História Concisa Da Literatura Brasileira - Fichamento
Bosi, Alfredo, História Concisa da Literatura Brasileira, p.11 a 19
Literatura e situação
O problema das origens da nossa literatura não pode formular-se em termos de Europa, onde foi a maturação das grandes nações modernas que condicionou toda a história cultural, mas nos mesmos termos das outras literaturas americanas, isto é, a partir da afirmação de um complexo colonial de vida e de pensamento.
Nos primeiros séculos, os ciclos de ocupação e de exploração formaram ilhas sociais (Bahia, Pernambuco, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo), que deram à colônia a fisionomia de um arquipélago cultural. E não só no facies geográfico: as ilhas devem ser vistas também na dimensão temporal, momentos sucessivos que foram do nosso passado desde o século XVI até a Independência.
Textos de informação
Dos textos de origem portuguesa merecem destaque:
a) a Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel, referindo o descobrimento de uma nova terra e as primeiras impressões da natureza e do aborígene;
b) o Diário de Navegação de Pero Lopes e Sousa, escrivão do primeiro grupo colonizador, o de Martim Afonso de Sousa (1530)
c) o Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil de Pero Magalhães Gândavo (1576);
d) a Narrativa Epistolar e os Tratados da Terra e da Gente do Brasil do jesuíta Fernão Cardim (a primeira certamente de 1583);
e) o Tratado Descritivo do Brasil de Gabriel Soares de Sousa (1587);
f) os Diálogos das Grandezas do Brasil de Ambrósio Fernandes Brandão (1618)
g) as Cartas dos missionários jesuítas escritas nos dois primeiros séculos da catequese(3)
h) o Diálogo sobre a Conversão dos Gentios do Pe. Manuel da Nóbrega;
i) a História do Brasil de Fr. Vicente do Salvador (1627).
A Carta de Caminha
O que para a nossa história significou uma autêntica certidão de nascimento, a Carta de Caminha a D. Manuel, dando notícia da terra achada, insere-se em um gênero copiosamente representado durante o século XV em Portugal e Espanha: a literatura de viagens(4). Espírito observador, ingenuidade (no sentido de um realismo sem pregas) e uma transparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo missionário de uma cristandade ainda medieval: eis os caracteres que saltam à primeira leitura da Carta e dão sua medida como documento histórico.
(3) Há volumes antológicos preparados pelo Pe. Serafim Leite S.J.: Cartas Jesuíticas, 3 vols., Rio, 1933; Novas Cartas Jesuíticas, S. Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1940. V. Também: Nóbrega – Cartas do Brasil e Mais Escritos, ed. Org. Por Serafim Leite, Coimbra, 1953.
(4) Duas boas edições do documento são: A Carta de P.V. de Caminha, com um estudo de Jayme Cortesão, Rio, Rios de Portugal, 1943, e A Carta, estudo crítico de J.F. de Almeida Prado; texto e glossário de Maria Beatriz Nizza da Silva, Rio, Agir, 1965.
Gândavo
Quanto a Pero de Magalhães Gândavo, português, de origem flamenga (o nome deriva de Gand), professor de Humanidades e amigo de Camões, devem-se-lhe os primeiros informes sistemáticos sobre o Brasil. A sua estada aqui parece ter coincidido com o governo de Mem de Sá.
O “Tratado” de Gabriel Soares
Quanto a Gabriel Soares de Sousa (1540?-1591), a crítica histórica tem apontado o seu Tratado Descritivo do Brasil em 1585 como a fonte mais rica de informações sobre a colônia no século XVI.
Notícias de Varnhagen sobre o autor dão-no como português, senhor de engenho e vereador na Câmara da Bahia, onde registrou suas observações durante os dezessete anos em que lá morou (1567-1584). Tendo herdado do irmão um roteiro de minas de prata que se encontrariam junto às vertentes do Rio São Francisco, foi à Espanha pedir uma carta-régia que lhe concedesse o direito de capitanear uma entrada pelos sertões mineiros; obteve-a, mas a expedição malogrou, vindo ele a perecer em 1591.
A informação dos jesuítas
Paralelamente à crônica leiga, aparece a dos jesuítas, tão rica de informações e com um plus de intenção pedagógica e moral. Os nomes mais significativos do século XVI são os de Manuel da Nóbrega e Fernão Cardim, merecendo um lugar à parte, pela relevância literária, o de José de Anchieta.
De Nóbrega, além do epistolário, cujo valor histórico não se faz mister encarecer, temos o Diálogo sobre a Conversão do Gentio (1558?), documento notável pelo equilíbrio com que o sensato jesuíta apresentava os aspectos “negativos” e “positivos” do índio, do ponto de vista da sua abertura à conversão.
Anchieta
Há um Anchieta diligente anotador dos sucessos de uma vida acidentada de apóstolo e mestre; para conhece-lo precisamos ler as Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões que a Academia Brasileira de Letras publicou em 1933. Mas é o Anchieta poeta e dramaturgo que interessa ao estudioso da incipiente literatura colonial. E se os seus autos são definitivamente pastorais (no sentido eclesial da palavra), destinados à edificação do índio e do branco em certas cerimônias litúrgicas (Auto Representado na Festa de São Lourenço, Na Vila de Vitória e Na Visitação de Sta. Isabel), o mesmo não ocorre com os seus poemas que valem em si mesmos como estruturas literárias.