Fronteiras do Microconto
A classificação de microconto ainda apresenta algumas divergências.
Para alguns poderia ser um texto em prosa com até três parágrafos.
Outros o estendem até duas ou três laudas.
Os mais rigorosos consideram que não pode ultrapassar 50 caracteres.
Mas, o que importa é o tom. Deve despertar uma cascata de associações, um verdadeiro “insight” do real, dependendo da bagagem do leitor, tudo em poucas palavras.
Sendo rápido, costuma-se descrevê-lo como um soco no Box, um cruzado na ponta do queixo. Que não seja tão surpreendente quanto o nocaute do Maguila. Nesse sentido, há semelhanças com o hai-kai.
Alguns vêem semelhanças com um slogan de propaganda, tipo:
Plante que o João garante. (anúncio institucional da ditadura, gov. João Figueiredo).
Brasil ame-o, ou deixe-o. (adesivo da década de 70).
Todo o poder aos sovietes. (Palavra de ordem, Rússia, 1917).
Liberdade, igualdade, fraternidade, (Palavra de ordem, França, 1789).
Só esso dá ao seu carro o máximo. (anúncio, década de 70).
Ponha um tigre no seu carro. (idem)
Ao sucesso, com Hollywood. (Idem, American Tobacco)
Todos são iguais perante o capitalismo. Basta ter dinheiro. (idem, Banco Halles, falido).
O tempo passa, o tempo voa, e a poupança Bamerindus continua numa boa. (idem, Bamerindus, quebrado).
Os bons humoristas são fonte perene de microcontos:
Entre sem bater. (Barão de Itararé, após ter sido espancado por direitistas).
Nessa vida tudo é passageiro, menos o condutor e o motorneiro. (Barão de Itararé)
Uma imagem vale mais do que mil palavras. Experimente dizer isso sem palavras. (Millôr Fernandes).
Isoladas de seu contexto, frases conhecidas se transformam em poderosos microcontos, para quem possui a bagagem da criação original, porque despertam a memória da mesma.
Nonada. Tiros que o senhor ouviu não foram de briga de homem. (J. Guimarães Rosa)
A marquesa saiu ‘às cinco horas. (J. Cortazar)
O sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão. (G. Rocha).
Não tive filhos. Não deixei a ninguém o legado da nossa miséria. (M. de Assis)
O primeiro, e mais famoso micro conto:
Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá. (O dinossauro, A. Monterroso, 1959).
Tentei, um pouco, e consegui:
Dá-me um beijo... Um dia ainda vamos rir disso tudo, mocréia. (O desejo, J. Levin, hoje).
“Passa a grana, perdeu!” Olhou. Abriu o sinal, afundou no pedal... Bum. (O semáforo, J. Levin, hoje)
Como me recuso a contar sílabas em versos, acho que também não saberei respeitar os limites do microconto. Mas, procuremos manter o espírito dele. Poucas palavras, despertar de encadeamentos de idéias e de emoções, desfecho não necessariamente surpreendente.
Nota:
1. Consultar www.cronopios.com.br, onde há um bom artigo de Eliana Pougy.
2. Caso o Recanto resolva colocar limites ao microconto, sugiro uma página de Word, em espaço 1.