
Você pode pensar em outras alternativas de divulgação dos bons livros, pois eles se equiparam ao pólen das flores que fecunda o universo, tornando-o mais pródigo, mais bonito e mais colorido. Metaforicamente, livros podem ser comparados a flores que enfeitam, colorem e perfumam a nossa vida. Cultivemo-los, pois, com toda a dedicação e com o máximo de carinho que eles merecem. Nunca é demais relembrar a clássica frase de Lobato: “um país se faz com homens e livros”. E você, pai, mãe, professor ou professora, todos nós temos uma grande parcela de responsabilidade nesse processo. Comecemos por nós mesmos. Sejamos bons leitores, sejamos um exemplo. O resto virá como conseqüência.
Lembremo-nos sempre: há livros que são singulares, únicos, mágicos e eternos. Esses têm o poder de influenciar gerações e gerações através de todos os tempos. Livros assim são os tesouros que precisam ser encontrados e partilhados com todos. Garimpemos, pois. E vamos descobrir e trilhar novos caminhos que nos conduzam ao mundo da fantasia, que nos transforma novamente em crianças que se divertem, que brincam, que se perdem e que ao mesmo tempo se acham no labirinto mágico do prazer da leitura.
(Natal/RN, Setembro/2008)
*Palestra proferida no Seminário Potiguar “Prazer em Ler”, promovido pelos Institutos C&A e IDE, no dia 26/09/2008, na mesa redonda “Impressões do escritor de literatura sobre o processo de formação do leitor”.
MINI-BIOGRAFIA
(José de Castro, autor de livro de humor para adultos – Quem brinca em serviço – Sebo Vermelho/Natal – e de livros de poemas para crianças – A Marreca de Rebeca (Paulus/SP), A cozinha da Maria Farinha (Paulinas/SP), Poemares (Dimensão/BH), O Mundo em Minhas Mãos (Bagaço/RECIFE), dentre outros); participação nas 5 antologias literárias da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte/SPVA/RN). Ministra oficinas de criatividade e imaginação para pessoas interessadas no desenvolvimento da leitura e da escrita, seja prosa ou poesia. É Cônsul da Poesia de Parnamirim pelo Movimento Poetas Del Mundo.
Site onde publica:
http://www.recantodasletras.com.br/autores/josedecastro
Blog: http://balaioliterario2.blogspot.com
Contatos:
e-mail: jdecastro@digi.com.br
MSN: jde_castro@hotmail.com
http://twitter.com/josedecastro9
LEITURAS RECOMENDADAS:
BOJUNGA, Lygia. A bolsa amarela. Rio de Janeiro: Agir, 2000.
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CAPARELLI, Sérgio. 111 poemas para crianças. Porto Alegre: L&PM, 2003
CASTRO, José. A Marreca de Rebeca e outros poemas. (ilust. Eliardo França). São Paulo: Paulus: 2002.
____________Quem brinca em serviço (textos de humor). (ilust. Ivan Cabral) Natal: Sebo Vermelho, 2003.
____________A Cozinha da Maria Farinha. (ilust. Elma Neves) São Paulo: Paulinas, 2007.
____________O mundo em minhas mãos. (ilustr. Miguel Peres e Auxiliadora Menezes) Recife: Bagaço, 2005.
____________Poemares. (ilustr. Flavio Fargas) Belo Horizonte: Dimensão, 2007.
COLASANTI, Marina. Doze reis e a moça no labirinto do vento. São Paulo: Global, 2001.
CUNHA, Leo. O sabiá e a girafa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
___________Em boca fechada não entra estrela. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas. Porto Alegre: L&PM, 2006.
GOMES, Adriano. A voz que vem de longe (o contador de histórias na formação do leitor). Mossoró: Fundação Vingt-un Rosado, 2003.
JOSÉ, Elias. O jogo da fantasia. São Paulo: Paulus, 2001.
LAGO, Ângela. Tampinha. São Paulo: Moderna, 1994.
LIMA, Diógenes da Cunha. O livro das respostas (em face do Libro de las preguntas de Pablo Neruda). Rio de Janeiro: Lidador, 2002.
LONDON, Jack. O apelo da selva. São Paulo: Abril Cultural, 1981.
MACHADO, Ana Maria. Brincadeira de sombra. São Paulo: Global, 2002.
MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
MURRAY, Roseana. Fruta no ponto. São Paulo: FTD, 1992.
NASCIMENTO, Alex. A última estação. Natal: Fundação José Augusto, 1998.
NEVES, André. A caligrafia de Dona Sofia. São Paulo: Paulinas, 2007.
NUNES, Max. Uma pulga na camisola (O máximo de Max Nunes). São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
ORTHOF, Sylvia. Fada Fofa em Paris. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.
PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Editora Ática, 1990.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. O olho de vidro do meu avô.
__________________________¬¬_Ciganos. Belo Horizonte: Miguilim, 1996.
QUINTANA, Mario. Lili inventa o mundo. São Paulo: Global, 2005.
RODARI, Gianni. A gramática da fantasia. São Paulo: Summus, 1982.
SHAKESPEARE, William. A megera domada. Porto Alegre: L&PM, 2007.
SISTO, Celso. Vó que faz poema. Belo Horizonte: Santa Clara, 2000.
______________Verde ver meu pai. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
SMITH, Frank. Leitura significativa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
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ZIRALDO. Menino do rio doce. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996.