"A nível de" causa polêmica 

Recebi correio eletrônico do diplomata Cesário de Alexandria (cesariomla@gmail.com) em que ele contesta a condenação dos gramáticos ao uso da expressão "a nível de". Primeiro reproduzirei sua mensagem, para depois comentá-la.

MENSAGEM DO INTERNAUTA: Em página da internet, encontro dura crítica sua ao uso da expressão "a nível de".
A propósito, permito-me apresentar-lhe exemplos de uso equivalente em todos os outros idiomas neolatinos, além de alemão e inglês.


Italiano
"Qual è la differenza, specialmente a livello di nutrizione, tra
normale zucchero bianco e zucchero di canna?"
(Qual é a diferença, especiamente a nível de nutrição, entre açúcar normal e açúcar de cana?).

"La grande importanza della lotta a livello dell'Unione Europea contro il razzismo e la xenofobia."
(A grande importância da luta a nível da União Européia contra o racismo e a xenofobia).

Francês
"Au niveau de la distribution des revenus, les mêmes disparités apparaissent."
(A nível da distribuição de renda, as mesmas disparidades aparecem).

"Il faut préserver la Coopération au Développement au niveau de l'Union européenne."
(É preciso preservar a Cooperação ao Desenvolvimento a nível da União Européia).

Espanhol
"Pero es todavía más grave el impacto negativo a nivel de la integración política regional."
(Mas é ainda mais grave o impacto negativo a nível da integração política regional).

"Hay que mejorar la competitividad a nivel de America Latina y el Mundo".
(É preciso melhorar a competitividade a nível de América Latina e o Mundo).

Alemão
"Der Nordatlantikrat trifft sich in der Regel einmal pro Woche auf Ebene der Ständigen Vertreter."
(O Conselho Norte-atlântico reúne-se regularmente uma vez por semana a nível de Representantes Permantentes).

"Wir müssen auf der Ebene der Begrifflichkeit verstehen."
(Precisamos entender a nível de conceito).

"Die soziale Reformen der letzten Zeit auf der Ebene der Bürger erklären."
(Esclarecer as reformas dos últimos tempos a nível dos cidadãos).

"Europa hat das Potenzial, eine selbstbestimmte und selbstbewusste Rolle auf der internationalen Ebene einzunehmen."
( A Europa tem o potencial para desempenhar um papel auto-definido e auto-consciente a nível internacional).

Inglês
"Those with an impact at national or international level."
( Aqueles com impacto a nível nacional ou internacional)

"Developing international cooperation and awareness towards international cooperation at citizen level."
(Desenvolvendo a cooperação internacional e a conscientização para a cooperação a nível do cidadão).

Prezado Consolaro, todos esses exemplos foram tirados da internet em contextos que revelam o bom nível cultural de seus autores. Como pode verificar, as expressões AL NIVELLO DI , AU NIVEAU DE , AL NIVEL DE, AUF ...EBENE, AT...LEVEL são equivalente ao português "A NÍVEL DE" e podem ser perfeitamente traduzidas por esta expressão com a grande vantagem de não trair no mais mínimo a idéia do idioma original.

Diplomata de profissão, tendo que lidar cotidianamente com muitos idiomas, dei-me conta de que geralmente os distintos idiomas tendem a resolver de modo análogo as necessidades de comunicação.

Os povos português e brasileiro resolveram de forma eficaz e coerente esta necessidade consagrando o uso de "a nível de" nos sentidos que Vossa Senhoria veda de forma taxativa e absoluta.

Uma colega sua (Piacentini) propõe o seguinte:
O tema foi decidido numa reunião (a nível) de ministros. [ou reunião ministerial]

Em seu afã de conformar-se à regra que adotou (ou se lhe impingiram) propõe uma solução que falseia inteiramente o sentido da frase. Ora, reunião A NÍVEL DE MINISTROS é uma reunião que NÃO se deu a outro nível qualquer. É isso que o falante pretende salientar. A "solução" proposta nada soluciona, antes confunde e atrapalha.

Outros propõem sem fundamentação alguma sua substituição por "em nível de" quando TODAS as línguas neolatinas usam a preposição "a" como demonstrado acima.

Conclamo Vossa Senhoria e seus colegas a tratar dos temas de linguagem de forma aberta e construtiva, sempre dispostos a aceitar a rica contribuição ao idioma daqueles que são seus verdadeiros donos: seus usuários.

COMENTÁRIOS

Concordo com o diplomata. Se ele tivesse lido outras seções de site Por Trás das Letras, como Polêmica, por exemplo, ou Artigos/Ensaios, teria minha posição sobre a gramática tradicional.

Além disso, no verbete "a nível de", seção Tira-Dúvidas, dei a fonte em que busquei a explicação (clique aqui): Manual de Redação do Estadão. Aquela posição não é minha.

Gramática é como o idioma se organiza, e a tradicional não dá mais conta disso, portanto, como professor de Português encontro enorme dificuldade em ensinar uma gramática fossilizada, que não é mais usada pelos usuários do idioma.

Realmente, os donos do idioma são seus usuários, mas no momento de o jovem fazer concurso público ou exame vestibular, ele precisa dominar a gramática tradicional. Não posso levá-lo a errar uma questão num exame em que decide o seu futuro porque lhe dei orientação contrária à gramatica tradicional.

Por isso, a adoção de uma gramática ensinada nas escolas, mais próxima à usada pelos usuários do idioma, a gramática real, caminha lentamente. Todos esperam que mude por decreto. Na verdade, há uma elite intelectual impondo a sua forma de escrever aos demais brasileiros.

A seção Tira-Dúvidas segue a gramática tradicional, para quem pretende usar a dita "norma culta" ou "oculta", como quer o lingüista de minha referência, Marcos Bagno ( www.marcosbagno.com.br ). As grandes questões lingüísticas estão em outras seções do site.

RETORNO

Caro Hélio, agradeço sua resposta. Entendo a necessidade de orientar vestibulandos segundo os cânones da gramática "tradicional". Meu argumento, contudo, é de que a expressão "a nível de" não só atende a uma necessidade de comunicação como corresponde à norma culta do idioma.

Assisto regularmente à RTP de Portugal, em canal por satélite. Asseguro-lhe que TODOS os falantes portugueses, de TODOS os níveis culturais, usam invariavelmente "a nível de". Estão na melhor companhia dos outros idiomas de cultura neolatinos, conforme mostrei.

Desse modo, os vestibulandos que aprendem que tal uso é um "erro" tenderão a carregar para o resto da vida, uma vez aprovados no vestibular, o preconceito contra aqueles que "falam errado", inconscientes de que são eles que estão na contramão do idioma.

Li tempos atrás alguns textos de Marcos Bagno. Ele o que faz é levar para o campo ideológico as questões em torno da língua. Penso de outro modo. Considero importante a codificação do idioma. Meu ponto é outro.

O que condeno é o ativismo de alguns poucos gramáticos em tentar impingir como "norma culta" regras que de modo algum correspondem a essa norma. Isso gera ruído, ambigüidade e confusão na língua.

Outro dia em Roma, Lula explicava que convidou FHC para viajar no avião da Presidência com essas palavras: "conseguimos tirar as nossas diferenças, sentarmos no mesmo lugar, viajarmos no mesmo avião e provar que nós somos capazes de sermos civilizados". Evidentemente, esse modo de flexionar o infinitivo não encontra amparo na norma culta. Está errado. Bagno não entenderia assim.

Claro que autorizo acrescentar no saite meu comentário.
Cesário de Alexandria

cesariomla@gmail.com

(
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=gramatica/docs/anivelde)