O DIÁLOGO ENTRE OS TEXTOS
"Originalidade não é nada senão uma imitação prudente. Os mais originais escritores pegaram emprestado uns dos outros." (Voltaire)
Voltaire, em parte, tem razão. Nenhum texto é inteiramente original. Cada texto é uma transformação de outros textos. Nestas alturas, você já deve estar se perguntando: Por quê? Por um motivo muito simples: nenhum texto se produz no vazio ou se origina do nada; ao contrário, alimenta-se, de modo claro ou subentendido de outros textos.
Assim, um texto diferente, em todos os sentidos, não seria entendido porque o escritor estaria produzindo algo do nada, fora de sua cultura e de sua sociedade. É do que já leu e viveu que o escritor escreve. E são essas referências que ele toma como ponto de partida para seu texto. Quem, ao falar, nunca usou um provérbio, as palavras de outra pessoa, ou mesmo a frase de um autor famoso? Pois é, isso nos dá o entendimento que podemos retomar textos conhecidos e, a partir deles, conceber outros.
Agora você já deve estar com uma dúvida muito séria: ora, então originalidade não vale nada? Tanto faz que um texto seja uma imitação ou criação?
Não é bem isso. Repare: nenhum texto é inteiramente original, mas cada um tem a sua dose de originalidade – ligada ao momento em que vivemos; ao que queremos dizer e a nossa maneira particular de dizer -, podendo ser em grau maior ou menor. Se for menor o texto será um tanto convencional, e até mesmo banal. Se ao contrário, for maior, teremos algo renovador, criativo e, com toda certeza, superior. No entanto, não podemos dizer que os textos que se baseiam em outros, ou repetem algumas idéias de outros, sejam inferiores. Algumas vezes a referência a outros textos é necessária, às vezes chega mesmo a ser inevitável.
Repare, por exemplo, na linguagem jornalística. As referências a outros textos ocorrem com freqüência. A maioria das matérias jornalísticas faz o relato de algum fato ocorrido e, nesse relato, muitas vezes se faz necessário reproduzirem idéias ou frases de determinadas pessoas.
Quando os textos se cruzam, por qualquer motivo, ou mais especificamente, reproduzem, integralmente, ou fazem referência, de passagem, a textos escritos por outras pessoas, estão estabelecendo um diálogo com o original, que chamamos de Intertextualidade.
Há várias formas de Intertextualidade (referências textuais), ou seja, os textos podem dialogar entre si de diversas maneiras. Citemos, por exemplo, a paródia que é a inversão de um texto de modo a produzir efeitos críticos e/ou humorísticos. Outra maneira é através da paráfrase que se constitui na reprodução de um texto original, através das palavras daquele que reproduz. Você poderia, neste caso, escrever um texto, contando, o que, por exemplo, Drummond diz na estrofe de um de seus poemas. Ao fazê-lo, você estaria parafraseando o texto de Drummond.
Há ainda outra forma muito usada de diálogo entre textos que é a epígrafe. São pequenas citações que precedem textos literários, ou mesmos livros inteiros, e que reproduzem pensamentos, idéias e sentimentos de outras pessoas, que se aproximam das idéias a serem desenvolvidas pelo texto. Exatamente como fiz no início deste. Através da epígrafe anunciei o que vai ser tratado no texto, além de servir de reforço e apoio ao meu texto.
“A literatura moderna é repleta de diálogos entre os textos. Cada vez mais os autores reforçam e apóiam suas idéias e sentimentos na idéia e sentimentos dos outros. Algumas vezes este diálogo é tão fechado, que só podemos entender uma obra se conhecermos o texto que está por detrás dela e as relações que se estabelecem entre os dois.” (Graça Paulino)
Mas tome cuidado no uso de provérbios e ditos populares em seu texto ou discurso; muitos deles de tão conhecidos e ditos, acabam tornando-se chavões, esvaziados de sua força expressiva original.
Na literatura brasileira temos um exemplo significativo de intertextualidade. O poeta romântico Gonçalves Dias escreveu, em meados do século XIX, a famosa «Canção do Exílio»; desde essa época, vários outros poetas dialogaram com esse texto, ou melhor, produziram intertextos, ou por simples imitação, ou para repensar o poema de Gonçalves Dias:
“Minha terá tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.” (G. Dias)
“Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!” (Casimiro de Abreu)
“Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar.” (O. de Andrade)
“Minha terra não tem palmeiras...” (M. Quintana)
Um sabiá
Na palmeira, longe.” (Drummond)
"Minha terra tem Palmeiras,
Corinthians e outros times...” (Eduardo Alves da Costa)
Recorrer a texto alheio, como fizemos no parágrafo acima, tem a finalidade de expor com maior precisão um determinado conceito ou de sustentar nossa posição com a voz de uma autoridade no assunto.
Finalmente, podemos dizer que esse processo de relação entre os textos é um poderoso recurso de produção e apreensão de significados, pois um texto completa outro, lança luz sobre outro.
Esse conhecimento, porém, não se dá por acaso nem por obra da intuição, mas com uma prática bastante específica: o exercício da leitura. Quanto mais se lê e bem, mais possibilidades se têm de compreender os caminhos percorridos por um determinado autor em sua produção e, da mesma forma, terá possibilidades de produzir seus próprios caminhos em suas criações.
Mesmo pegando idéias uns dos outros, como diz Voltaire, muitos escritores, não inteiramente originais, fizeram de seus textos verdadeiras obras de arte. ®Sérgio
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Ajudaram na elaboração deste texto:
Graça Paulino – Literatura, participação e prazer: novo estudo das formas e estilos literários.
Ernani Terra & José Nicola – Literatura e Produção de textos.
Se você encontrar erros (inclusive de português), por favor, me informe.
Agradeço a leitura do texto e, antecipadamente, quaisquer comentários.