Compondo ficção para público adulto.
Este é um texto especulativo, ainda não tenho conhecimento suficiente para estabelecer que as afirmativas abaixo são verdades. Muito do que coloco, só hoje me dei conta, portanto, talvez nem tenha usado nos meus livros ou textos já publicados. Explicado isto, sinto-me à vontade para produzir estas reminiscências.
Ter foco - eu acho que precisa se ter foco no que se quer comunicar. Ter foco não impede que a história permeie por dados históricos, descrição de lugares, pensamentos filosóficos e coisas assim, mas obriga que estas coisas entrem de forma bem justificada com as personagens ou com o contexto do momento que se narra.
Transmitir saberes - para um público adulto, quando se define que não se está escrevendo autoajuda, é muito chato parágrafos ou diálogos que dão na cara que se está querendo convencer o leitor, isto é chato. Um dia uma pessoa me escreveu, para análise de um livro: eu quero que as pessoas aprendam a viver através dos meus livros, em qualquer tempo ou em qualquer situação, em qualquer contexto. Eu respondi: não tenho então condição de julgar uma obra dessa, não tenho tanta vivência para saber se todos os seus conselhos são apropriados, o que você quer é escrever uma bíblia. E veja, mesmo na parte que o próprio Cristo escreveu, ele usou parábolas e não um texto: faça isso, meu filho. Há anos, eu li muito autoajuda, espírita, gosto do Roberto Shinyashiki, a fase boa do autoajuda já passou, na minha opinião. Embora o Comer, rezar e amar esteja fazendo um bom sucesso. Boas histórias, exemplos de vida, ensinam sem precisar dar nenhum conselho, o homem é um ser inteligente, ele mesmo faz essas ligações e é essa a graça da leitura, cada um fazer as ligações e entendimentos com a bagagem que traz e não o escritor ficar forçando o leitor a carregar a sua bagagem, cada um com a sua cruz. Isto é uma opinião minha, ficção tem que ter uma boa história, enredo, mistério, passar por todas ou algumas paixões humanas e se isso ao final ensina algo ou não, problema do leitor, da obra, do momento, de qualquer um, menos do escritor. Um texto cai no gosto público em cada época de um jeito, difícil querer estabelecer valores eternos e tenho certeza que se alguns livros entraram neste seleto rol, é porque no momento da concepção não havia este anseio, foi algo desprendido, comprometido só com os fatos da história em si.
Definir o narrador - esta é a parte mais importante, a partir desta definição, todo o resto acontece ou não, em termos do bom desenvolvimento do enredo. Tenho a impressão que colocar o texto na primeira pessoa, torna a história mais envolvente, do que o narrador oculto, por exemplo. Este exercício também obriga que o escritor trabalhe mais nas frases e situações, adequando-as ao perfil da personagem. Colocar a narrativa na primeira pessoa, impõe ao escritor, um mergulho mais profundo na alma do personagem, os diálogos fluem mais realistas, o sofrimento, alegria, sentimentos ficam mais envolventes, de quebra, mais possibilidades de identificação do leitor com os protagonistas.
A ordem cronológica - um fato depois o outro, certinhos, é mais fácil. Mas não colabora tanto para criar a expectativa no leitor. Se o personagem abre a história morto ou a morrer, fazendo reminiscência, cria uma curiosidade bem maior. Isto é só um exemplo, outras técnicas podem causar isto também. Escrever na ordem cronológica não é ruim, apenas, me parece mais preguiçoso, pode ser que daqui a algum tempo, eu mude de ideia sobre isso.
Medo de falar, de contar - neste quesito, cada autor sabe de si. Cada fato contado numa história faz o leitor nos vir com aquela velha pergunta: Isso você inventou? Sonhou? Ouviu dizer? E cada um de nós, escritores, lidamos de uma forma para responder a esta pergunta. E confesso que para sair dessa situação, que às vezes é uma saia justa, eu recomendo mentir ou omitir para o leitor, se necessário, a resposta verdadeira para esta questãozinha famigerada que nos persegue. Mas nunca, jamais, sendo fatídica e exibicionista, coíbam os fatos da trama. Se o autor sente que a cena é esta, que o fim é este, que estes fatos aconteceram naquela história, tira o pé do freio e bota as palavras que descrevem exatamente o que ocorreu, ocorre, ou foi imaginado, ou sonhado, vivido. Enfim, coragem, escritores! Se nós que vivemos para escrever, tivermos medo das palavras, quem fará o nosso ofício de contar as histórias a contento? Toda história é verdadeira para os seus personagens, devemos respeitá-los. Eles fizeram as escolhas que criaram os fatos, episódios da trama, é aquela questão do livre-arbítrio, Deus usou, funciona.
Qual é o mistério da história, cadê o drama? - o que obriga o leitor a ir até o final da história que se está contando? Qual é o drama? Às vezes não há, mas então, porque não há? O autor precisa contextualizar isto, a falta de drama é um drama. Quem existe sem drama? Os personagens precisam de um drama para vivenciar, deixemos que vivam seus dramas até sangrarem, e os leitores vão rir e chorar, isso trará a emoção. Sem emoção, para que a arte?
Problemas gramáticos comuns de romancistas principiantes - os meus eram os vocativos, não gosto de colocar tantas vírgulas, mas é regra. Outro problema difícil de superar e que às vezes ainda escorrego é a vírgula entre o sujeito e o verbo. Não em frases simples, claro. Mas em sentenças interligadas que exercem estes papéis. Isto requer muita atenção: nunca pôr a vírgula entre o sujeito e o verbo.
Os dois últimos livros que eu li, A mulher que escreveu a bíblia e Manual da paixão solitária, ambos do Moacyr Scliar, dão um show de técnicas. Podemos ir e vir do tempo mais remoto aos dias atuais pela construção harmoniosa da narrativa, sem perder um passo destas viagens no tempo e sem sequer querer respirar. Se ainda não leram, leiam, principalmente A mulher que escreveu a bíblia – uma história que devassa e cutuca quase todas as nossas paixões.
Acho que é isso, até a próxima.
Este é um texto especulativo, ainda não tenho conhecimento suficiente para estabelecer que as afirmativas abaixo são verdades. Muito do que coloco, só hoje me dei conta, portanto, talvez nem tenha usado nos meus livros ou textos já publicados. Explicado isto, sinto-me à vontade para produzir estas reminiscências.
Ter foco - eu acho que precisa se ter foco no que se quer comunicar. Ter foco não impede que a história permeie por dados históricos, descrição de lugares, pensamentos filosóficos e coisas assim, mas obriga que estas coisas entrem de forma bem justificada com as personagens ou com o contexto do momento que se narra.
Transmitir saberes - para um público adulto, quando se define que não se está escrevendo autoajuda, é muito chato parágrafos ou diálogos que dão na cara que se está querendo convencer o leitor, isto é chato. Um dia uma pessoa me escreveu, para análise de um livro: eu quero que as pessoas aprendam a viver através dos meus livros, em qualquer tempo ou em qualquer situação, em qualquer contexto. Eu respondi: não tenho então condição de julgar uma obra dessa, não tenho tanta vivência para saber se todos os seus conselhos são apropriados, o que você quer é escrever uma bíblia. E veja, mesmo na parte que o próprio Cristo escreveu, ele usou parábolas e não um texto: faça isso, meu filho. Há anos, eu li muito autoajuda, espírita, gosto do Roberto Shinyashiki, a fase boa do autoajuda já passou, na minha opinião. Embora o Comer, rezar e amar esteja fazendo um bom sucesso. Boas histórias, exemplos de vida, ensinam sem precisar dar nenhum conselho, o homem é um ser inteligente, ele mesmo faz essas ligações e é essa a graça da leitura, cada um fazer as ligações e entendimentos com a bagagem que traz e não o escritor ficar forçando o leitor a carregar a sua bagagem, cada um com a sua cruz. Isto é uma opinião minha, ficção tem que ter uma boa história, enredo, mistério, passar por todas ou algumas paixões humanas e se isso ao final ensina algo ou não, problema do leitor, da obra, do momento, de qualquer um, menos do escritor. Um texto cai no gosto público em cada época de um jeito, difícil querer estabelecer valores eternos e tenho certeza que se alguns livros entraram neste seleto rol, é porque no momento da concepção não havia este anseio, foi algo desprendido, comprometido só com os fatos da história em si.
Definir o narrador - esta é a parte mais importante, a partir desta definição, todo o resto acontece ou não, em termos do bom desenvolvimento do enredo. Tenho a impressão que colocar o texto na primeira pessoa, torna a história mais envolvente, do que o narrador oculto, por exemplo. Este exercício também obriga que o escritor trabalhe mais nas frases e situações, adequando-as ao perfil da personagem. Colocar a narrativa na primeira pessoa, impõe ao escritor, um mergulho mais profundo na alma do personagem, os diálogos fluem mais realistas, o sofrimento, alegria, sentimentos ficam mais envolventes, de quebra, mais possibilidades de identificação do leitor com os protagonistas.
A ordem cronológica - um fato depois o outro, certinhos, é mais fácil. Mas não colabora tanto para criar a expectativa no leitor. Se o personagem abre a história morto ou a morrer, fazendo reminiscência, cria uma curiosidade bem maior. Isto é só um exemplo, outras técnicas podem causar isto também. Escrever na ordem cronológica não é ruim, apenas, me parece mais preguiçoso, pode ser que daqui a algum tempo, eu mude de ideia sobre isso.
Medo de falar, de contar - neste quesito, cada autor sabe de si. Cada fato contado numa história faz o leitor nos vir com aquela velha pergunta: Isso você inventou? Sonhou? Ouviu dizer? E cada um de nós, escritores, lidamos de uma forma para responder a esta pergunta. E confesso que para sair dessa situação, que às vezes é uma saia justa, eu recomendo mentir ou omitir para o leitor, se necessário, a resposta verdadeira para esta questãozinha famigerada que nos persegue. Mas nunca, jamais, sendo fatídica e exibicionista, coíbam os fatos da trama. Se o autor sente que a cena é esta, que o fim é este, que estes fatos aconteceram naquela história, tira o pé do freio e bota as palavras que descrevem exatamente o que ocorreu, ocorre, ou foi imaginado, ou sonhado, vivido. Enfim, coragem, escritores! Se nós que vivemos para escrever, tivermos medo das palavras, quem fará o nosso ofício de contar as histórias a contento? Toda história é verdadeira para os seus personagens, devemos respeitá-los. Eles fizeram as escolhas que criaram os fatos, episódios da trama, é aquela questão do livre-arbítrio, Deus usou, funciona.
Qual é o mistério da história, cadê o drama? - o que obriga o leitor a ir até o final da história que se está contando? Qual é o drama? Às vezes não há, mas então, porque não há? O autor precisa contextualizar isto, a falta de drama é um drama. Quem existe sem drama? Os personagens precisam de um drama para vivenciar, deixemos que vivam seus dramas até sangrarem, e os leitores vão rir e chorar, isso trará a emoção. Sem emoção, para que a arte?
Problemas gramáticos comuns de romancistas principiantes - os meus eram os vocativos, não gosto de colocar tantas vírgulas, mas é regra. Outro problema difícil de superar e que às vezes ainda escorrego é a vírgula entre o sujeito e o verbo. Não em frases simples, claro. Mas em sentenças interligadas que exercem estes papéis. Isto requer muita atenção: nunca pôr a vírgula entre o sujeito e o verbo.
Os dois últimos livros que eu li, A mulher que escreveu a bíblia e Manual da paixão solitária, ambos do Moacyr Scliar, dão um show de técnicas. Podemos ir e vir do tempo mais remoto aos dias atuais pela construção harmoniosa da narrativa, sem perder um passo destas viagens no tempo e sem sequer querer respirar. Se ainda não leram, leiam, principalmente A mulher que escreveu a bíblia – uma história que devassa e cutuca quase todas as nossas paixões.
Acho que é isso, até a próxima.