Renato Russo: Análise semântica e estilítica das suas letras.

Análise Semântica e Estilística das Letras de Renato Russo.

Para entendermos melhor, conceituarei Semântica e Estilística.

Semântica: é a parte da gramática que estuda os aspectos relacionados ao SENTIDO de palavras e enunciados.

Estilística: refere-se ao estilo empregado no texto, geralmente poético. As figuras de linguagem (Metáfora, metonímia, antítese, paradoxo etc...), são bastante empregadas como recursos estilísticos.

1965 – (Duas Tribos)

Letra: Renato Russo – Álbum: As Quatro Estações - 1989.

Vou passar, quero ver

Volta aqui, vem você

Como foi, nem sentiu

Se era falso, ou fevereiro

Temos paz, temos tempo

Chegou a hora e agora é aqui

Cortaram meus braços

Cortaram minhas mãos

Cortaram minhas pernas

Num dia de verão

Num dia de verão

Num dia de verão

Podia ser meu pai

Podia ser meu irmão

Não se esqueça, temos sorte

E agora é aqui

Quando querem transformar

Dignidade em doença

Quando querem transformar

Inteligência em traição

Quando querem transformar

Estupidez em recompensa

Quando querem transformar

Esperança em maldição

É o bem contra o mal

E você de que lado está?

Estou do lado do bem

E você de que lado está?

Estou do lado do bem

Com a luz e com os anjos

Mataram um menino

Tinha arma de verdade

Tinha arma nenhuma

Tinha arma de brinquedo

Eu tenho um autorama

Eu tenho Hanna-Barbera

Eu tenho pêra, uva e maçã

Eu tenho Guanabara

E modelos Revell

O Brasil é o país do futuro

O Brasil é o país do futuro

O Brasil é o país do futuro

O Brasil é o país

Em toda e qualquer situação

Eu quero tudo Pra cima

Pra cima

Pra cima

O título: 1965 – (Duas Tribos)

1965, refere-se ao 2º ano da ditadura militar (golpe militar de 1964), onde os militares fecharam as “portas” do país, tomaram o poder e cassaram os direitos políticos de inúmeros brasileiros, dentre eles artistas, políticos e estudantes.

(Duas Tribos), Os civis e eles militares, divisão entre o “Verde-oliva” e o “Paisano”, tribos opostas, o verde (exército) e o vermelho (comunista).

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1º momento: A Confusão

Vou passar, quero ver

Volta aqui, vem você

Como foi, nem sentiu

Se era falso, ou fevereiro

Temos paz, temos tempo

Chegou a hora e agora é aqui

Nestes versos observemos como se deu o golpe militar de 64, os militares nunca conseguiram explicar com clareza seus feitos, os reais motivos de tomarem o poder, passaram a idéias de “algo cinza”, se confundiram tentando explicar o inexplicável. Vou passar, quero ver (passar o que? Ver o que?) Como foi, nem sentiu, Se era falso ou fevereiro, aqui se observa a real confusão do dito golpe, é “verdadeiro ou fevereiro” é real ou não é? O que é falso? O que é verdadeiro?

Agora estamos no poder (Temos paz, temos tempo) provavelmente temos ou geramos a paz e todo tempo do mundo, é agora (Chegou a hora e agora é aqui) em 1964.

¨ 2º momento: A Censura e/ou tortura

Cortaram meus braços

Cortaram minhas mãos

Cortaram minhas pernas

Num dia de verão

Num dia de verão

Num dia de verão

Podia ser meu pai

Podia ser meu irmão

Para entendermos o 2º momento, temos duas vertentes: A Censura e a Tortura.

A Censura: no direito se expressar (Cortaram meus braços / Cortaram minhas mãos), se não temos braços e mãos, estamos (cerceados) de expressão e não podemos “dizer” o que pensamos. (Cortaram minhas pernas / Num dia de verão) censurado os direitos de ir e vir (hoje garantidos pela Constituição Federal de 1988) em um dia ensolarado por direito.

A Tortura: Usando métodos americanos de tortura física e psicológica, os militares tiveram cursos de tortura tanto aqui no Brasil, quanto nos E.U.A (Cortaram meus braços / Cortaram minhas mãos), as vezes esse “cortar” era literal mesmo, para tirarem informações que lhes interessavam. (Cortaram minhas pernas / Num dia de verão).

Essa Censura ou Tortura podia acontecer com todos indiscriminadamente, comigo, você ou nossos pais e irmãos, não importando o dia. (Num dia de verão / Num dia de verão / Podia ser meu pai / Podia ser meu irmão)

¨ 3º momento: Moldamento ou lavagem cerebral e traição

Não se esqueça, temos sorte

E agora é aqui

Quando querem transformar

Dignidade em doença

Quando querem transformar

Inteligência em traição

Quando querem transformar

Estupidez em recompensa

Quando querem transformar

Esperança em maldição

O 3º momento é uma crítica aos métodos de persuasão dos militares, e como eles faziam o povo “engolir de goela a baixo” o seu “poder”, ás suas vontades, “vomitando” sobre o povo seus ideais. (Quando querem transformar / Dignidade em doença), afinal a sua dignidade é ou não uma doença? Ou seja, ser digno é ser transformado em doente.

Eram usados pelos militares variados métodos de investigação (chamados: Inteligência) inclusive todas polícias do mundo usam esse método, o exército usa e dá o nome de 2ª Seção e na PM de PM2, ou seja, é uma Seção que normalmente entrega os próprios colegas de farda (Quando querem transformar / Inteligência em traição), eles traíam os próprios colegas e os civis nem se fala, eram fichados e investigados, o ex-presidente FHC, o Presidente Lula, Dilma Rousseff(companheira Estela) todos tinham ficha lá. (DOI/CODI)

Os militares veladamente protegiam e pagavam uma espécie de recompensa para quem os ajudasse com informações sigilosas de cunho político (Quando querem transformar / Estupidez em recompensa)

Normalmente aos perseguidos políticos lhes restavam a boa vontade dos seus opressores e a única chance de vida era a esperança em não ter esperança

(Quando querem transformar / Esperança em maldição)

¨ 4º momento: Há dois caminhos, qual o seu?

É o bem contra o mal

E você de que lado está?

Estou do lado do bem

E você de que lado está?

Nesse momento Renato Russo admite a existência da velha e conhecida luta do bem contra o mal, (É o bem contra o mal) que há dois conhecidos caminhos e questiona-nos para qual vamos pender (E você de que lado está?). Ele afirma ou um civil brasileiro qualquer de que está do lado dos civis, aqui representado pelo bem (Estou do lado do bem), sendo então o “mal” representado pelo exército ou os militares da época. O Eu-lírico reafirma que está do lado do bem, insiste em dizer que tem uma opinião formada e não pretende mudar de lado. (Estou do lado do bem / Com a luz e com os anjos)

¨ 5º momento: Atrocidades

Mataram um menino

Tinha arma de verdade

Tinha arma nenhuma

Tinha arma de brinquedo

O 5º momento é o ápice das atrocidades da ditadura brasileira, é uma crítica em se matar inocentes por muito pouco (Mataram um menino) e eles tinham armas reais (Tinha arma de verdade). Já os meninos (o povo) eram indefesos não tinham com o que matar ou com o que se defender (Tinha arma nenhuma) e ainda que tivessem algumas, eram armas inocentes e de brinquedo (Tinha arma de brinquedo).

¨ 6º momento: Burguesia

Eu tenho um autorama

Eu tenho Hanna-Barbera

Eu tenho pêra, uva e maçã

Eu tenho Guanabara

E modelos Revell

O 6º momento é um tapa na cara de milhões de brasileiros, é a expressão do esbanjamento dos militares que estavam no poder vs a sociedade cerceada. Naquela época quem tinha um brinquedo autorama? Quem conhecia os desenhos animados de Hanna Barbera? (Eu tenho um autorama / Eu tenho Hanna-Barbera).

E esse momento ainda vai criticando agora com a comida que ele podiam comprar, (Eu tenho pêra, uva e maçã) o povo às vezes comiam essas frutas quando estavam doentes. A burguesia vai sendo criticada por onde se podiam morar e comprar (Eu tenho Guanabara / E modelos Revell) só os ricos sabiam o que era isso. Modelos Revell eram carinhos de brinquedo (modelismo).

¨ 7º momento: País do presente

O Brasil é o país do futuro

O Brasil é o país do futuro

O Brasil é o país do futuro

O Brasil é o país

Em toda e qualquer situação

Eu quero tudo Pra cima

Pra cima

Pra cima

Nesse ultimo momento é uma critica ao Brasil da época, por ser um país dito “do futuro”, somos um país do futuro até quando? Temos que ser um país do presente, o futuro é agora, já, aqui mesmo, agora!!! Há uma ênfase (O Brasil é o país do futuro / O Brasil é o país do futuro / O Brasil é o país do futuro) nesse futuro que parece ser distante e que nunca chegará. Mas seja qual for a situação o povo brasileiro é valente e acredita no país e tem esperança que esse futuro não tarde muito e que em breve chegará (fim da ditadura), com liberdade de expressão, de ir e vir entre outras (Em toda e qualquer situação / Eu quero tudo Pra cima / Pra cima / Pra cima).

Vejamos agora algumas estruturas estilísticas:

1º momento:

1 Vou passar, quero ver

2 Volta aqui, vem você

3 Como foi, nem sentiu

4 Se era falso, ou fevereiro

5 Temos paz, temos tempo

6 Chegou a hora e agora é aqui

O 1º momento apresenta-nos dois grupo: um de quatro versos e outro de dois, totalizando seis versos. Tem uma métrica não padronizada de seis sílabas, os terceiro e quarto versos são brancos (não rimam), já os quinto e sexto versos, além de serem brancos, são livres (medida não padronizada).

Nota-se que no quarto verso (Se era falso, ou fevereiro) há um paradoxo, intencionalmente ou não, a rima mais bem aplicada seria: (Se era falso, ou verdadeiro).

2º Momento

7 Cortaram meus braços

8 Cortaram minhas mãos

9 Cortaram minhas pernas

10 Num dia de verão

11 Num dia de verão

12 Num dia de verão

13 Podia ser meu pai

14 Podia ser meu irmão

Aqui temos oito versos, dois grupos de quatro, há a utilização de Anáfora nos dois grupos (Cortaram, Cortaram, Cortaram), (Num, Num e Podia, podia), os versos são livres, mas não são brancos.

3º Momento

15 Não se esqueça, temos sorte

16 E agora é aqui

17 Quando querem transformar

18 Dignidade em doença

19 Quando querem transformar

20 Inteligência em traição

21 Quando querem transformar

22 Estupidez em recompensa

23 Quando querem transformar

24 Esperança em maldição

Aqui temos dez versos, cinco grupos de dois, há também a utilização de Anáfora (Quando, quando, quando), são versos livres e possuem rima.

4º Momento

25 É o bem contra o mal

26 E você de que lado está?

27 Estou do lado do bem

28 E você de que lado está?

Aqui temos quatro versos, são versos livres e possuem rimas interpoladas sonoras por repetição. Há uma comparação interrogativa.

5º Momento

29 Mataram um menino

30 Tinha arma de verdade

31 Tinha arma nenhuma

32 Tinha arma de brinquedo

Aqui temos quatro versos, são versos livres e brancos, há também Anáfora (Tinha arma, tinha arma, tinha arma), há ainda contradição enfática paradoxal (Arma de verdade / Arma de brinquedo).

6º Momento

33 Eu tenho um autorama

34 Eu tenho Hanna-Barbera

35 Eu tenho pêra, uva e maçã

36 Eu tenho Guanabara

37 E modelos Revell

Aqui temos cinco versos, são versos livres e (rima velada), há também Anáfora (Eu tenho, Eu tenho, Eu tenho), há ainda o recurso de Metonímia, a marca pelo produto (33 Eu tenho um autorama), o autor pela obra (34 Eu tenho Hanna-Barbera), a matéria pelo objeto (pêra, uva e maçã), a marca pelo produto (Modelos Revell), carinhos de brinquedo.

7º Momento

38 O Brasil é o país do futuro

39 O Brasil é o país do futuro

40 O Brasil é o país do futuro

41 O Brasil é o país

42 Em toda e qualquer situação

43 Eu quero tudo Pra cima

44 Pra cima

45 Pra cima

Nesse momento temos oito versos, divididos em dois grupos de quatro, há também Anáfora (O Brasil é, O brasil é, O brasil é) há ainda o recurso de comparação excessiva.

outros pedidos, Poeta Silva Neto pegosine@hotmail.com

Silva Neto
Enviado por Silva Neto em 10/09/2006
Reeditado em 05/12/2009
Código do texto: T236925
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